Discutimos a possibilidade de concessão
do benefício de amparo assistencial ao estrangeiro residente no país,
posicionando as perspectivas para o cenário jurídico nacional com o julgamento
a ser realizado pelo STF em recurso com efeito repetitivo.
INTRODUÇÃO
No campo da
Assistência Social, a Constituição Federal, em seu Art. 203, V, previu a
garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de
deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria
manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei.
Como se trata de
dispositivo constitucional com eficácia limitada houve a necessidade de
regulamentação para efetiva criação do benefício denominado Amparo Assistencial
(cujo gênero se subdivide nas espécies: ao deficiente e ao idoso).
Em razão dessa
redação, iniciou-se uma discussão acerca da possibilidade ou não da concessão
do benefício Amparo Assistencial ao ‘estrangeiro residente no país’,
ressaltando que o Art. 20, caput da LOAS[1],
que trata especificamente desse benefício, estabeleceu os requisitos
necessários para sua concessão sem mencionar essa questão, sendo fiel à
diretriz da norma constitucional prevista no Art. 203, V da CF: a) ser
idoso ou deficiente; b) não possuir meios de prover a
própria manutenção nem de tê-la provida por sua família.
Em razão da celeuma
criada e diante de vários recursos abordando o tema de cunho constitucional, o
STF reconheceu a repercussão geral (Art. 543 – B do CPC) no Recurso
Extraordinário 587.970[2],
donde se espera uma conclusão para as controvérsias.
Mas quais as
fundamentações para as teses, qual direção deve ser seguida e quais as
repercussões de ordem prática? É o que passaremos abordar.
1. DO CONCEITO DE
CIDADÃO E DA PREVISÃO DO DECRETO 6.214/07. A TESE DA NEGATIVA.
Conforme redação do
texto constitucional, a norma do Art. 203, V da CF/88 possui eficácia limitada,
eis que remete à lei a regulamentação do benefício assistencial: conforme
dispuser a lei.
Esse entendimento,
dentre outros julgados[3] restou
pacificado no STF mormente após o julgamento da ADI 1.232-DF, cuja decisão
possui efeito erga omnes, e foi arrematada com o seguinte
ementário:
CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE
LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO
ART. 203 DA CF.
Inexiste restrição alegada em face ao próprio dispositivo constitucional que reporta à Lei para fixar os critérios de garantia do benefício de salário mínimo à pessoa portadora de deficiência física e ao idoso.
Inexiste restrição alegada em face ao próprio dispositivo constitucional que reporta à Lei para fixar os critérios de garantia do benefício de salário mínimo à pessoa portadora de deficiência física e ao idoso.
Esta lei traz hipótese objetiva de
prestação assistencial do Estado. Ação julgada improcedente. (ADIn 1.232-DF,
rel. Min. Ilmar Galvão, red. P/ acórdão Min. Nelson Jobim, 27.08.98)
E essa regulamentação
foi feita através da edição da Lei nº 8.742/93 (Lei da Organização da
Assistência Social), cuja redação de seu Art. 1º, garante ao ‘cidadão’ o
direito à assistência social:
Art. 1º A assistência social, direito
do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não
contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto
integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o
atendimento às necessidades básicas.
No dizer do mestre
José Afonso da Silva[4]:
“No Direito Constitucional brasileiro
vigente, os termos nacionalidade e cidadania, ou nacional e cidadão, têm
sentido distinto. Nacional é o brasileiro nato ou naturalizado, ou seja, aquele
que se vincula, por nascimento ou naturalização, ao território brasileiro. Cidadão
qualifica o nacional no gozo dos direitos políticos e os participantes da vida
do Estado (arts. 1º, II, e 14). Surgem, assim, três situações
distintas: a do nacional (ou da nacionalidade), que pode ser nato ou
naturalizado; a do cidadão (ou da cidadania) e a do estrangeiro, as quais
envolvem, também, condições jurídicas distintas [...].”
Portanto, para que
seja considerado ‘cidadão’, mister que a pessoa seja, primeiramente, brasileiro
(nato ou naturalizado), eis que para o exercício dos direitos inerentes à
cidadania, é fundamental desfrutar do status de nacional do
Estado que confere tais direitos. Não possuindo o estrangeiro esse status,
pode-se afirmar que o princípio da igualdade não pode ser invocado.
E é de ordem lógica
esse entendimento. Exercício de direitos pressupõe a contrapartida no
cumprimento de deveres. Não tendo o estrangeiro obrigação com todos os deveres
impostos aos cidadãos brasileiros (dentre eles: o voto obrigatório, o
alistamento militar, dentre outros compromissos com a pátria), a ele devem
ser assegurados somente os direitos garantidos pela Constituição Federal e pela
lei.
Nesta linha é que
articula o artigo 95 da Lei nº 6.815/80: “O estrangeiro residente no
Brasil goza de todos os direitos reconhecidos aos brasileiros, nos termos da
Constituição e das leis.”.
