quarta-feira, 31 de março de 2021

Jogadores de futebol entram no debate sobre direitos humanos de estrangeiros nas obras da Copa

 

Foto Estadão esportes

Noruega, Alemanha, Holanda e Dinamarca. Estas e outras seleções europeias chamaram a atenção nesta semana com ações simbólicas a supostas irregularidades no campo dos direitos humanos no Catar, que vai organizar a Copa do Mundo de 2022. Partidas das Eliminatórias foram usadas para criticar o tratamento dado aos trabalhadores imigrantes, principalmente nas obras de construção dos estádios do Mundial. Perto de 6.500 operários morreram nas obras da Copa, de acordo com o The Guardian.

A Noruega foi a primeira a acender o estopim antes da partida em Gibraltar, na quarta-feira. Os jogadores vestiram uma camiseta com a mensagem: "Direitos humanos dentro e fora do campo". Uma ação repetida no dia seguinte pela Alemanha com uma foto bastante difundida nas redes sociais, mostrando os onze jogadores enfileirados, cada um nas costas com uma das onze letras de "HUMAN RIGHTS", direitos humanos em inglês. "Devemos deixar o público saber que não estamos ignorando essa questão", explicou o meio-campista do Bayern de Munique, Leon Goretzka. "Temos um grande eco, que podemos usar de uma maneira linda."

HIPÓTESE DE BOICOTE

A Holanda protestou no sábado no jogo contra a Letônia, e a Dinamarca fez o mesmo no domingo no duelo diante da Moldávia. Em ambos os casos, vestiam camisas com a mensagem "O Futebol apoia a MUDANÇA". A Fifa está ciente das denúncias e promete agir, se for o caso. A Copa do Mundo está em construção há mais de cinco anos. A Alemanha voltou a protestar no domingo, antes da vitória sobre a Romênia, com as camisas dos jogadores invertidas, com o número e o nome no peito. Foi uma alusão menos explícita do que a de quinta-feira, mas os atletas queriam fazer alusão aos 30 artigos da Carta dos Direitos do Homem das Nações Unidas.

A hipótese de boicote à Copa do Mundo foi levantada pela federação norueguesa, embora esteja longe de ser seriamente estudada pelas grandes nações do futebol. "Para um boicote, estávamos dez anos atrasados. Naquela época (quando a Copa do Mundo foi atribuída ao Catar) teria sido necessário refletir", lançou o alemão Joshua Kimmich.

O técnico da Bélgica, Roberto Martínez, declarou no jornal La Dernière Heure que "boicotar a Copa do Mundo não é a solução. Seria virar as costas ao problema. Devemos, pelo contrário, enfrentá-lo". Na França, a decisão foi tomada. "O Catar foi designado há muito tempo por pessoas responsáveis, não vamos questionar um ano da organização. A França estará presente no Catar se conseguir se qualificar", disse o presidente de sua federação, Noel Le Graët, à agência France Presse em março.

O capitão francês, o goleiro Hugo Lloris, em todo o caso, apoiou o movimento: "É bom que os jogadores tenham o direito de se manifestar. Acho que nenhum jogador é insensível ao que se diz ou se escreve sobre tudo isso", declarou. Já o lateral francês Lucas Hernández ficou incomodado com esta pergunta: "Não sei em que condições (os trabalhadores) trabalham no Catar, não sou eu que devo dizer se está tudo bem ou não", disse evasivamente. Jogador do Bayern de Munique, ele vive uma situação delicada, já que seu clube é patrocinado pela empresa aérea Qatar Airways.

O craque brasileiro Neymar também tem negócios com o Catar. Em 2018, ele assinou contrato para ser embaixador do banco nacional do país, o Qatar National Bank, com atuação em 28 países. O pai do jogador assinou o acordo. "Muito feliz com a parceria e por ter me tornado embaixador global de um grupo tão forte como o Qatar National Bank", escreveu o jogador nas redes sociais.

A Fifa tem preferido ser discreta até agora sobre o assunto, afirmando "acreditar na liberdade de expressão e no poder do futebol para fazer mudanças positivas" no Catar. Ela se recusa a punir as seleções que se mobilizaram, quando em geral proíbe declarações políticas no âmbito das partes. No Catar, que afirma ter feito mais do que qualquer outro país da região para melhorar as condições de trabalho dos imigrantes, a questão ainda não ganhou grande escala.

A autoridade governamental encarregada de organizar e construir os estádios rejeita todas as denúncias. "Sempre fomos transparentes quanto à saúde e segurança dos trabalhadores", afirmou em nota, informando que só houve "três mortes relacionadas com o trabalho e 35 mortes não relacionadas com o trabalho" desde o início da construção em 2014. "Os preparativos já trouxeram benefícios significativos aos trabalhadores."/COM AFP.

 Terra

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Deslocados pela crise climática. Papa: “Ver ou não ver, eis a questão!"

 

Deslocados Latinoamericanos 

Prefácio do Papa Francisco ao livro “Orientações Pastorais sobre as Pessoas Deslocadas pela Crise Climática" organizado pela Seção Migrantes e Refugiados do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral. A coletiva de apresentação foi realizada na Sala de Imprensa da Santa Sé com a presença do cardeal Czerny Subsecretário da Seção Migrantes e Refugiados do Dicastério

Na manhã desta terça-feira (30) foi realizada uma coletiva de imprensa para a apresentação do livro “Orientações Pastorais sobre as Pessoas Deslocadas pela Crise Climática” organizada pela Seção Migrantes e Refugiados do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral. A obra tem o prefácio do Papa Francisco. A coletiva contou com a presença do cardeal Michael Czerny S.I, Subsecretário da Seção Migrantes e Refugiados, e do padre Fabio Baggio, C.S. também Subsecretário da mesma seção.

Ver ou não ver, eis a questão!

O prefácio do livro escrito pelo Papa Francisco, apresenta a obra como “um guia repleto de fatos, interpretações políticas e propostas relevantes …mas, - continua o Papa - desde logo, sugiro que adaptemos o famoso “ser ou não ser” de Hamlet e afirmemos: ‘Ver ou não ver, eis a questão!’ Tudo começa com a capacidade de ver de cada um, sim, a minha e a vossa”. Francisco destaca a nossa indiferença: “Somos submersos por notícias e imagens de povos inteiros desenraizados devido a cataclismos climáticos e forçados a migrar. Mas o efeito que estas histórias produzem em nós e a nossa resposta (...) dependem da nossa capacidade de ver o sofrimento contido em cada história.

