segunda-feira, 30 de novembro de 2020

4 motivos para apoiar refugiados no dia de doar

 


Amanhã, 1 de dezembro, pessoas e organizações do mundo inteiro celebram o Dia de Doar. Criada há mais de 10 anos nos Estados Unidos, a data promove a conexão de pessoas com causas em uma onda de ações de generosidade. Nesse dia de união para fazer o bem, a Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) reuniu quatro motivos apoiar refugiados, confira:

1. Nova crise humanitária ameaça milhares de pessoas na Etiópia

Etíopes que fugiram dos combates na região de Tigray se reúnem na vila de Hamdait, na fronteira do Sudão com a Etiópia, no estado de Kassala oriental © ACNUR/El Tayeb Siddig

Na Etiópia, uma crise humanitária em grande escala está se desenrolando e milhares de refugiados já fugiram dos violentos conflitos na região de Tigré, norte do país. Desde o dia 10 de novembro, cerca de 40.000 mulheres, homens e crianças cruzaram a fronteira rumo ao Sudão em busca de segurança.

O ACNUR e as autoridades sudanesas estão trabalhando sem parar para suprir necessidades básicas, mas a resposta a essa crise humanitária enfrenta inúmeros desafios logísticos. Não há capacidade de abrigo suficiente para atender às necessidades crescentes.

 

2. Espaço e recursos escassos: refugiados seguem vulneráveis à COVID-19

Criança do Burundi lava as mãos no campo de refugiados Mahama, em Ruanda, agosto 2020 © ACNUR/Eugene Sibomana

Enquanto países ao redor do mundo enfrentam a segunda onda do coronavirus, o ACNUR lembra que as populações deslocadas seguem em situação de extrema vulnerabilidade, lidando com aglomerações e acesso limitado a itens básicos como sabão e água.

Ter acesso básico a serviços como saúde, saneamento básico e abrigo decente para chamar de lar são essenciais para todos os seres humanos viverem com dignidade. No entanto, essa não é a realidade para milhões de refugiados e pessoas deslocadas internamente ao redor do mundo.

 

3. Em todo o mundo, milhares de pessoas continuam deixando suas casas para escapar de conflitos

Barco com refugiados e migrantes de diversos países da África espera para ser resgatado ©ACNUR/Hereward Holland

A crise de COVID-19 exacerbou as necessidades humanitárias em todo o mundo, particularmente em países de renda baixa e média, que atualmente acolhem mais de 85% dos refugiados do mundo. A pandemia está desestabilizando setores inteiros da economia, com milhões de pessoas dependendo de rendas instáveis que agora estão em risco.

De maneira geral, a violência, a perseguição e os conflitos civis continuam a deslocar milhões de pessoas. Poucos conflitos diminuíram nos últimos meses, enquanto alguns, como na República Democrática do Congo, Líbia, Sahel e Síria, pioraram.

 

4. 70 anos do ACNUR: os tempos mudam, nossa missão não

Funcionária do ACNUR conversa com Magdalena, refugiada venezuelana que vive em uma comunidade indígena no Brasil © UNHCR/Viktor Pesenti

O ACNUR, a Agência da ONU para Refugiados, foi criado em dezembro de 1950 por resolução da Assembleia Geral das Nações Unidas. Iniciou suas atividades em janeiro de 1951, com um mandato inicial de três anos para reassentar refugiados europeus que estavam sem lar após a Segunda Guerra Mundial.

Com os níveis de deslocamento forçado atingindo níveis sem precedência nas últimas décadas, o ACNUR segue atuando há 70 anos com uma única missão: proteger e ajudar milhões de pessoas a recomeçarem suas vidas. Por esse trabalho humanitário, recebeu duas vezes o Prêmio Nobel da Paz (1954 e 1981).

O trabalho do ACNUR de proteção às pessoas refugiadas é mantido por contribuições voluntárias de países e por doações de empresas e pessoas físicas. No Dia de Doar, faça parte desse movimento e ajude e garantir um futuro digno a milhares de pessoas. Doe agora mesmo.

Onu

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MISSIONÁRIO DOS MIGRANTES E REFUGIADOS É NOMEADO CARDEAL

 

Entre os 13 novos cardeais nomeados, neste último Consistório, realizado na cidade do Vaticano no final de novembro, figura o nome de um arcebispo do corpo diplomático da Santa Sé, Cardeal Silvano Maria Tomasi, CS. Sua nomeação representa, por parte do Papa Francisco, um verdadeiro gesto de reconhecimento por tudo o que esse sacerdote scalabriniano realizou em sua trajetória de missionário junto aos migrantes e refugiados. Nascido em Casoni di Mussolente, Itália, no dia 12 de outubro de 1940, fez os primeiros estudos nesse país, tendo logo sido destinado às missões dos Estados Unidos, lugar de imigração historicamente intensa e variada. Concluídos os estudos superiores, ali foi ordenado sacerdote em maio de 1965.

Sempre nos Estados Unidos, Pe, Silvano Tomasi por vários anos atuou na Pastoral dos Migrantes. Além da preocupação pastoral com a acolhida e a assistência aos imigrantes, dedicou-se ainda ao estudo das migrações. De maneira particular, colaborou com o Center for Migration Studies (CMS) & e a International Migration Review (IMR) de New York (USA). Os companheiros missionários, que confiavam no seu trabalho e na sua liderança, o elegeram Superior da Província onde prestava seu ministério, na Congregação dos Missionários de São Carlos (scalabrinianos). Tal capacidade de liderança, aliás, foi-lhe prontamente reconhecida: entre os anos de 1983 e 1987, passou a exercer o cargo de primeiro diretor do Setor de Pastoral dos Migrantes e Refugiados (PCMR) da Conferência Episcopal dos Estados Unidos (NCCB/USCC).