E não se justifica o
argumento que, agindo-se assim, estará havendo tratamento desigual aos
estrangeiros. Isonomia é tratar igual os iguais, e desigualmente os desiguais.
É assim que é pra ser. Não fosse essa assertiva, estaria a própria Constituição
Federal, em típico caso de antinomia, agindo em desconformidade com o princípio
da isonomia ao prever que o estrangeiro, p.ex.: não pode se alistar
como eleitor; possui restrições ao exercício de cargos, empregos e funções
públicas; possui exigências diferenciadas no processo de adoção, dentre
outros.
Portanto, a exigência
do Art. 1º da Lei 8.742/93, não pode ser taxada de inconstitucional.
E essa mesma
restrição se observa no Decreto nº 6.214/07, que regulamenta a LOAS:
Art. 7o É devido o
Benefício de Prestação Continuada ao brasileiro, naturalizado ou
nato, que comprove domicílio e residência no Brasil e atenda a
todos os demais critérios estabelecidos neste Regulamento.
Como se vê, o
estrangeiro só terá direito ao benefício assistencial se adquirir a
nacionalidade brasileira, preenchendo os requisitos constitucionais para
obtê-la (residência por quinze anos ininterruptos e sem condenação penal para
os estrangeiros de qualquer nacionalidade, ou, um ano ininterrupto e idoneidade
moral aos estrangeiros de países oriundos de língua portuguesa – artigo 12,
inciso II, alíneas “a” e “b”, da CF).
Esse entendimento
encontra guarida na jurisprudência pátria[5],
cabendo por fim registrar outro óbice de cunho constitucional para o
deferimento do amparo assistencial ao estrangeiro, qual seja a previsão do
Art. 195, § 5º da Constituição Federal, que determina que: “Nenhum
benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou
estendido sem a correspondente fonte de custeio total”, o que impede, por
óbvio, que o judiciário se utilize de uma interpretação extensiva para
concessão de benefício para o qual não haja previsão legal, muito menos fonte
de custeio correspondente, sob pena de colocar em risco as contas públicas.
Esse é o argumento
jurídico.
2. O RESPEITO A
DIREITO FUNDAMENTAL PREVISTO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. A ANTÍTESE QUE DEFENDE A
CONCESSÃO.
De cunho mais
político e social do que propriamente jurídico, há os que defendem a
possibilidade de concessão do benefício de amparo assistencial ao estrangeiro
residente no país, ainda que as normas específicas digam ao contrário.
Os que advogam pela
possibilidade de concessão do benefício de amparo assistencial aos estrangeiros
fundamentam seu argumento jurídico no artigo 5º, caput da
Constituição Federal, que assim preconiza:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei,
sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
Esse o principal
fundamento jurídico; que possui como argumento subsidiário o fato do Brasil ser
signatário de diversos tratados e acordos internacionais em que se obriga a
promover a igualdade entre os povos e defender a dignidade da pessoa humana, v.g.: Pacto
de San José da Costa Rica.
Mas, como dito acima,
entendemos que é muito pouco para embasar tal pretensão, pois, fosse esse
dispositivo aplicado de forma ‘absoluta’, tratamento igual deveria ser dado aos
estrangeiros também no processo eleitoral; no preenchimento de cargos,
empregos e funções públicas, dentre outros.
Contudo, não podemos
sonegar a informação de que a jurisprudência – muito mais guiada por um viés
político-social, do que jurídico – caminha na direção de sedimentar a
possibilidade de concessão desse benefício aos estrangeiros, citando como
exemplo:
PREVIDENCIÁRIO. CONCESSÃO DE BENEFÍCIO
ASSISTENCIAL DE PRESTAÇÃO CONTINUADA (AMPARO SOCIAL) A ESTRANGEIRO RESIDENTE NO
PAÍS. POSSIBILIDADE.
- A condição de estrangeiro não impede
o agravado de receber benefício previdenciário de prestação continuada, pois,
de acordo com o artigo 5º da Constituição
Federal é assegurado ao estrangeiro, residente no país, o gozo
dos direitos e garantias individuais em igualdade de condição com o nacional.
- Satisfeitos os requisitos para a
implementação do benefício de amparo assistencial. Demonstrado ser o autor
idoso, sem filhos, não tendo como prover sua manutenção, nem de tê-la provida
por parentes, mais idosos que o próprio autor e impossibilitados de auxiliá-lo.
- Agravo de instrumento a que se nega
provimento.
(TRF-3 Processo: AG 80501 SP
2005.03.00.080501-0 Relator(a): JUIZA ANA PEZARINI Julgamento:21/08/2006,
Publicação: DJU DATA:21/02/2007 PÁGINA: 123).
Em razão de múltiplos
recursos com viés constitucional tratando da matéria, o STF reconheceu a
repercussão geral (Art. 543 – B do CPC) no Recurso Extraordinário 587.970 e,
considerando precedentes recentes daquela Corte, a tendência é pela admissão da
possibilidade de concessão do benefício amparo assistencial ao estrangeiro.