Não é algo inevitável

“O fato de as pessoas se deslocarem porque o seu habitat local se tornou inabitável, pode parecer um processo natural, algo inevitável. No entanto, a deterioração climática resulta muito frequentemente de escolhas erradas e atividade destrutiva, egoísmo e negligência que colocam a humanidade em conflito com a criação, a nossa casa comum”. O Pontífice pondera que a pandemia, “nos atingiu sem aviso” enquanto que a crise climática “manifesta-se desde a Revolução Industrial” e não atinge de modo uniforme mas o maior efeito é sentido pelos que menos contribuíram para elas”.

Números crescentes de deslocados

O Papa alerta ainda que “números impressionantes e crescentes de deslocados pela crise climática estão rapidamente a tornar-se uma emergência grave do nosso tempo”. “Forçadas a abandonar campos e zonas costeiras, casas e aldeias, as pessoas fogem às pressas, levando consigo apenas algumas lembranças e tesouros, fragmentos da sua cultura e patrimônio. Partem com a esperança de recomeçar as suas vidas num local seguro. Mas na maioria dos casos acabam em favelas perigosamente sobrepovoadas ou em alojamentos precários, à mercê do destino”.

Apelo do Papa

“As pessoas expulsas dos seus lares pela crise climática necessitam ser acolhidas, protegidas, promovidas e integradas. Elas querem recomeçar. Para criar um novo futuro para os seus filhos, precisam ter condições e ser ajudadas. Acolher, proteger, promover e integrar são verbos que implicam uma ação útil. Retiremos, uma a uma, as barreiras que bloqueiam o caminho dos deslocados, o que os reprime e marginaliza, os impede de trabalhar e ir à escola, tudo o que os torna invisíveis e nega a sua dignidade”.

Não podemos regressar e não podemos começar de novo

Francisco recorda que as “Orientações Pastorais sobre as Pessoas Deslocadas pela Crise Climática exigem um novo olhar sobre este drama do nosso tempo”. ‘Não podemos regressar e não podemos começar de novo’. Convidam-nos a tomar consciência da indiferença das sociedades e governos para com esta tragédia. Pedem-nos para ver e cuidar. Convidam a Igreja e outros participantes a agir em conjunto e especificam o modo de o fazer”.

Por fim o Pontífice afirma que “Não vamos superar crises como as alterações climáticas ou a COVID-19 refugiando-nos no individualismo, mas apenas com o esforço de “muitos em conjunto”, através do encontro, do diálogo e da cooperação”. Enche-me assim de grande alegria o fato de estas Orientações Pastorais sobre as Pessoas Deslocadas pela Crise Climática terem sido elaboradas sob a égide do Dicastério para o Serviço do Desenvolvimento Humano Integral, juntamente pela Seção Migrantes e Refugiados e pelo Setor de Ecologia Integral. Esta colaboração é, em si mesma, um sinal do caminho a seguir. Ver ou não ver é a questão que nos conduz à resposta numa ação conjunta. Estas páginas mostram-nos o que é preciso e, com a ajuda de Deus, o que fazer”.                           

Jane Nogara - Vatican News

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terça-feira, 30 de março de 2021

Migração irregular de crianças aos EUA através da perigosa selva do Panamá

 

 FOTO: BBC MUNDO 

O número de crianças migrantes que cruzaram a inóspita selva panamenha de Darien, em direção aos Estados Unidos, se multiplicou nos últimos anos, em um fluxo migratório que será agravado pela pandemia, alertou a ONU nesta segunda-feira (29).

O número de menores de idade "que migram para o norte através da perigosa selva de Darien, entre a Colômbia e o Panamá, se multiplicou em mais de 15 vezes nos últimos quatro anos", disse o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef).

Nos últimos quatro anos, mais de 46.500 migrantes irregulares cruzaram Darien, dos quais 6.240 são crianças e adolescentes. O balanço anual passou de 109 menores em 2017 para 1.653 em 2020.

Inclusive, em 2019, houve um pico próximo a 4.000 crianças que teriam feito essa travessia. Metade tem menos de cinco anos e muitos chegam feridos e com sérios problemas físicos e psicológicos.

"Já vi mulheres saírem da selva com seus bebês nos braços após caminharem por mais de sete dias sem água, comida ou qualquer tipo de proteção", afirmou em nota a diretora regional para a América Latina e Caribe do Unicef, Jean Gough.

O Estreito de Darien é um corredor florestal de 266 km entre a Colômbia e o Panamá. Essa selva virgem de 575.000 hectares e sem vias de comunicação terrestre, se tornou uma etapa obrigatória para a imigração irregular da América do Sul para os Estados Unidos.

Os migrantes enfrentam desde grupos criminosos até animais selvagens e rios caudalosos. Eles são em sua maioria haitianos e cubanos, mas também há asiáticos e africanos.

Especialistas acreditam que cada vez mais migrantes decidem viajar com suas famílias, incluindo menores de idade e mulheres grávidas, para evitar serem expulsos nos diferentes países por onde passam.

"Essas famílias estão excedendo seus próprios limites e colocando suas vidas em perigo, muitas vezes sem perceber o risco que correm. Aqueles que eventualmente conseguem cruzar essa fronteira perigosa ficam física e mentalmente devastados", acrescentou Gough.

As previsões apontam até para um aumento na migração irregular através de Darien, como resultado da crise econômica e o desemprego gerado pela covid-19, além da violência e as mudanças climáticas.

jjr/mav/lda/ic/mvv

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Japão: Covid-19: ministério publica modelo de formulário de vacinação traduzido em vários idiomas

 

Modelos de formulários de vacinação contra coronavírus em vários idiomas, inclusive português (ilustrativa/banco de imagens)

O Ministério da Saúde divulgou modelos de formulário de vacinação contra Covid-19 e cartas de aviso traduzidos em 12 idiomas em seu site (toque aqui para abrir) para residentes estrangeiros que têm dificuldades em compreender o japonês.