Logo em seguida, entre os anos de 1989 a 1996, o então Papa João Paulo II o requisitou como Secretário do Pontifício Conselho para a Pastoral dos Migrantes e Itinerantes, na cidade do Vaticano. A partir dessa tarefa e desse conhecimento concreto, em junho de 1996, foi nomeado núncio apostólico, com presença extensiva a dois países africanos, Eritreia e Etiópia. A região, a leste do continente, é marcada por uma mistura de intensa a pobreza e violência. Por isso mesmo, tem sido igualmente intensa a fuga de migrantes, seja em direção a outros lugares da África, sem rumo e à Europa. Ao mesmo tempo, em agosto de 1996, foi consagrado como arcebispo titular de Asolo.

Na data de 10 de junho de 2003, foi nomeado Observador Permanente da Santa Sé junto ao Gabinete das Nações Unidas e das Instituições Especializadas em Genebra, como também Observador Permanente junto à Organização Mundial do Comércio (OMC), com atenção especial, entretanto, para a questão dos migrantes e refugiados. Com a herança de uma grande atuação no campo da mobilidade humana, ali trabalhou por 13 anos, tendo deixado o cargo em 13 de fevereiro de 2016, como bispo emérito devido à idade de mais de 75 anos. Mesmo assim, o Papa Francisco o nomeou como membro do novo Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral, ao lado do qual situa-se o serviço de Pastoral aos Migrantes e Refugiados.

Mais do que simples membro do Dicastério, na verdade, devido à sua longa experiência com o fenômeno das migrações, o então Dom Silvano Tomai acabou sendo encarregado de organizar o funcionamento operacional e concreto próprio serviço. Revelou-se, nessa tarefa, um incansável pastor e profeta na solicitude para com aqueles que são obrigados a deixar a terra natal e aventurar-se por caminhos desconhecidos e, quem sabe, menos ingratos e mais promissores.

Pe. Alfredo J. Gonçalves, cs, vice-presidente do SPM – Rio de Janeiro, 30 de novembro de 2020

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sábado, 28 de novembro de 2020

Quarto episódio do podcast “Refúgio em Pauta” debate o tema da apatridia

 

As irmãs Souad e Maha foram as primeiras pessoas reconhecidas como apátridas pelo Governo Brasileiro. © ACNUR/Victoria Hugueney

Disponível no site do ACNUR e nos principais agregadores de podcast, o novo episódio do “Refúgio em Pauta” aborda a realidade dos apátridas, pessoas sem nacionalidade e que fazem parte do mandato do ACNUR

Pessoas apátridas são aquelas que não são consideradas cidadãs ou nacionais de qualquer país. Pode parecer estranho a afirmação de que haja pessoas sem nenhuma nacionalidade, mas esta é a realidade de mais de 4 milhões de pessoas que vivem em 76 países. Estes dados da Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) são subestimados justamente pela dificuldade de acessar pessoas sem qualquer registro, praticamente “inexistentes”.

No quarto episódio do podcast “Refúgio em Pauta”, produzido pela Agência da ONU para Refugiados (ACNUR) em parceria com a Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM), o tema da apatridia é pautado, trazendo para o debate deste assunto especialistas do ACNUR, do Comitê Nacional para os Refugiados (CONARE) e uma pessoa que, antes apátrida, tornou-se cidadã brasileira em 2018.

“A primeira dificuldade que eu passei foi para me matricular na escola. Como minha mãe iria inscrever na escola uma filha sem documento algum? Quando me tornei adolescente, percebi os reais problemas de ser uma apátrida. Seus amigos estão viajando e eu não consegue viajar, seus amigos estão participando de competições esportivas e eu não consegue participar, seus amigos frequentam eventos e eu não consigo estar”, relata Maha Mamo, que nasceu apátrida no Líbano e só aos 30 anos conseguiu uma nacionalidade, a brasileira.

Em todas as regiões do mundo o ACNUR tem registrado apátridas, seja na Ásia, África, Oriente Médio, Europa, Américas… Neste quarto episódio do podcast “Refúgio em Pauta”, o ACNUR e a CSVM conversaram com uma profissional de proteção do ACNUR para entender mais sobre quem são as pessoas apátridas e os motivos que causam essa realidade. Na sequência, o Coordenador Geral do CONARE, Bernardo Laferté, foi entrevistado para saber dele como se deu a construção legal do processo de reconhecimento de apátridas no Brasil. Por fim, a cidadã brasileira (ex-apátrida) Maha Mamo narra sua marcante trajetória, compartilhando em primeira pessoa as tantas dificuldades que enfrentou.

Aliás, no dia 30 de setembro, será lançado pela editora Globo Livros a obra “Maha Mamo – a luta de uma apátrida pelo direito de existir”, em que Maha narra, ao lado do jornalista Darcio Oliveira, sua vida da infância e juventude em Beirute à fase adulta no Brasil.

 

Episódios do “Refúgio em Pauta”

O primeiro episódio do podcast, lançado em agosto, abordou a segurança alimentar de pessoas refugiadas em tempos de pandemia, um tema que fez com que o ACNUR e seus parceiros revessem seus planejamentos e ações emergenciais. Já o segundo, disponível desde o mês passado, apresentou o tema dos indígenas venezuelanos que chegaram ao Brasil em busca de proteção internacional e de seus direitos básicos, como moradia e alimentação, agregando novos valores e conhecimentos tradicionais à sociedade brasileira. O terceiro episódio retratou a realidade das crianças refugiadas que vivem no Brasil, evidenciando o delicado processo de adaptação no ambiente escolar e mesmos dos costumes e hábitos advindos do convívio familiar.