Ressalvamos, porém,
que mesmo os defensores dessa tese, admitem como restrição à concessão do
benefício amparo assistencial ao estrangeiro a exigência da residência
permanente do estrangeiro no país; evitando-se, portanto, que haja burla à flexibilização
da concessão do benefício ao estrangeiro, sobretudo nas localidades
fronteiriças de nosso país, p.ex: em Foz do Iguaçu,
cidade de fronteira, onde paraguaios e alguns
argentinos, que não residem no Brasil, requerem
benefício assistencial afirmando que residem em casa de amigos ou parentes.
3. CONCLUSÃO
O benefício de amparo
assistencial possui previsão constitucional no art. 203, V da Constituição
Federal, o qual possui eficácia limitada e remete à lei sua regulamentação.
O Art. 1º da Lei nº
8.742/93, que regulamentou o benefício de amparo assistencial, garante ao
‘cidadão’ o direito à assistência social. Em razão disso, uma interpretação
adequada é que esse benefício só é devido ao brasileiro, eis que, para que seja
considerado ‘cidadão’, mister que a pessoa seja, primeiramente, brasileiro
(nato ou naturalizado).
Contudo, não é esse o
caminho que tem tomado a jurisprudência majoritária, que calcada no artigo 5º, caput,
da Constituição Federal, que garante aos brasileiros e estrangeiros residentes
no país igualdade nos direitos fundamentais, entende pela extensão da garantia
à percepção desse direito aos estrangeiros; o que no nosso sentir não se
sustenta, pois essa garantia não é absoluta, tanto assim que o próprio texto
constitucional prevê expressamente várias restrições ao estrangeiro: não
poder se alistar como eleitor; restrições ao exercício de cargos, empregos e
funções públicas; exigências diferenciadas no processo de adoção, dentre
outros.
A solução para
encerrar essa celeuma, seria exigir que o estrangeiro postulasse sua
nacionalização[6] para
fazer jus ao benefício, eis que a aquisição da nacionalidade observa
perfeitamente o princípio da dignidade humana.
O STF reconheceu a
repercussão geral no Recurso Extraordinário 587.970 e, considerando precedentes
recentes daquela Corte, a tendência é pela admissão da possibilidade de
concessão do benefício amparo assistencial ao estrangeiro.
Contudo, o ponto
pacífico nessa questão é a exigência da residência permanente do estrangeiro no
país (em consonância com a própria redação do art. 5º da CF/88); cabendo por
fim, uma última observação: que se distinga o estrangeiro ‘regular’ do
estrangeiro ‘irregular’ eis que a esse, ao invés de concessão de ‘benefício’, a
lei e a Constituição Federal que garante a soberania nacional, impõem a
deportação (Art. 57 da lei nº 6.815/80).
4. REFERÊNCIAS
MARQUES, Carlos
Gustavo Moimaz. O Benefício Assistencial de Prestação Continuada.
São Paulo: LTr, 2009
SILVA, José Afonso
da. Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. São
Paulo: Malheiros Ed., 2007, p. 319.
NOTAS
[1] LOAS.
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um
salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e
cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria
manutenção nem de tê-la provida por sua família.
[2] “ASSISTÊNCIA
SOCIAL - GARANTIA DE SALÁRIO MÍNIMO A MENOS AFORTUNADO - ESTRANGEIRO RESIDENTE
NO PAÍS - DIREITO RECONHECIDO NA ORIGEM - Possui repercussão geral a
controvérsia sobre a possibilidade de conceder a estrangeiros residentes no
país o benefício assistencial previsto no artigo 203, inciso V, da Carta da
República.” (RE 587970 RG, Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO, julgado em
25/06/2009, DJe-186 DIVULG 01-10-2009 PUBLIC 02-10-2009 EMENT VOL-02376-04
PP-00742 )
[3] EMENTA: Embargos
de declaração em Recurso Extraordinário. 2. Decisão Monocrática do relator.
Embargos de declaração recebidos como agravo regimental. 3. Previdenciário.
Renda Mensal Vitalícia. Artigo 203, V, da Constituição Federal. Dispositivo não
autoaplicável. 4. Eficácia após edição da Lei 8.742, de 07.12.1993.
Precedentes. Agravo Regimental a que se nega provimento. (ED em RE no.
401.127-1/SP – Relator Ministro Gilmar Mendes – DJU 17.12.04).
[4] SILVA,
José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 29. ed. São Paulo:
Malheiros Ed., 2007, p. 319.
[5] Recurso
n.º 2005.71.95.018268-2/RS, 2.ª TR de Porto Alegre/RS.
[6] CF/88.
Art. 12. São brasileiros:
II - naturalizados:
a) os que, na forma
da lei, adquiram a nacionalidade brasileira, exigidas aos originários de países
de língua portuguesa apenas residência por um ano ininterrupto e idoneidade
moral;
b) os estrangeiros de
qualquer nacionalidade, residentes na República Federativa do Brasil há mais de
quinze anos ininterruptos e sem condenação penal, desde que requeiram a
nacionalidade brasileira.
Geandre Gomide
Geandre Gomide
Jus Navigandi
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