Foram divulgadas informações básicas sobre vacinação, incluindo aqueles que podem ser inoculados, os possíveis efeitos colaterais e como uma pessoa pode receber as doses. O formulário de consentimento lista condições de saúde que as pessoas deveriam observar antes de receber a vacina.

Até agora o documento foi traduzido em 12 idiomas – inglês, árabe, francês, indonésio, coreano, birmanês, nepalês, português, russo, espanhol, filipino e tailandês – para ajudar cidadãos estrangeiros a preencherem o formulário original.

Os documentos japoneses serão enviados com antecedência a residentes registrados para garantir que as pessoas entendam sobre as vacinas contra Covid-19. Quando é a vez da pessoa ser vacinada, ela precisa fazer uma reserva online ou por telefone em uma clínica ou centro de vacinação em seu município.

Todas as pessoas elegíveis para receber as doses terão que apresentar o questionário de verificação com seu histórico médico e informação sobre se ela se encaixa em um dos grupos alvo com maior prioridade de imunização.

Aqueles que não compreendem o idioma japonês podem comparar com a versão traduzida, preencher o formulário de consentimento e remetê-lo ao local de vacinação, ao invés de escrever naquele em língua estrangeira disponível no site. Médicos e profissionais de enfermagem que vão verificar os formulários podem não compreender outra língua que não seja o japonês.

Residentes estrangeiros têm as mesmas condições para vacinações que os japoneses.

O governo assinou contratos com a Pfizer, Moderna e AstraZeneca PLC para um total de 314 milhões de doses. As vacinas, que são destinadas a pessoas maiores de 16 anos, serão aplicadas gratuitamente.

Vacinações para pessoas com idade igual ou superior a 65 anos começarão em meados de abril, enquanto o público geral deve começar a ser imunizado em torno do verão.

O ministério disse que divulgará os documentos em mais 4 idiomas: quemer, mongol, vietnamita e chinês simplificado e tradicional.

Fonte: Japan Times
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segunda-feira, 29 de março de 2021

Cidade do México abriga Fórum Geração Igualdade sobre direitos das mulheres

 Várias décadas após realizar a histórica Conferência Mundial sobre Mulheres, em 1975, a Cidade do México reabre suas portas, nesta segunda-feira, 29 de março, para o Fórum Geração Igualdade sobre direitos de meninas e mulheres e igualdade de gênero. 

 


Esta será a primeira etapa do evento, que culminará com o Fórum Geração Igualdade em Paris, no final de junho. Dentre os participantes da conferência por internet está o secretário-geral da ONU, António Guterres. 

 

UN Photo/Eskinder Debebe (file)
Se nada mudar, só haverá paridade entre homens e mulheres em Parlamentos pelo mundo no ano 2150.

Parlamentos 

 

Os organizadores afirmam que o encontro quer lançar “ações ousadas, concretas e transformadoras para alcançar progresso

imediato e irreversível na igualdade de gênero”.  Se nada for feito, só haverá paridade, por exemplo, entre homens e mulheres em Parlamentos pelo mundo, no ano de 2150. 

No momento, a distribuição de assentos continua sendo 25% para mulheres e 75% para homens.  

 

O México ao lado da Suécia, da Espanha e do Canadá é uma das poucas nações que fomentam uma “política exterior feminista”, que busca a paridade dentro de seus serviços de relações exteriores.  

 

© Unicef/Vinay Panjwani
Pandemia levou a um aumento dos casos de violência de gênero e violência doméstica no mundo.

Pandemia 

 

Representantes de governos em todo o mundo pretendem anunciar novos compromissos na promoção dos direitos de meninas e mulheres durante o evento na Cidade do México. 

 

O Fórum Geração Igualdade também iniciará uma coalizão com ativistas, feministas, jovens e aliados para alcançar as mudanças necessárias e transformadoras para a próxima geração. 

 

O evento ocorre um ano após o início da pandemia da Covid-19, que levou a um aumento dos casos de violência de gênero e violência doméstica no mundo. Com a crise global de saúde, piorou também a discrepância econômica entre homens e mulheres. 

 

Foto: Rocío Franco
Mulheres negras, indígenas e jovens ainda lutam contra os desafios pela iguadade de gênero.

Indígenas 

 

Mais de 70% dos trabalhadores na área de saúde são mulheres. Elas são também as mais prejudicadas em trabalhos não-remunerados ou pouco remunerados.  

 

São as mulheres que se dedicam, na maioria das vezes, ao cuidado de idosos, doentes e outras pessoas que precisam de atenção. 

Mulheres negras, indígenas e jovens ainda lutam contra barreiras e riscos no que é descrito como uma crise de igualdade de gênero. 

 

Mais de 25 anos após a histórica Quarta Conferência sobre Mulheres em Pequim, na China, e da adoção da Declaração e Plataforma para Ação em Pequim, o evento no México quer reafirmar o valor do multilateralismo unindo líderes internacionais e locais, sociedade civil, empresários, sindicalistas e entidades parceiras. 

 

O Fórum Geração Igualdade foi lançado como parte das decisões do processo de revisão Pequim + 25, que ocorreu de março de 2019 a setembro de 2020. 

Onunews

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COMO OS IMIGRANTES TÊM LIDADO COM A PANDEMIA NO BRASIL?

 A pandemia de Covid-19 afetou toda a rotina e o modo de vida de nossa sociedade contemporânea, nos forçando ao isolamento e ao cumprimento de certas medidas de segurança sanitária. Mas apesar de os efeitos da pandemia terem sido compartilhados por todos os seres humanos, o peso deles na vida de cada um foi desigual, principalmente em certos grupos populacionais.

Os imigrantes, juntamente com outras minorias sociais, foram um dos grupos mais afetados pelo desenrolar da pandemia. Justamente por serem “cidadãos em trânsito”, muitas medidas de contenção tomadas pelos países impactaram a vida deles, como o fechamento de fronteiras.