Contribuíram para a produção do quarto episódio do podcast “Refúgio em Pauta”, por parte do ACNUR, Miguel Pachioni e William Laureano; pela UFES a Professora Brunela Vincenzi; pela UFSM a Professora Giuliana Redin; pela UNICAMP, Mariana Hafiz; e Carlos Escalona, jornalista refugiado da Venezuela.  As vozes das vinhetas do podcast são gravados pelos músicos refugiados Leonardo Matumona (da República Democrática do Congo) e Oula Al-Saghir (Palestina/Síria).

Onu

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Simpósio online aborda direitos humanos para migrantes e refugiados no Brasil

 


Centro de Atendimento ao Migrante, Ordem dos Advogados do Brasil e Universidade de Caxias do Sul realizam evento conjunto para discutir o tema com a sociedade

Atravessar a fronteira é apenas o começo de uma nova e longa jornada para migrantes e refugiados em busca de direitos e de familiarização com deveres em uma nova nação. A realidade de pessoas que procuram uma condição de vida melhor no Brasil precisa ser encarada pelo poder público, sociedade civil, setor privado e pela academia. Para fortalecer esse debate, o Centro de Atendimento ao Migrante (CAM), a Universidade de Caxias do Sul (UCS) e a Ordem dos Advogados do Brasil – Subseção Caxias do Sul, por meio da Comissão de Direitos Humanos, promovem o 2º Simpósio Migrações e Refúgio à Luz dos Direitos Humanos, no próximo dia 30 de novembro, de forma online. A programação completa e as inscrições, gratuitas e abertas ao público, estão disponíveis aqui.

A região da Serra Gaúcha, que há mais de um século foi formada por imigrantes europeus, ainda se mantém como referência, mas o caminho é percorrido por pessoas de outras nacionalidades, como é o caso dos haitianos, senegaleses e venezuelanos que migram para o município de Caxias do Sul. Tendo em vista esse contexto, o evento trata das atuais demandas dos migrantes locais, que estão em situação de vulnerabilidade e precisam de políticas específicas ao seu contexto social, econômico e cultural dentro do processo de chegada e manutenção das suas necessidades.

Pandemia, migração indígena e mobilidade por mudanças climáticas

Os três painéis a serem apresentados no evento trazem uma visão abrangente e atual da migração. A abertura traz um tema que foi levantado recentemente em audiência pública do legislativo gaúcho e gerou grande repercussão: “Migração e saúde em tempos de pandemia”. Uma série de restrições em serviços no auge do distanciamento social fragilizou a população migrante e o assunto segue em pauta.

Para falar sobre “Circulação e migração indígena no Brasil – contexto e perspectivas acerca dos fluxos venezuelanos”, foram convidados representantes da Cáritas Brasileira, da Agência da ONU para Refugiados (Acnur) e do Organização Internacional para as Migrações (OIM). O terceiro painel aborda “Eventos extremos e mobilidade humana no contexto mudanças climáticas e desastres”, com contribuições de especialistas em Direito dos Desastres, Relações Internacionais e em Ciência Ambiental.

Um momento de diálogo, também aberto a todos os participantes, será a reunião de trabalho “Experiências de Universidades e Organizações da Sociedade Civil Organizada no amparo às populações migrantes”. Nessa atividade, os palestrantes, mediadores, professores, representantes de organizações da sociedade civil e do poder público irão debater, articular ações, estabelecer parcerias e alinhar futuros projetos relativos a políticas públicas e aos direitos dos migrantes.

“A primeira edição do simpósio, em 2019, foi excelente, pois culminou com o fortalecimento e a implementação de parcerias que se viabilizaram no decorrer de 2020, como junto à Acnur e à OIM. O evento visa divulgar os direitos e as garantias assegurados aos imigrantes e refugiados, muitas vezes desconhecidos pela sociedade em geral. Este ano, o II Simpósio contará novamente com parcerias de entidades nacionais e internacionais, como as agências do sistema ONU, Médicos Sem Fronteiras e Cáritas, além do envolvimento acadêmico realizado por meio de universidades”, destaca Adriano Pistorelo, advogado de Migrações do CAM e integrante da Comissão Organizadora do evento. 

As inscrições para o simpósio podem ser realizadas até o dia 29 de novembro por meio do formulário disponível neste link.

Sobre o Centro de Atendimento ao Migrante (CAM)

O Centro de Atendimento ao Migrante (CAM) é um serviço de Responsabilidade Social da Associação Educadora São Carlos (AESC), que existe desde 1984. É referência no atendimento aos imigrantes e refugiados, realizando atendimento e assessoria em mais de 57 municípios, que fazem parte da circunscrição da Polícia Federal de Caxias do Sul. 

O CAM realiza ações voltadas para a defesa e garantia de direitos da população migrante e refugiada, acesso às políticas públicas e regularização migratória, com atendimento jurídico gratuito e assessoria a instituições e órgãos públicos e privados. Além disso, trabalha com foco na inclusão social, contando com a parceria da comunidade, empresas, igrejas, voluntários, universidades, órgãos nacionais e internacionais.

