Desde julho, 13 trabalhadores do Haiti denunciaram espancamentos
sofridos dentro de empresas em que trabalhavam, em Curitiba
O tórax do haitiano Maurice*,
de 26 anos, ainda dói quando faz movimentos bruscos. Há pouco mais de um mês,
ele foi espancado até perder os sentidos, por dois colegas de trabalho. As
agressões ocorreram dentro da cerealista da qual eram empregados. O rapaz foi
surrado depois de pedir que parassem de lhe ofender por sua cor e condição de
migrante. Além de, por mais de um mês, ter sido chamado diariamente de
“escravo” e de “macaco”, aguentava colegas que lhe atiravam bananas, como forma
de ofendê-lo. Mais do que os ferimentos físicos, é a dor do preconceito que
incomoda o haitiano.
“Eu falava pra eles: ‘Você
é meu irmão. Sou humano igual a você, criado pelo mesmo Deus’. Mas me bateram,
bateram e ninguém separou”, disse o migrante. “Eu não entendo porque isso, se
sou gente como eles”, lamenta.
Antes velada, a xenofobia
em Curitiba parece ter ultrapassado os limites da injúria e do racismo. Se
antes o ódio se manifestava em olhares, em xingamentos e em algumas reações
mais contidas, agora alguns casos passaram a se cristalizar em atos violentos.
Desde julho, a Casa Latino
Americana (Casla), organização que acolhe migrantes na capital paranaense,
recebeu 13 haitianos que foram espancados por causa do preconceito.
Assim como Maurice, os
relatos detalham atitudes que escancaram a discriminação e que terminaram com
agressões físicas graves. As vítimas estão recebendo assessoria jurídica da
Casla, com apoio da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), por meio da Comissão
de Direitos dos Migrantes.
“Todos estes casos ocorreram
por preconceito e xenofobia. As vítimas foram agredidas por serem haitianas.
Estamos assustados, porque estes são apenas os casos que nos chegam. Muitos
devem ficar ocultos”, diz a advogada Nádia Pacher Floriani, presidente da
comissão da OAB. “Às vezes, temos que nos segurar para as lágrimas não rolarem
diante das histórias”, conta.
No trabalho
As agressões recentes
reúnem uma característica em comum: foram cometidas dentro de empresas em que
os haitianos trabalhavam. Por precisarem do emprego, muitas das vítimas acabam
suportando as humilhações e as agressões, silenciando diante do preconceito.
“Ao mesmo tempo em que essas aberrações acontecem, muitos são obrigados a
permanecer no trabalho para garantir seu sustento. É xenofobia. É um problema
cultural de não aceitar o outro”, define o advogado trabalhista Adriano Falvo,
que presta assessoria jurídica voluntária às vítimas.
As ocorrências extrapolam
a esfera trabalhista e têm gerado, também, ações criminais. Um dos homens que
espancou Maurice chegou a se preso poucas horas depois, por crime de racismo.
Posteriormente, no entanto, foi solto, porque as autoridades consideraram que o
ato se enquadrava em injúria racial. Mesmo diante do patrão, ele teria mantido
as ofensas. “Ele disse ao chefe que tinha me batido porque não gostava de preto
e de haitianos. Eu fico muito triste com isso”, desabafa Maurice.
* Os nomes das vítimas e
das empresas foram omitidos, porque os casos correm na Justiça sob sigilo.
Proibido de trabalhar após casos suspeitos de ebola
A suspeita recente de
ebola no Paraná parece ter colocado em ebulição o preconceito e a xenofobia
contra migrantes negros, mesmo aqueles que não vêm da zona de maior risco para
a doença, ainda circunscrita a países da África. Na última semana, um imigrante
do Haiti I (país da América Central), contratado de uma empresa terceirizada
que presta serviços a uma construtora, foi impedido de entrar na obra em que
trabalhava. “Ele foi barrado na portaria, por um funcionário que disse: ‘Você é
haitiano, negro e vai trazer doenças. Aqui você não trabalha’. Ele não pôde
sequer pegar suas coisas, que ficavam num armário da obra”, disse o advogado
Adriano Falvo.
Na última segunda-feira, a
Gazeta do Povo mostrou que, após a suspeita de um guineano ter sido contaminado
com o vírus do ebola em Cascavel, parte da população local se voltou contra os
migrantes negros. “Apesar de o Haiti ficar a milhares de quilômetros da Guiné,
depois desse caso a xenofobia e o preconceito parecem ter aflorado por aqui. Só
com informação é que vamos reverter isso”, opina a advogada Nádia Floriani.
Chefe que agredia haitiano foi demitido após denúncia
Além de ter apanhado do
chefe de cozinha do restaurante em que trabalha, em Curitiba, JEAN*
afirma que ainda foi espancado no ALOJAMENTO da empresa, onde o agressor também
morava. O haitiano, de 24 anos, foi ameaçado de morte e, ainda hoje, sente
medo. “Eu estava no computador. Ele chegou em casa e já me deu um soco na
cabeça. Eu perdi os sentidos. Quando acordei, ele continuou me batendo e pegou
uma faca. Eu consegui correr para fora e voltei ao restaurante. Ele queria
tirar a minha vida”, conta o haitiano.
Perseguido
Antes mesmo de ter sido
agredido no alojamento, Jean vinha sendo perseguido pelo chefe de cozinha, que
o chamava com palavrões e de “preto”. O rapaz continua trabalhando no
restaurante, enquanto o chefe foi demitido. Ainda assim, ele pensa em mudar de
emprego. “Eu faço de tudo para segurar este trabalho, mas tenho muito medo”,
confessa.
Felippe Aníbal – Gazeta do Povo
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