VULNERABILIDADE ANTERIOR À PANDEMIA

Cabe ressaltar que a situação de vulnerabilidade social do migrante é anterior à pandemia. O vírus e a falta de ações em favor da proteção dessa parcela da população apenas serviram para transparecer a marginalização dos migrantes no Brasil.

O fato de estar em um país onde não se tem família, não se domina a língua, já põe um indivíduo em uma situação precária. Cabe ressaltar que muitos migrantes chegam ao Brasil sem conhecer seus direitos como migrantes, daí a necessidade das redes de acolhimento.

imigrantes pandemia
Imigrantes retidos na fronteira do Acre. | Foto: Arquivo/Prefeitura Rio Branco.

REFUGIADOS

É impossível falar dos impactos da pandemia na população migrante sem citar o grupo mais vulnerável: os refugiados. O refugiado diferencia-se dos demais migrantes, pois sua migração não é uma simples escolha individual, mas, sim, uma migração forçada.

São pessoas que estão fora de seu país de origem devido a fundados temores de perseguição de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um determinado grupo social ou opinião política, como também devido à grave e generalizada violação de direitos humanos e conflitos armados.

A citação acima é a definição do que são refugiados para a ACNUR (Agência da ONU para Refugiados). Como é evidente pela definição, essas pessoas já vivem em uma situação precária antes mesmo da chegada no país de destino. Muitas delas vêm sem nenhuma reserva financeira e contam apenas com a esperança de uma boa recepção em outro país.

Existem outra série de barreiras que acaba por marginalizar essa população: dificuldade com a língua, documentação, burocracia, não reconhecimento do diploma, entre outras.

INTERSECÇÕES ENTRE AS SITUAÇÕES DE VULNERABILIDADE

Mas o grande problema é que a condição de vulnerabilidade do imigrante ou refugiado não costuma estar sozinha, mas, sim, interligada com outras formas de marginalização. Por exemplo, grande parte dos migrantes que chegam ao Brasil vão morar nas zonas periféricas, onde existe a falta crônica de serviços públicos básicos e de assistência.

A burocracia para se conseguir permissão de trabalho ou a própria dificuldade de conseguir entrar no mercado de trabalho brasileiro, seja por diploma não validado ou dificuldade com a língua, leva muitos desses migrantes ao trabalho informal ou autônomo. Nessa modalidade de trabalho, não há qualquer garantia legal dos direitos previstos na CLT.

A PANDEMIA E OS MIGRANTES

Com a pandemia, foi necessária a adoção de medidas de restrição de locomoção e o distanciamento social. De certa forma, muitos migrantes já viviam em “quarentena”, basta pensar nos acampamentos de refugiados como locais de confinamento até a obtenção de uma autorização de entrada.

A pandemia foi responsável por escancarar uma série de desigualdades sociais no Brasil e no mundo. E com os migrantes não poderia ser diferente, principalmente se colocarmos outros fatores conjuntamente com a situação migrante, como classe social, raça e gênero.

O maior impacto da pandemia na população migrante, após a questão sanitária em si, foi o impacto econômico. Tendo em vista que muitos migrantes trabalham de maneira autônoma e geralmente não possuem reservas financeiras, o isolamento impossibilitou o “ganha pão” de muitos deles. E assim como muitos brasileiros, os refugiados e migrantes também tiveram dificuldades em conseguir o auxílio emergencial disponibilizado pelo Governo Federal.

IMIGRANTES COMO VETORES

O início da pandemia com os casos importados criou a necessidade de se fechar fronteiras, ação que tomou cunho político em diversos países. No Brasil, o presidente Bolsonaro, que durante o primeiro ano de seu governo priorizou ou ao menos deu ênfase à questão dos refugiados venezuelanos, por uma simples questão de reforço da narrativa anticomunista, fechou a fronteira com o país vizinho ainda em março de 2020.

No entanto, os casos até aquele momento eram bem baixos na Venezuela, já os cidadãos europeus, permaneciam com entrada liberada ao Brasil, mesmo com o pico de casos na Europa. Além disso, a proibição demonstra a prioridade em impedir a entrada de um grupo de migrantes específico, já que o impedimento aos venezuelanos ocorria através da fronteira terrestre.

Venezuelanos que entrassem por aeroportos brasileiros continuariam permitidos a entrar e ficar no Brasil. Sendo que a rota mais frequente de refugiados venezuelanos é a fronteira terrestre com o estado brasileiro de Roraima. Contudo, o Governo Federal insistiu na narrativa de que as restrições eram sanitárias e não ligadas a fatores ideológicos.

A ideia do migrante como vetor já é bem antiga no Brasil e esteve relacionada a outras epidemias e surtos. No surto de Ebola (2013-2016), que afetou a África Ocidental, os refugiados haitianos que chegavam ao país foram alvos de ataques xenófobos por “possíveis disseminadores do vírus”, mesmo que o Haiti seja um país do Caribe, ou seja a um oceano de distância da zona afetada pelo surto.

Dessa vez, a nível nacional e com aval do Governo Federal, os “vetores” foram os venezuelanos que tiveram sua entrada impedida em nosso país. Contudo, de maneira global, a narrativa foi outra, muitos países e governantes associaram o coronavírus à China, o que desencadeou diversos episódios de xenofobia contra asiáticos e seus descendentes no Ocidente.

Trump e outros líderes de direita, inclusive o presidente brasileiro e sua família, insistiram na narrativa do “vírus chinês”. Meses se passaram e somos nós, brasileiros, que sofremos restrições de entrada por conta do descontrole da pandemia no país.

NECESSIDADE DE DEBATER A QUESTÃO DOS MIGRANTES

Com todo o panorama exposto ao longo do texto, fica evidente a necessidade de se debater as políticas públicas para combate da pandemia entre a população migrante. Por exemplo, não é possível ter o número de migrantes infectados ou mortos pela Covid-19, pois o SUS não informa a nacionalidade dos pacientes.

Algumas perguntas podem ser formuladas: com o começo da vacinação, qual o lugar da população migrante ou refugiada na fila? Com a volta dos lockdowns, que tipo de política pública está sendo implantada para assegurar a vida e as condições de sobrevivência dessa população?