Serviço

2º Simpósio Migrações e Refúgio à Luz dos Direitos Humanos

Data: 30 de novembro, segunda-feira

Horário: a partir das 8h30min

Formato: online

Inscrições antecipadas: até 29/11 pelo link disponível aqui

Jornal Dia ao Dia 

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sexta-feira, 27 de novembro de 2020

O ÚLTIMO VOLUME DA REVISTA INTERDISCIPLINAR DA MOBILIDADE HUMANA (REMHU) APRESENTA O EDITORIAL “PESSOAS MIGRANTES E REFUGIADAS LGBTI”

 


No mundo dos estudos sobre migração, coexistem diversas temáticas relacionadas à mobilidade humana que recentemente têm sido trabalhadas também em intersecção com assuntos identitários contemporâneos. A nova edição da REMHU n° 59 traz o editorial “Pessoas migrantes e refugiadas LGBTI”, visando abordar, de forma inédita, a discussão sobre o nexo entre mobilidade humana e orientação sexual/identidade de gênero.

Para Roberto Marinucci, Editor-chefe da revista, “na ótica do paradigma da interseccionalidade, determinadas problemáticas comuns nos processos das migrações – discriminações, violências, isolamento, desemprego, precarização do trabalho, entre outras – se tornam ainda mais severas no universo LGBTI, devido, possivelmente, à intersecção da LGBTfobia com outras fontes de discriminação, bem como à ausência ou precariedade de políticas públicas específicas nos países de chegada e, por vezes, à dificuldade de encontrar e contar com redes sociais de apoio”.

O volume destaca como a orientação sexual e a identidade de gênero podem incidir na decisão de migrar, quando muitas pessoas estão fugindo de seus países de origem por causa de um opressivo controle social em sociedades patriarcais e heteronormativas. Nesse sentido, cresce a pressão para que as problemáticas relacionadas a LGBTfobia sejam incluídas nos processos de elegibilidade dos pedidos de refúgio e nas pautas da gestão migratória.

O artigo “Gênero, sexualidades e descolamentos: notas etnográficas sobre imigrantes e “refugiados LGBTI” no Norte do Brasil”, de Arthur Fontgaland (doutorando em Antropologia Social pela USP) e Isadora França, professora do Departamento de Antropologia da Unicamp, apresenta notas etnográficas de pesquisas realizadas em abrigos voltados a refugiados LGBTI nas cidades de Manaus (AM), Boa Vista (RR) e Pacaraima (RR). Os autores dão atenção focal a precariedade da inserção laboral e ao caráter experimental das políticas de acolhimento nos abrigos.

Para França e Fontgaland, a atuação de lideranças LGBTI venezuelanas na região pesquisada aponta para a transformação da brutalidade das violências recebidas em luta pela defesa e promoção dos direitos LGBTI. Segundo a ACNUR (Agência da ONU para Refugiados), essa população tem sido compreendida como potencial grupo social específico, passível de obter proteção internacional em contextos nos quais o solicitante apresenta “fundado temor de perseguição em razão da sua orientação sexual e/ou identidade de gênero real ou percebida”.

Dados da ACNUR mostram que houve 369 solicitações de refúgio de pessoas LGBTI no Brasil até o ano de 2016, onde até 2018 52% seguiam pendentes, 10% foram recusadas ou arquivadas e 35% reconhecidas, sendo que esses números são passíveis de subnotificação. A maioria dessas solicitações são de pessoas de países africanos, especialmente Nigéria, Gana e Camarões, onde existem leis que criminalizam a “homossexualidade”.

No editorial deste número da REMHU, Marinucci afirma que, independente da interpretação que as diversas doutrinas religiosas atribuem às relações homoafetivas, é papel de todo grupo religioso prezar pelo respeito da dignidade e dos direitos de cada ser humanos, não apenas no sentido de não discriminar, mas também apoiar ativamente as lutas pelo reconhecimento dos direitos das populações migrantes e refugiadas LGBTI.

Confira aqui o volume completo.

www.csem.org.br/

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Governo lança nova cartilha de informações financeiras para refugiados

 

Daniel Mello/Agencia Brasil 

A terceira edição da Cartilha de Informações Financeiras para Refugiados e Migrantes foi lançada hoje (26) em evento online. O documento é uma iniciativa do Banco Central (BC), do Ministério da Justiça e Segurança Pública, do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur) e da Organização Internacional para as Migrações (OIM).

De acordo com o diretor de Relacionamento, Cidadania e Supervisão de Conduta do BC, Maurício Moura, muitos dos imigrantes e refugiados encontram-se em situação de vulnerabilidade financeira e acabam ainda encontrando dificuldades para abertura de contas e compreensão da moeda e das particularidades do sistema financeiro brasileiro. “A nossa Constituição garante a brasileiro e migrantes os mesmos direitos, à vida, a liberdade, a igualdade, a segurança a propriedade e a todos os demais direitos humanos. É impossível pensar na garantia desses direitos sem que estejam assegurados a migrantes e refugiados a sua inserção na vida econômica e em nosso sistema financeiro nacional”, disse.

A primeira edição da cartilha foi lançada em novembro de 2019 e a segunda em abril deste ano, já com a versão em inglês. Essa terceira edição, segundo o diretor, inclui atualizações e novos normativos, como as informações sobre o PIX, o recém-lançado arranjo de pagamentos instantâneo.

Moura destacou também a inclusão de informações sobre o aprimoramento da regulação que trata da abertura, manutenção e encerramento de conta, com especial atenção para a não exigência de documentos mínimos para abertura de contas. Agora, é atribuição das instituições financeiras adotar procedimentos necessários para identificar e qualificar titular da conta.

As versões em português, espanhol e inglês da nova edição da cartilha já estão disponíveis na página Cidadania Financeira do BC. Em breve o documento também será disponibilizado em francês e árabe.

O lançamento da cartilha acontece dentro da programação da 7ª Semana Nacional de Educação Financeira, promovida pelo BC.

Após a abertura e a apresentação da nova versão do documento, aconteceu o painel Inclusão Financeira de Refugiados e Migrantes: oportunidades para o público vulnerável. A transmissão do evento está disponível no canal da OIM no YouTube.

Edição: Valéria Aguiar

Agencia Brasil

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quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Casa Árabe promove webinar sobre imigração no Brasil

 


A Casa Árabe está organizando o seu primeiro evento virtual, o webinar ‘A Imigração Árabe no Brasil: Análise e suas interpretações’. O debate acontece na próxima segunda-feira (30) às 17 horas e terá como base uma pesquisa sobre a população árabe no Brasil realizada pelo Ibope e H2R Pesquisas Avançadas. O evento é gratuito, tem inscrições abertas e contará com tradução simultânea para o inglês.

Câmara de Comércio Árabe Brasileira anunciou no final de outubro a criação da Casa Árabe, espaço voltado para a cultura e a imigração árabe que inicialmente terá formato virtual, mas poderá receber uma sede no futuro. A ideia foi apresentada na comemoração dos 68 anos da Câmara Árabe, em julho deste ano, quando foi divulgada a pesquisa da imigração, e lançada oficialmente no Fórum Econômico Brasil & Países Árabes em outubro.

Participam do webinar a diretora da H2R Pesquisas Avançadas, Alessandra Frisso; o doutor em Direito Internacional pela Universidade de São Paulo, Salem Nasser; o professor titular da Universidade Federal de São Carlos e professor de pós-graduação em Sociologia, Oswaldo Truzzi; o diretor do Centro de Estudos e Culturas da América Latina da Universidade Saint-Esprit de Kaslik, do Líbano, Roberto Khatlab; o secretário-geral da Câmara Árabe, Tamer Mansour, e o presidente da entidade, Rubens Hannun, que faz a moderação.

“Este é o primeiro evento da Casa Árabe e queremos mostrar a importância e a influência dos imigrantes árabes no Brasil, até chegarmos no número que temos hoje, de 6% da população. Queremos debater esse tema cada dia mais”, disse Tamer Mansour para a reportagem da ANBA. O evento será uma grande reflexão sobre a pesquisa e sobre a trajetória dos imigrantes árabes no Brasil, desde sua chegada até os tempos atuais.

A amostragem apontou que existem 11,6 milhões de árabes e descendentes no Brasil e que eles formam 6% da população. Entre os que compõem essa comunidade, 10% é o imigrante, ou seja, é aquele que veio do país árabe.  Entre os descendentes, 20% é filho de imigrante, 41% é neto, 19% é bisneto e 20% é tataraneto. Os netos são a maior parcela. A pesquisa mostrou também uma expressiva presença árabe entre as lideranças empresariais no Brasil.

anba.com.br

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Opas revela “graves brechas” de proteção a crianças e adolescentes nas Américas

 


Os países das Américas têm “sérias brechas” para prevenir e responder a casos de violência a crianças e adolescentes.

A constatação é do primeiro estudo sobre o tema na região, que analisou dados de dezenas de países.  O levantamento foi divulgado, na segunda-feira, pela Organização Pan-Americana da Saúde, Opas, o braço da Organização Mundial da Saúde, OMS, nas Américas.

Estratégias

O Relatório Status Regional 2020: Prevenindo e Respondendo à Violência contra Crianças é baseado em informações de 31 países. Esta é a primeira vez que governos relatam o progresso sobre a estrutura “Inspire”, que é um conjunto de sete estratégias científicas de prevenção e resposta à violência infantil.

Os pesquisadores ressaltam, que nos últimos anos, a região tem tomado ações importantes para corrigir o problema, mas a crise da Covid-19 agravou a situação devido ao aumento da violência doméstica incluindo contra crianças e adolescentes.

Outros fatores como depressão, estresse, ansiedade, substâncias abusivas e preocupações socioeconômicas também foram apontados como causas de choques na família.

Unsplash/James Sutton
A Opas lembra que as agressões aos menores ocorrem de várias formas incluindo maus tratos por adultos que têm poder sobre elas, intimidações e bullying de colegas, violência sexual e em relacionamento romântico, ataques associados a colegas e a gangues.

Amigos e parentes

Com o isolamento social, muitas crianças tiveram o contato com amigos, parentes e com os serviços de proteção reduzido ou suspenso.

A vice-diretora da Opas, Mary Lou Valdez, disse que a violência a crianças tem efeitos e consequências arrasadoras. Por isso, é fundamental que os países utilizem estratégias científicas para combater o problema.

Além da Opas, cooperaram com o estudo vários países e entidades regionais assim como as agências Unicef e Unesco e a Parceria Global para Acabar com a Violência a Crianças.

O estudo recomenda ações sobre aplicação da lei, desafios das normais sociais e valores que justifiquem o uso da violência, criação de espaços seguros para as crianças, apoio para pais e cuidadores, fortalecimento da renda e da segurança econômica, melhoria em serviços de apoio e resposta a crianças fornecendo a elas educação e habilidades para a vida.

Impunidade

De acordo com o relatório, todos os países precisam fortalecer planos e legislações para enfrentar a violência. Mesmo com todas as nações pesquisadas indicando leis que proíbem o estupro, apenas 29% dos agressores têm probabilidade de serem responsabilizados, o que revela um alto nível de impunidade.

Apesar de algum progresso no lançamento do conjunto de estratégias “Inspire”, o avanço é desigual. Um exemplo: 76% dos países relataram abordagens de prevenção da violência associadas à educação e ao ensino de habilidades para a vida incluindo o programa contra o bullying nas escolas. E 60% informam ter apoiado os pais e os cuidadores com base nessas estratégias.