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Por Jefferson Ricardo – Fala! UFPE

falauniversidades.com

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sexta-feira, 26 de março de 2021

114 milhões de crianças e adolescentes ainda estão fora da sala de aula na América Latina e no Caribe

 

Foto: Unicef

O fechamento total e parcial de escolas na América Latina e no Caribe deixa atualmente cerca de 114 milhões de estudantes sem aulas presenciais, de acordo com as últimas estimativas do UNICEF.

Um ano após o início da pandemia, a América Latina e o Caribe continuam sendo a região do mundo com o maior número de crianças e adolescentes ainda perdendo aulas presenciais. Em média, as meninas e os meninos desta região perderam 158 dias de aulas presenciais.

Até o momento, apenas sete países da América Latina e do Caribe abriram totalmente suas escolas. Em 12 países e territórios, as escolas permanecem totalmente fechadas. No restante da região, as salas de aula estão parcialmente fechadas.

Apesar dos esforços do governo para garantir a continuidade da educação a distância por meio de plataformas virtuais, rádio e TV, as interrupções escolares tiveram um impacto catastrófico no sucesso da aprendizagem, na proteção, na saúde e na saúde mental dos estudantes e em suas perspectivas socioeconômicas no futuro.

“Em nenhum outro lugar do mundo, tantos meninos e meninas estão atualmente sem aulas presenciais”, disse Jean Gough, diretora regional do UNICEF para a América Latina e o Caribe. “Esta é a pior crise educacional que a região da América Latina e do Caribe já enfrentou em sua história moderna. Muitas crianças e muitos adolescentes já perderam um ano de aulas presenciais; agora começaram a perder mais um ano letivo. Cada dia adicional sem aulas presenciais coloca as meninas e os meninos mais vulneráveis em risco de abandono escolar para sempre. ”

Quanto mais tempo as crianças e os adolescentes ficam fora da escola, menor é a probabilidade de voltarem. Estima-se que milhões de meninas e meninos na região podem abandonar permanentemente a escola por causa da pandemia. No Brasil, em outubro de 2020, 3,8% das crianças e dos adolescentes de 6 a 17 anos (1,38 milhão) não frequentavam mais a escola – remota ou presencial. Além disso, 11,2% dos estudantes que diziam estar frequentando a escola não haviam recebido nenhuma atividade escolar, e não estavam em férias (4,12 milhões). Assim, estima-se que mais de 5,5 milhões de crianças e adolescentes tiveram seu direito à educação negado em 2020.

Em uma região onde antes da Covid-19 muitos estudantes não alcançavam os níveis básicos de matemática, habilidades de leitura e escrita no ensino fundamental, o impacto da interrupção escolar prolongada no desempenho da aprendizagem será severo e duradouro.

De acordo com um relatório recente do Banco Mundial, 71% dos estudantes da América Latina e do Caribe nos anos finais do ensino fundamental podem não ser capazes de entender um texto de tamanho moderado. Antes da pandemia, o número era de 55%. Essa porcentagem pode subir para 77% se as escolas permanecerem fechadas por mais três meses.

Durante o fechamento das escolas, cerca de 45 milhões de estudantes em 24 países da região foram apoiados pelo UNICEF na oferta de programas a distância e 9 milhões de meninas, meninos, mães, pais e cuidadores primários receberam apoio psicossocial e em saúde mental na comunidade.

“Os programas de ensino a distância devem continuar e ser ampliados para alcançar mais e mais crianças e adolescentes, mas eles nunca serão um substituto para o ensino presencial na sala de aula com um professor ou professora, especialmente para as meninas e os meninos mais vulneráveis. Não estamos pedindo que todas as escolas reabram em todos os lugares ao mesmo tempo; pedimos que as escolas sejam as primeiras a abrir e as últimas a fechar. Vários países da América Latina e do Caribe fizeram grandes avanços na priorização de uma reabertura escolar urgente e gradual; agora é hora de outros seguirem o mesmo caminho em toda a região”, acrescentou Jean Gough.

O UNICEF reconhece os esforços feitos por governos e autoridades educacionais da região que, juntamente com parceiros e contrapartes, continuam a mitigar os riscos inerentes à interrupção da educação e seu impacto nas crianças e nos adolescentes.

Na semana passada, os ministros da Educação da América Central* e da República Dominicana se comprometeram a priorizar a reabertura urgente e gradual das escolas. O UNICEF elogia essa decisão pioneira que agora precisa ser implementada com um senso de urgência e exorta as autoridades educacionais de outras partes da América Latina e do Caribe a seguir na mesma direção.

Dada a necessidade urgente de aumentar a conscientização sobre a importância da reabertura das escolas e o impacto que ela tem nas crianças e nos adolescentes da região, o UNICEF está lançando sua campanha #SchoolsFirstNotLast refletindo o estado das salas de aula na região, milhões de cadeiras vazias esperando pelos estudantes para retomar as aulas e continuar seu processo de aprendizagem.

* Belize, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua e Panamá

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Vídeo da campanha no YouTube
Download de conteúdo multimídia aqui


Unicef

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Igreja de Manaus inaugura Casa do Migrante

 


Acolher os migrantes e refugiados tem sido uma prioridade para a Igreja de Manaus, que neste último dia 23 de março, deu um passo a mais com a inauguração da Casa de Acolhida Beato João Batista Scalabrini, um espaço foi reformado no último ano e que será coordenado padre Marco Antônio Alves Ribeiro, religioso scalabriniano, junto com a Pastoral do Migrante da Arquidiocese de Manaus.

O espaço, que foi abençoado por dom Leonardo Ulrich Steiner, é fruto de um projeto do Consulado do Japão em Manaus, que contou com a mediação da Caritas Arquidiocesana. O padre José Alcimar Souza de Araújo, destacou a importância de ter uma casa com mais cômodos e com maior aconchego para a acolhida daqueles que estão chegando, algo que também foi enfatizado pelo diácono Afonso de Oliveira Brito.

O espaço agora inaugurado está destinado principalmente a migrantes venezuelanos em trânsito. Manaus é um dos lugares com maior número de migrantes venezuelanos no Brasil, que na maioria entram no país através da fronteira de Pacaraima. Muitos deles estão a caminho de outros lugares do Brasil. Tanto o diretor Vice-presidente como o diretor Executivo da Caritas Arquidiocesana de Manaus, agradeceram ao governo japonês pela ajuda, que oferece a possibilidade de acolher os migrantes e refugiados.