Mas apenas 37% dos países dizem apoiar ações de fortalecimento da renda para evitar a violência infantil. 

OIT/M. Crozet
Mesmo com todas as nações pesquisadas indicando leis que proíbem o estupro, apenas 29% dos agressores têm probabilidade de serem responsabilizados, o que revela um alto nível de impunidade.

Saúde mental

Poucas crianças têm acesso aos programas e aos serviços de prevenção e resposta à violência. Mais de 90% dos países indicaram ter serviços clínicos para crianças sobreviventes deste tipo de agressão, mas apenas 26% dizem ter alcançado os que precisam deste apoio.

Já o número de crianças sobreviventes que recebem serviços de saúde mental é ainda menor: somente 16% dos países dizem chegar a todos ou quase todos que precisam.

Mary Lou Valdez, da Opas, disse que devido ao fardo arrasador da violência na região para crianças e adolescentes, suas famílias e comunidades, a agência insta a todos os países a perseguirem melhorias e recomendações da estratégia.

O vice-chefe regional do Unicef na América Latina e Caribe, Youssouf Abdel-Jelil, disse que a violência a crianças, incluindo homicídios, pode ser prevenida e por isso é importante que todos juntem forças para acabar com esse crime.

Unicef/ UN014974/Estey
Com escolas fechadas devido a pandemia, bullying digital aumentou.

Bullying

A Opas lembra que as agressões aos menores ocorrem de várias formas incluindo maus tratos por adultos que têm poder sobre elas, intimidações e bullying de colegas, violência sexual e em relacionamento romântico, ataques associados a colegas e a gangues.

Outros casos de violência analisados pelo estudo são problemas de saúde sexual, reprodutiva, física e mental, custos socioeconômicos, fraco desempenho escolar, aumento do desemprego, pobreza e ligações com o crime organizado.

O relatório, considerado um marco para as Américas, fornece uma base para trabalhos futuros e para medir os avanços da região com relação à Agenda 2030, de desenvolvimento sustentável, que inclui metas específicas para combater a violência a crianças.

Onunews

migrantes.net

quarta-feira, 25 de novembro de 2020

Violência contra as mulheres

[Fotografia: Istock]

Da violência exercida no lar em tempo de teletrabalho provocado pela covid-19, à exploração sexual e agressão online contra as mulheres, passando pela mutilação genital feminina, do assédio sexual, dos casamentos infantis e das mulheres migrantes e refugiadas.

Vídeos lançados esta quarta-feira, 25 de novembro, a propósito do dia da Eliminação da Violência Contra as Mulheres e que querem mostrar as agressões perpetradas contra o sexo feminino e que são bem mais amplas do que possam parecer num primeiro olhar.

Campanhas que não excluem iniciativas de natureza diferente como a da cantora Carolina Deslandes, que lança esta noite um EP com temas sobre as mulheres e as suas circunstâncias.

Mais pedidos de ajuda na segunda vaga

Campanha governamental pede que colegas de trabalho e empresas estejam atentas a sinais de violência doméstica em tempo de teletrabalho. Uma mensagem que fica clara em #EuSobrevivi e que chega no mesmo dia em que é revelado que, desde setembro e até agora, a Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica já acolheu mais mulheres e menores do que ao longo de toda a primeira vaga.

Segundo dados avançados pela Secretaria de Estado para a Igualdade e Cidadania, foram efetuados 1706 acolhimentos – 309 mulheres, 304 menores e 12 homens -e conseguidas 150 autonomizações nesta segunda vaga e que compara com a primeira: 48 acolhimentos – 499 mulheres, 328 menores e 21 homens – e 370 autonomizações.

Veja o video da campanha abaixo:

Prostituição e todas as agressões contra mulheres

O Movimento Democrático de Mulheres evoca a violência e lembra, entre outros aspetos, aquela que é exercida através da exploração sexual das mulheres e do corpo delas num “negócio de milhões”. Um video que aborda ainda a violência doméstica e a agressão sob todas as formas incluindo a online.

Mutilação feminina e migração

Estes são apenas dois dos temas abordados no vídeo elaborado pela Associação fundada pela apresentadora da RTP1, Catarina Furtado. A Corações com Coroa convoca atenções para “o facto de a violência sobre as mulheres de todas as idades e países ser uma pandemia silenciosa onde a vítima não é responsável pela violência, mas sim o agressor”, refere o comunicado enviado às redações.

Uma campanha que vinca que “a mutilação genital feminina não é um direito, é crime, é preciso prevenir e transformar padrões de comportamento, porque ser chefe não é ser dono e que o casamento infantil, que corresponde à violação do presente e do futuro de uma menina, não se chama amor”.

Violência contra as mulheres: a pandemia antes da… pandemia

Plataforma Portuguesa para os Direitos das Mulheres (PpDM) não poupa nas comparações. “Antes da crise pandémica da covid.19, já existia uma situação de emergência que ameaçava a segurança e a vida de milhões de mulheres e de raparigas: a violência masculina”, escreve a organização. Daí que a campanha direcionada contra o sexismo se faça acompanhar de dados que querem fazer pensar.

“De acordo com um relatório recente da Polícia Judiciária, nos últimos 6 anos foram assassinadas, em Portugal, 316 mulheres, das quais 111 no contexto de relações de intimidade – aproximadamente uma mulher foi morta pelo seu companheiro ou ex-companheiro a cada 20 dias em Portugal entre 2014-2019”, lê-se. E prossegue: “Entre 2015 e 2019, 80% das crianças abusadas sexualmente eram do sexo feminino e 96% dos abusadores eram do sexo masculino.”

Entre outros dados, a PdDM alerta para o facto de “estar na prostituição não ser crime em Portugal; mas o lenocínio e o tráfico de seres humanos para fins de exploração sexual são crimes. No entanto, no período 2015-2018, o número de pessoas condenadas por crimes de lenocínio e tráfico de seres humanos diminuiu em 34% – de 71 condenações em 2015 para 47 em 2018. Se considerarmos o número de pessoas condenadas desde 2011, a redução é ainda mais significativa: 60%”. Números que devem fazer pensar quotidianamente e em particular no dia da Eliminação da Violência contra as Mulheres.

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A VERDADEIRA COR DO TANGO

 


É voz corrente que não houve escravidão na Argentina. País de imigrantes italianos, espanhóis e alemães que habitam e circulam pela mais branca nação da América do Sul. Seria essa a verdadeira história de nossos hermanos? Quando se discute o racismo em nosso continente, é importante conhecer às negras raízes de “um país sem negros”.


A população argentina nem sempre foi composta de “Messis”, “Borges” e “Kirchners”. O país foi cúmplice e beneficiário de 350 anos de tráfico de escravos. A população afrodescendente circulou durante séculos de dominação espanhola no Vice-reino do Rio da Prata. Entre o final do século XVIII e o início do XIX chegaram a constituir mais da metade da população das províncias de Santiago del Estero, Catamarca, Salta e Córdoba.

Em Buenos Aires, bairros como Monserrat e San Telmo eram habitados por negros. Em 1778, quase 46% da população argentina tinha origem africana, descendentes dos milhares de escravos que entraram pelo porto de Buenos Aires. Os africanos não só existiram na Argentina, como exercem profunda influência na formação cultural e histórica do país. Quem visita a capital portenha se pergunta: O que aconteceu com os milhares de africanos que desembarcaram no Rio da Prata?

A escravidão foi abolida na Argentina, em 1813. De maneira gradual, nas décadas que seguiram, os negros argentinos foram “sumindo”. Em 1852, ganharam passaportes e foram convocados a deixar o país na gestão do presidente Justo José Urquiza. Entre 1864 e 1870, foram enviados para serem trucidados nas linhas de frente da Guerra da Tríplice Aliança, assim como nos vários conflitos externos e guerras civis que aconteceram. Imersos na escassez de saneamento básico e saúde, foram devastados pela epidemia de febre amarela que atingiu Buenos Aires, em 1871. A elevada mortalidade de negros fez com que a “Afro-argentina” mudasse de cor ao longo do século XIX, dando espaço à imigração europeia. Mais do que reduzir essa população, a ideia era tornar o negro argentino “invisível”.

Apesar do constante empenho e tentativas de fazer o negro e suas contribuições “desaparecerem”, foi a comunidade afro a grande responsável pelo elemento central da identidade argentina: o tango. Embora os estereótipos do gênero estejam sempre associados à figura de Carlos Gardel, da incorporação do bandoneón e do imigrante branco, a palavra “tango” aparece a partir do século XVIII ligada à música e às práticas de dança vindas da África. Dois dos seis guitarristas de Gardel eram afro-argentinos. Ouvir música, mais do que entretenimento, é algo político e as classes dominantes foram educadas para não ver ou nem ouvir “o negro”.

Desde meados do século XVIII, escravizados de diferentes etnias africanas concentrados em Buenos Aires formaram comunidades que dançavam, entoavam canções ancestrais, adornavam altares e reverenciavam deuses ao som de tambores. Esses grupos deram origem ao chamado “candombe”, que no idioma Bantu significa “rezar aos deuses”. Os candombes dispunham de diversas expressões e rituais religiosos conectados às diferentes tradições africanas, como o coroamento de reis e rainhas negros. O candombe foi uma expressão de solidariedade e um esforço para conectar pessoas escravizadas que foram roubadas de várias nações africanas. Ao longo dos anos, o candombe foi transformando-se e ganhando diversos significados, combinando períodos de legalidade e proibição sancionados pelos poderosos senhores escravistas.

Em 1877, inspirados no candombe, negros inventaram uma dança que denominaram “tango”. Há teorias de que o termo seria derivado do nome de Xangô, orixá do trovão e patrono da música para os iorubás. Outras vertentes estão seguras de que as origens do tango são frutos da cultura do Congo, na África Central. Embora hoje seja branco, o tango começou a vida como negro na dança do Kongo, preso em um abraço em forma de valsa. Um lamento que se baila.

Após a abolição da escravatura, os negros passaram a se reunir em lugares que denominaram “casa de tango” substituindo os tradicionais candombes. Faziam reuniões, batucavam e cantavam. Essas casas incomodavam as autoridades que ordenaram o seu fechamento e a criminalização dos encontros. Humilhados pelos brancos, que zombavam imitando suas danças, os negros se tornaram contraventores e foram proibidos de tocar o tambor sob pena de 200 flagelações e um mês de prisão.

Para driblar a proibição e se adaptar às contingências do momento, os frequentadores reinventaram os espaços e criaram “casas de bailes”, onde prevaleciam músicas embaladas por piano, flauta, violino, bandoneón e outros instrumentos, coreografadas por danças que misturavam o gingado do candombe com passos bem delineados. Os afro-argentinos nunca deixaram de tocar, compor, dançar e manter lugares que mantivessem vivas suas tradições. Por longos períodos fizeram isso fora do espaço público, sua presença marca cada momento da criação e evolução do tango.