“A Igreja católica tem sido a instituição religiosa mais preocupada e atuante na questão da migração em Manaus”, afirmou o padre Alcimar Araújo, algo que começou com a chegada dos haitianos, mais de dez anos atrás, a quem só a Igreja católica ajudou. Nos últimos anos tem acontecido a chegada dos venezuelanos, com um número muito maior, que tem contado com a parceria de outras instituições. O vice-presidente da Caritas insistiu em que “é muito importante que estejamos unidos nesse trabalho”, o que faz possível “que os migrantes que chegam no Brasil tenham a possibilidade de serem acolhidos e também serem encaminhados para soluções duradouras”.

Dom Leonardo Steiner afirmou que “essa casa é uma casa muito importante, uma casa desejada”. O arcebispo de Manaus, ao abençoar o espaço, destacou que a benção pretende fazer possível “que esse espaço seja um espaço de acolhimento, mas também o espaço da inserção social”. O arcebispo insistiu em não esquecer de dizer “aos nossos irmãos, que estão peregrinando em busca de casas de inserção social, não esqueçamos de dizer a eles que o Reino de Deus está próximo”. Para dom Leonardo, “esta casa é um pouco sinal da presença do Reino de Deus no meio de nós. Quando nós nos colocamos sempre ao serviço do acolhimento, somos sempre sinais do Reino de Deus”.

Em representação do Consulado do Japão se fez presente Heiko Nakamura, Consul Geral Adjunta em Manaus. Ela destacou a parceria de várias instituições para poder minimizar os sofrimentos dos migrantes. Segundo a diplomata, “o apoio aos refugiados venezuelanos é uma questão importante, para o qual as diversas entidades devem unir suas forças”. O projeto, financiado pelo governo japonês, responde, segundo Nakamura, “ao desejo do povo japonês de participar do esforço de solucionar as necessidades básicas em países amigos”. Ela disse esperar que “a Casa do Migrante continue apoiando por longos anos famílias, mulheres, homens e crianças, que necessitem proteção, dando-lhes apoio para que possam estabelecer uma vida digna e estável”.

Catarina Sampaio, que representou o escritório da ACNHUR em Manaus, que é uma das entidades parceiras do projeto, agradeceu às instituições que tem ajudado para fazer realidade a Casa do Migrante, destacando que “seu trabalho com a comunidade refugiada e migrante é extremamente importante para que essas pessoas acertem direitos e serviços aqui no Brasil, um país modelo na recepção de pessoas que precisam urgentemente de proteção internacional”.

Padre Marco Antônio Alves Ribeiro, também agradeceu às instituições parceiras da Casa, sobretudo porque permite aos religiosos sclabrinianos “podermos estarmos aqui exercendo nosso carisma, que é o cuidado do migrante”. A través de uma mensagem, o padre Valdecir Molinari, que foi um dos grandes impulsores da casa e que recentemente foi destinado a uma nova missão, pediu “que Deus abençoe todos aqueles que acreditam na importância de continuar lutando para que todos os migrantes tenham a oportunidade de ser bem acolhidos”. O religioso scalabriniano disse ter “certeza de que essa obra, ela vai proporcionar alegria para muitos que passarão por essa casa e sentirão o quanto são queridos e amados”.

Radio Vaticano 

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quinta-feira, 25 de março de 2021

Justiça proíbe governo brasileiro de deportar imigrantes vulneráveis

 

Refugiados venezuelanos em Pacaraima (RR)

Uma liminar expedida pelo juiz federal Felipe Bouzada Flores Viana, da 2ª Vara Federal Cível de Roraima, proibiu o governo brasileiro de deportar imigrantes considerados hipervulneráveis, como crianças, grávidas, pessoas com problemas de saúde e desertores. A multa é de R$ 10.000 para cada violação.

Agentes de segurança também estão proibidos de “ingressar em abrigos de acolhimento a migrantes em situação de vulnerabilidade ou em outros locais onde estes vivam, como residências ou ocupações (…) sem demonstrar a existência de existência de justa causa”. A multa é de R$ 100 mil por invasão.

A decisão é liminar, e ainda precisa ser ratificada.

No dia 17 de março, a Polícia Federal e agentes civis e militares de Roraima invadiram um abrigo de refugiados em Pacaraima. O local acolhe cerca de 55 mulheres e crianças venezuelanas. A gerente do local, a freira Ana Maria da Silva, de 60 anos, foi detida e levada à delegacia para prestar depoimento.

Os policiais estavam armados e encapuzados. As mulheres e crianças foram recebidas em um abrigo da operação Acolhida após intervenção da Caritas e da Defensoria Pública da União.

Depois do episódio, a Defensoria Pública da União e o Ministério Público Federal ajuizaram uma ação civil pública contra a invasão.

O governo de Roraima alegou que a presença dos agentes no local era para apoiar uma equipe da Vigilância Sanitária de Pacaraima que tentava evitar aglomeração e fazer cumprir restrições para conter a propagação da covid-19.

A Defensoria disse que a ação tinha o objetivo de encaminhar mulheres e crianças para a deportação.

Desde o início do ano passado, o governo brasileiro tem impedido a entrada por terra de qualquer pessoa proveniente da Venezuela, mesmo aqueles que têm familiares brasileiros, com base na Portaria 652, de 25 de janeiro de 2021.

O texto diz que o governo pode deportar estrangeiros, exceto imigrantes com residência de caráter definitivo no país, aqueles que têm cônjuge, companheiro, filho ou pai brasileiro, e portadores do Registro Nacional Migratório.

Mas essa regra de exceção não vale para pessoas que chegam da Venezuela.

A operação Horus, lançada por Roraima no fim de fevereiro, tem o objetivo de combater a imigração ilegal de venezuelanos.

A assessoria de imprensa do governo estadual diz que estão entrando irregularmente cerca de 1.500 venezuelanos por semana. Eles não apresentam resultados de testes para covid e, segundo o governo, podem sobrecarregar o sistema brasileiro.

Na decisão liminar, o juiz também determinou que os 6 refugiados venezuelanos deportados estão autorizados a voltar ao Brasil, e que a União se abstenha de fazer “rondas ostensivas, barreiras de fiscalização ou de controles documentais voltados a intimidar e impedir o acesso de pessoas migrantes aos equipamentos de saúde e assistência social, públicos e privados, disponíveis no município de Pacaraima”.

Poder360

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Linha, agulha e inclusão: capacitação profissional em moda cria oportunidade de trabalho decente para migrantes em São Paulo

 Iniciativa faz parte do Projeto Trabalho Escravo Nunca Mais, que promove a inserção de pessoas em situação de vulnerabilidade no mercado de trabalho formal e conta com a participação de nomes renomados da moda nacional como Reinaldo Lourenço

 A venezuelana Sara Mathias, 29 anos, lembra que as mãos tremiam e o nervosismo era indisfarçável no primeiro dia de aula da Oficina em Design de Moda, em São Paulo, ao lado de 19 imigrantes oriundos da Bolívia, Venezuela e da República Democrática do Congo, todas vítimas de trabalho escravo. O curso é coordenado por um dos mais influentes estilistas do país, Reinaldo Lourenço, e o renomado personal stylist Yan Acioli.

“Eu estava empolgada e nervosa. Era um nível muito mais avançado para mim. Um bolso eu precisei fazer quatro vezes! Mas eu amei saber que eu posso, eu aprendo. Um mundo se abriu na minha cabeça com esse curso e agora vou atrás de mais conhecimento”, diz Sara.

Sara Mathias, aluna da oficina em Design de Moda

Vivendo no Brasil há dois anos, a jovem decidiu aprender a costurar após pedir demissão de “mais um trabalho de exploração e humilhações”, no ano passado.

“Todo dia tinha que faxinar 12 apartamentos em um condomínio, mais de 10h de trabalho. E eu era muito maltratada”, conta Sara. “Com essa oficina de costura eu voltei a sonhar. Quero trabalhar com isso, ganhar meu dinheiro, mas sem humilhação”.

A capacitação profissional em design de moda faz parte do projeto Trabalho Escravo Nunca Mais, promovido pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) em parceria com a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Universidade de Campinas (Unicamp). O projeto busca combater o trabalho escravo e promover o trabalho decente e a inclusão de grupos em situação de vulnerabilidade socioeconômica e conta com ações com empresas da área.

“Iniciativas como a do projeto Trabalho Escravo Nunca Mais são imprescindíveis e devem ser replicadas, porque têm a capacidade de mudar realidades em um tempo curto. De iniciar a caminhada rumo ao trabalho decente, ou seja, em condições de liberdade, dignidade, equidade e segurança. E o impacto não se restringe aos beneficiários diretos, mas colabora com a mudança de perspectiva de toda a sociedade, diminuindo preconceitos e garantindo direitos iguais a todas as pessoas", diz Thaís Dumêt Faria, oficial técnica em princípios e direitos fundamentais no trabalho para América Latina e Caribe da OIT


"Esta ação está alinhada a uma das premissas da OIT de que não há crescimento econômico sem justiça social e da Agenda 2030 em seus diversos indicadores e sobretudo em seu lema: não deixar ninguém para trás!”, acrescenta.
 

Desconhecimento e vulnerabilidade


O trabalho escravo é um crime e uma grave violação dos direitos humanos. Milhares de pessoas, nas zonas urbanas e rurais, ainda são exploradas por meio do trabalho escravo, que pode figurar na forma de servidão por dívida, submissão, condições degradantes de trabalho e a jornadas exaustivas e outras formas de coerção e violência.

No Brasil, entre 1995 e 2020, mais de 55 mil pessoas foram resgatadas de condições de trabalho análogas ao escravo, por meio de operações de fiscalização lideradas por Auditores Fiscais do Trabalho. Responsável pelo recrutamento dos alunos da Oficina, Alberto Pinto destaca que uma parcela significativa do grupo selecionado não conseguia identificar se havia passado ou não por situação de trabalho análoga à escravidão.

“Todos eles passaram, sim, em algum nível. Mas 15,4% dos participantes ainda responderam ‘talvez’ no questionário que fizemos, mesmo eles contando experiências típicas desse tipo de servidão. Esses trabalhadores pensam: fui acolhido, alguém me deu um teto e comida. Mas isso é crime, é exploração”, frisa Alberto. O consultor, que trabalha com diversidade há 35 anos, acredita, contudo, que hoje o grupo tem “um nível de consciência muito maior”.

A história de Richard Rocha, boliviano de 36 anos, poderia ilustrar essa estatística. Ele chegou a São Paulo há seis anos com a esposa e duas filhas. “Todo mundo que vem de lá sabe que tem que passar por esse caminho, porque estamos todos procurando uma oportunidade na vida. A gente pensa: se eu não passar por isso, como vou chegar lá? Essa é a porta mais fácil”, diz ele.



A legislação brasileira assegura direitos trabalhistas iguais para nacionais e imigrantes, ainda que em situação migratória irregular. Esse tratamento igualitário está explícito no caput do artigo 5.o da Constituição Federal/1988 e é fortalecido pelo artigo 1.o da Convenção nº 111 da OIT de 1958, sobre discriminação em matéria de emprego e ocupação, ratificada pelo Brasil em 1965.

Nas relações de emprego, a Consolidação das Leis de Trabalho assegura a todos e todas direito a férias, salário mínimo, jornada de trabalho de, no máximo, 44 horas semanais, descanso semanal remunerado, respeito às normas de segurança e saúde do trabalho, etc.

O procurador do Ministério Público de São Paulo (MPT-SP), Gustavo Accioly, coordenador do projeto, destaca que apesar de as leis e do trabalho de fiscalização no País, esses imigrantes ainda “caem numa cilada por necessidade”. “A vulnerabilidade social e econômica é tão alta que eles não têm consciência do que sofrem. Uma pessoa que passa por isso é objetificada, ela própria se confunde com uma máquina”, afirma Accioly.

O procurador observa que iniciativas como do projeto Trabalho Escravo Nunca Mais trazem mudanças reais de vida. “O trabalho decente é uma das portas de entrada para a reinserção dessas pessoas no mercado e para o resgate da autoestima delas. Precisamos de muitas iniciativas assim”.

Do ateliê para as passarelas

As aulas da Oficina ocorreram no mês de janeiro, na fábrica de Reinando Lourenço, no bairro de Pinheiros, zona leste da capital paulista. Foi a primeira vez que Reinaldo abriu sua fábrica para uma ação desse porte. Por conta da pandemia da COVID-19, o curso foi dividido em turmas de cinco pessoas, sendo uma por semana, respeitando todos os protocolos da Organização Mundial de Saúde (OMS), como distanciamento, uso de máscara e ambiente arejado.

A aula inaugural foi proferida por Reinaldo seguida de palestra do estilista Jeff Benício. “Os alunos foram inseridos num espaço onde tudo acontece, onde tem trabalho formal, muito diferente da exploração que passaram”, afirma o diretor de Marketing da grife Reinaldo Lourenço, Thiago Arikawa. O local também serviu de inspiração para os participantes da Oficina. No time de Reinaldo há três costureiras bolivianas. “Os alunos percebem: se eles estão aqui, eu também posso”, completa Arikawa.

A coordenadora da Oficina de Moda, Elmira Dias da Silva – que trabalhou na equipe de Reinaldo por 12 anos –, destaca a importância dessa oportunidade para a inserção dos alunos alunas no mercado profissional da moda.

“Cada participante está em um nível diferente, mas eles saíram prontos para atuar em qualquer linha de produção. Isso nos dá uma satisfação muito grande”, diz Elmira, costureira há mais de 30 anos e há dois anos tem seu próprio atelier.

“Foi recompensador testemunhar a satisfação dos alunos ao verem suas peças prontas, vestidas nas (os) modelos. Fiz questão de dar parabéns a cada prova de roupa, de empoderá-los e estimulá-los a continuar”, complementa Elmira. Ela frisa, orgulhosa, que os alunos tiveram aulas sobre costura com o mesmo nível de exigência que é praticado na fábrica do seu antigo chefe.


A boliviana Ely Quinteros, 28 anos, que está há sete anos no Brasil, já é costureira. Depois de trabalhar meses ganhando “quase nada” e em jornadas de mais de 14h por dia, ela enxergou na oficina a chance de ter seu trabalho mais valorizado.

“Aprendi aqui coisas que nunca vi. Agora sei fazer peças mais sofisticadas, vou poder ganhar mais, melhorando minha mão de obra. É uma oportunidade para melhorar de vida. Quero ter minha própria oficina e comprar uma casa”, planeja Ely.

Durante o curso, a turma produziu 40 looks com auxílio de profissionais reconhecidos(as) na área como Jeff Benicio, Patrícia Martins e Elmira Silva. As peças foram apresentadas em um desfile de moda fechado, que aconteceu no Museu da Imigração do Estado de São Paulo no dia 1º de março e contou com a trilha sonora assinada pelo DJ Zé Pedro. A gravação do desfile foi transmitida na plataforma da revista Elle Brasil no dia 8 de março. Os alunos e alunas fazem planos de continuar no ramo da moda. Elmira montou uma lista de contatos para indicar os futuros colegas para oportunidades de trabalho. O mailing também ficará à disposição da fábrica de Reinando Lourenço, que em temporadas de moda e períodos de entrega de coleção sempre reforça a equipe.


Manifesto pela conscientização e resgate da autoestima

Um manifesto digital no Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, em 28 de janeiro, marcou o lançamento e a primeira etapa do projeto. Para a ocasião, o designer Eugênio Santos criou uma camisa especial, que foi confeccionada por pessoas que foram vítimas de trabalho escravo e apresenta os rostos de imigrantes e refugiados retratados pelo renomado fotógrafo Guilherme Licurgo.


Um dos rostos que estampou a camisa do manifesto, o boliviano Jheysson Flores conta que foi “emocionante” participar da ação: “Muitos amigos da Bolívia me mandaram mensagem. Senti tanto orgulho e isso me deu forças para continuar”. O manifesto contou com o engajamento de ativistas e artistas como Wagner Moura, Daniela Mercury, Dira Paes, Paola Carosella e Ivete Sangalo.

Aos 23 anos, Jheysson já é costureiro e há quase três tem sua própria oficina de costura, que funciona na casa onde mora, na Mooca. O desempenho dele chamou atenção na oficina de design em moda na fábrica de Reinaldo Lourenço. “Tinha uma peça que eu não sabia fazer (um sobretudo), muito difícil, mas consegui. Agora vou poder dizer: eu sei fazer!”, diz, emocionado.

O jovem chegou em São Paulo aos 11 anos, com a mãe, Maria Rosa, e o irmão, de 10. A família veio de ônibus da Bolívia – uma viagem de três dias –, e os garotos precisaram se esconder embaixo do banco e das sacolas para a mãe não gastar o escasso dinheiro com mais duas passagens. A partir daí a história de trabalho análogo ao escravo se repete. Aqui, com o adendo: trabalho infantil. Sem poder estudar, os meninos começaram a costurar para ajudar a mãe. Ganhavam R$ 10, R$ 20 reais no fim do mês. Com o dinheiro, pediam para algum conhecido comprar comida, já que ninguém podia sair do alojamento.

Jheysson Flores, aluno da Oficina em Design de Moda
“A primeira vez que vimos a rua foi cinco meses depois que chegamos aqui (SP). A gente sabia que havia algo errado nesse trabalho, mas não tinha a consciência que podia ser isso (análogo à escravidão)”, conta Jheysson. “A maior tristeza da minha mãe é que perdemos mais de dois anos de estudo e parte da nossa infância. Mas como ela mesmo ensinou, a gente tem que focar nas coisas boas”.

Hoje pequeno empreendedor, ele disse ter “muitas metas para o futuro”. “Essa oficina de costura foi como um diploma para mim. Vai melhorar meus ganhos, porque vou poder pegar tipos de peças diferentes, mais elaboradas”, planeja. E mais: “Quero viajar, conhecer o mundo e comprar uma casa em São Paulo. Quero poder dar ao meu filho tudo o que não tive”.

 

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