Fontes oficiais consideram “El Entrerriano” (1897) como o primeiro tango formalmente criado. O compositor? O pianista afro-argentino Rosendo Mendizábal, também conhecido como Anselmo Rosendo, pioneiro do período do tango que seria mais tarde conhecido como Velha Guarda. Pesquisas indicam que há mais de 40 compositores afro-argentinos, cerca de mil composições publicadas e inéditas de artistas que, embora desconhecidos, se tornaram marcos fundamentais para evolução do gênero. Gabino Ezeiza (1858-1916) conhecido como “El Negro Ezeiza”, foi quem inseriu a milonga nas trovas do tango, incentivou a participação das mulheres no gênero e foi fonte de inspiração para Gardel que regravou sua canção “Heróico Paysandú”, em 1922.

Mais tarde, uma das mais renomadas valsas argentinas, “La Púlpera de Santa Lúcia” (1929) se tornou obra referencial das valsas negras composta pelo argentino e afro-descendente Enrique Maciel. O grande maestro afro-argentino Horácio Salgán marcou com “A Fuego Lento” (1955) o início de um novo estilo, força motriz de todo o movimento estético de Astor Piazzolla. E mais. Foi o contrabaixista Ruperto “el Africano” Thompson quem introduziu o “estilo cayengue”, uma marca do tango moderno, baseada em dar pequenos golpes ao instrumento como se fosse um tambor.

Durante o século XX, o tango sofreu diversas interferências europeias não apenas nas letras das músicas, mas também nas coreografias e, principalmente, nos espaços onde era tocado. O tango é música negra que não tem tambor. Não se deixe enganar pela instrumentação, os músicos negros implementaram táticas percussivas na forma como as cordas e os bandoneons são tocados em “arrastres” que marcam o passo dos dançarinos.

O tango se move com quebradas e sentadas muito parecidas com o encontro de quadris chamado “bumbakana” da cultura congolesa. Enquanto muitas dessas características permanecem, o “endireitamento” da postura da dança é uma das formas mais óbvias de esconder suas lascivas raízes africanas. A antiga batucada da casas de baile e o gingado do candombe foram para os salões da alta sociedade, passando a integrar o repertório de casas de espetáculo em Paris. O século XX avançou e o estilo que antes fazia referência ao orixá do trovão foi, pouco a pouco, percebido como sofisticada música e dança dos imigrantes europeus.

O tango tornou-se febre na França e o sucesso das turnês de músicos e dançarinos brancos convenceu “a sociedade educada” da Argentina a, finalmente, apreciar o estilo. Os parisienses eram considerados “árbitros da alta cultura” e deram ao tango a validação racial necessária para que a expressão cultural ascendesse do povo à aristocracia. A Argentina aproveitou a oportunidade e comercializou o gênero como um dos elementos principais de sua cultura pop branca, jogando os criadores afro-argentinos no esquecimento. O tango foi pasteurizado para saciar a curiosidade e as exigências de um mundo voltado ao consumo. Dançar tango era experimentar, ainda que brevemente, o proibido, o exótico, o “outro”. A nacionalização do tango não mudou a posição dos negros na consciência periférica dos brancos. O tango é mais do que uma dança, é uma imaginação construída de progresso e civilização que foi aculturada, normalizada e industrializada dentro dos padrões de sociedade argentinos.

A invisibilidade do negro é resultado de estratégica esterilização de uma cultura que não interessava à história branca. Durante décadas, historiadores da Argentina, determinados a construir uma identidade nacional baseada na herança europeia, ignoraram e negligenciaram a contribuição dos africanos para o desenvolvimento econômico, cultural e político do país. Pinturas originais de afro-argentinos dançando tango foram refeitas com protagonistas brancos e europeus. Quadros épicos do exército argentino vitorioso não mostram nenhuma indicação de soldados negros. A grande estratégia para se tornar a “Europa da América do Sul” foi fazer com que imagem do afro-argentino fosse eliminada da história, fazendo com que suas contribuições à cultura viessem, na verdade, apenas da elite. O que restou foi uma ilusão de que Argentina era, e sempre foi, branca.

Embora tenham buscado apagar os negros do país, física e historicamente, o legado de um povo e a herança cultural são eternas armas de resistência. Grande parte dos ritmos do folclore argentino continua sob influência africana. E a presença afro na Argentina não se limita à música. O Espanhol local tem várias terminações africanas, como por exemplo mucama, mondongo, quilombo, arroró, marote. A religiosidade no país também abraça a “madre” África, quando reza para San Baltasar e San Benito, ambos negros. O símbolo gastronômico do país, o “churrasco de asado”, sucesso entre turistas e locais, era a comida afro de Buenos Aires que jamais seria imaginada na mesa da elite. Embora muitos se vangloriem de sua “europeicidade”, os argentinos dançam como negros, comem como negros, celebram como negros, falam como negros e rezam para santos negros. Em 1997, quando o então presidente Carlos Menem foi perguntado se havia negros na Argentina, afirmou: “Na Argentina não há negros. Quem tem esse problema é o Brasil.” Ao contrário da declaração de Menem, os afro-argentinos supostamente exilados da memória coletiva da Argentina em aparente amnésia de suas raízes, criaram o tango – símbolo máximo da cultura do país mais branco da América do Sul é, e sempre será, negro. Cultura é mais forte do que política de Estado. Cultura não desaparece, muito menos se apaga. É eterna.

DANIEL SUZUMURA DOS SANTOS

Jornal Dia a Dia 

*Felipe Bonamin Viveiros de Paula, graduado em Relações Internacionais pela PUC-SP, tem extensão universitária em Comunicação Empresarial pela Universidade da Colúmbia Britânica (Canadá) e é mestre em Relações Internacionais e Organização Internacional pela Universidade de Groningen (Holanda). Escreve e edita o site: