sábado, 29 de outubro de 2022

Como o ACNUR responde à fome e insegurança alimentar de refugiados em meio à crise global

 

Tahani, de 5 anos, brinca com a lama perto do abrigo de sua família. Ela está fazendo pão. Pão é o que sua família pode oferecer para comer quando não tem mais nada; pão e água. (©ACNUR/Marie Joelle/Jean Charles)

Atualmente, 828 milhões de pessoas passam fome no mundo, de acordo com as Nações Unidas. Esse número mais que dobrou nos últimos dois anos, recolocando o tema da fome como uma prioridade global.

Existem vários fatores que contribuem para o aumento acentuado da insegurança alimentar nos últimos dois anos:

A pandemia da COVID-19 gerou instabilidade econômica, aumento da inflação e interrompimento de cadeias de abastecimento de alimentos, dificultando o fornecimento de ajuda humanitária às pessoas refugiadas, especialmente em locais de difícil acesso;

As mudanças climáticas estão afetando o abastecimento da agricultura e pecuária em todo o mundo e intensificando guerras em decorrência de disputas por recursos naturais;

A desigualdade e a pobreza fizeram com que alimentos acessíveis estivessem fora do alcance de milhões de famílias;

A guerra na Ucrânia teve um efeito cascata nas cadeias de abastecimento e recursos alimentares – além de provocar o deslocamento forçado de mais milhões de pessoas.

Enquanto essas emergências não param de crescer, o ACNUR não pode deixar para trás as mais de 100 milhões de pessoas que foram forçadas a se deslocar e precisam do nosso apoio.

Enquanto essas emergências não param de crescer, o ACNUR não pode deixar para trás as mais de 100 milhões de pessoas que foram forçadas a se deslocar e precisam do nosso apoio.

Com os preços dos alimentos atingindo uma alta histórica em 2022 e vários países à beira da fome, o ACNUR Brasil criou a campanha #ComidaPraViagem, fortalecendo os esforços globais de combate à fome entre pessoas que perderam tudo e tiveram que reconstruir suas vidas após o impacto de guerras, perseguições e violações de direitos humanos.

Contribua agora mesmo para que possamos continuar a garantir que pessoas refugiadas tenham #ComidaPraViagem

Em um mundo altamente conectado, em que a fome é tanto uma causa como uma consequência do deslocamento forçado, aqui estão quatro maneiras pelas quais o mundo pode se unir para acabar com a fome e a insegurança alimentar – e o que a Agência da ONU para Refugiados está fazendo para apoiar esses esforços.

Entrega de ajuda humanitária

Quando a crise atinge e milhões de pessoas são deslocadas à força de suas casas, receber ajuda humanitária essencial é fundamental para garantir a segurança e a saúde das pessoas forçadas a se deslocar. Durante crises humanitárias de grande escala, como a do Iêmen, essa ajuda humanitária costuma ser a única salvação para os necessitados.

O Iêmen enfrenta atualmente uma das piores crises de fome do mundo, com quase 50 mil pessoas vivendo em condições semelhantes à fome e mais 5 milhões enfrentando risco significativo de passar fome em 2022.

O ACNUR está no Iêmen fornecendo suprimentos e alimentos essenciais, incluindo fontes de alimentos ricos em calorias e nutrientes, mas os conflitos na região e ao redor dificultam o acesso do ACNUR aos mais vulneráveis. Garantir que os caminhos para a ajuda humanitária permaneçam seguros e abertos é fundamental para atender às necessidades de insegurança alimentar.

O ACNUR trabalha com parceiros em campos de refugiados em todo o mundo para oferecer oportunidades empresariais aos agricultores. Ao apoiar as habilidades agrícolas e os meios de subsistência dos refugiados, eles têm a oportunidade de ajudar a garantir a segurança alimentar de outros refugiados, bem como de suas comunidades anfitriãs.

O ACNUR apoia esses empreendedores fornecendo subsídios para fazendas e aluguel de barracas de mercado, sementes, lotes de terra para agricultura, bem como outros suprimentos para ajudar os agricultores a prosperar.

Acnur

www.miguelimigrante.blogspot.com

Prefeitura de Manaus beneficia migrantes e refugiadas com ação do ‘Outubro Rosa’ na zona Sul

 A Prefeitura de Manaus beneficiou mulheres migrantes e refugiadas, na manhã desta quinta-feira, 27/10, com uma ação educativa da campanha “Outubro Rosa”, no Centro de Apoio e Referência a Refugiados e Migrantes (Care), no bairro Cachoeirinha, zona Sul. A Secretaria Municipal de Saúde (Semsa) aproveitou o encontro para vincular as mulheres às unidades básicas mais próximas de suas residências.

A ação foi promovida pela Semsa, em parceria com o Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA) e Agência Adventista de Desenvolvimento e Recursos Assistenciais (Adra), em meio às estratégias de fortalecimento da promoção à saúde desse público, que tem o intuito de facilitar o acesso dessas populações ao Sistema Único de Saúde (SUS).

“Nosso objetivo aqui é chamar a atenção dessas mulheres sobre o cuidado e as formas de prevenção ao câncer, promovendo a educação em saúde, e também indicando os serviços que a secretaria oferece a elas, como consultas médicas e de enfermagem, exames de preventivo e mamografia, entre outros”, disse a chefe da Divisão de Promoção da Equidade às Populações Vulneráveis da Semsa, Ana Mádria.

A coordenadora do Care, Vanessa Souza, informou que cerca de cem mulheres participaram da ação. O projeto é desenvolvido em Manaus em parceria com a Agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para refugiados (Acnur), disponibilizando serviços de ajuda humanitária e acolhimento a essa população.

“É muito importante essa troca de informações que a Semsa vem proporcionar em relação ao atendimento dessas mulheres na rede municipal de saúde, principalmente aquelas que procuram uma mamografia ou preventivo. Muitas delas são recém-chegadas na capital e não sabem onde buscar esse tipo de apoio, além de entender que elas têm direito a esse tipo de assistência”, informou.

A estudante Maryelin Rodriguez veio da Venezuela para Manaus há cerca de um ano, com o esposo e a filha, e elogiou a ação da Semsa.

“Está sendo muito legal. Entendo como buscar tudo de saúde e pouco a pouco vou fazendo meus exames, o preventivo, essas coisas que são importantes para prevenção da mulher aos cânceres”, afirmou.

Texto – Victor Cruz / Semsa

Foto – Elienai Emanuel / Semsa

semsa.manaus.am.gov.br

www.miguelimigrante.blogspot.com

quinta-feira, 27 de outubro de 2022

Cidades precisam funcionar para as mulheres, alerta relatório do PNUD

 É necessária uma ação urgente para remover o viés de gênero das cidades. O veredito vem do novo relatório “Cidades Vivas: Planejando Cidades que Funcionem para as Mulheres”,  lançado nesta segunda-feira (24) pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em conjunto com o ARUP e a Universidade de Liverpool.

Baseada nas vozes e experiências de mulheres em todo o mundo e apoiada por estatísticas e pesquisas globais, a publicação mostra que a limitação da participação feminina nas decisões de planejamento urbano pode exacerbar e perpetuar as desigualdades nas cidades. 

O preconceito de gênero embutido nas cidades se reflete nos monumentos públicos, que majoritariamente homenageiam homens, até em questões de segurança e saúde, como o acesso a banheiros públicos adequados.

Apesar de as mulheres constituírem 50% da população urbana global, as cidades não foram planejadas com elas em mente
Legenda: Apesar de as mulheres constituírem 50% da população urbana global, as cidades não foram planejadas com elas em mente.
Foto: © Rafael Martins/PNUD

É necessária ação urgente para remover o viés de gênero das cidades e melhorar a segurança, a saúde, o acesso à educação e ao emprego para as mulheres, alerta um relatório lançado nesta segunda-feira (24) pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em conjunto com o ARUP* e a Universidade de Liverpool.

O documento, intitulado “Cidades Vivas: Planejando Cidades que Funcionem para as Mulheres”, mostra que apesar de as mulheres constituírem 50% da população urbana global, as cidades não foram planejadas com elas em mente. Por isso, é preciso que gestores, planejadores urbanos e urbanistas trabalhem para que as cidades, onde estão concentradas  mais 4,5 bilhões de pessoas, sejam mais inclusivas, seguras e justas para as mulheres.

O relatório baseia-se nas vozes e experiências de mulheres em todo o mundo, assim como em uma revisão completa de dados e pesquisas, para identificar questões e recomendações com base em quatro temas críticos: segurança e proteção; justiça e equidade; saúde e bem-estar; e enriquecimento e realização pessoais.

As descobertas, apoiadas por estatísticas e pesquisas globais, mostram que a limitação da participação feminina nas decisões de planejamento urbano pode exacerbar e perpetuar as desigualdades nas cidades. As principais questões incluem o assédio sexual em espaços públicos (refletido, por exemplo, nas experiências de 97% das mulheres de 18 a 24 anos no Reino Unido) e a falta de acesso a instalações adequadas (um terço das mulheres em todo o mundo não têm acesso a banheiros apropriados). 

O preconceito de gênero embutido nas cidades também se reflete na homenagem aos heróis do passado e do presente por meio de monumentos públicos, com apenas 2-3% das estátuas representando mulheres em todo o mundo. Ademais, as mulheres não estão bem representadas nas principais decisões que afetam o futuro do meio ambiente, com a média de apenas um em cada sete ministérios do setor ambiental em todo o mundo sendo liderado por mulheres.

Soluções - O novo relatório argumenta que não basta remover, com urgência, as barreiras para que as mulheres assumam posições de planejamento, construção e liderança de cidades. É preciso fazer mais para conscientizar quem tem influência sobre planejamento urbano hoje, de forma a mostrar a essas pessoas a importância de considerar aspectos de gênero e incorporá-los em seus projetos.

Focadas em soluções, as recomendações do relatório fornecem aos tomadores de decisão e urbanistas as ferramentas necessárias para ir além da mera consulta e envolver ativamente as mulheres em todas as etapas de projeto e planejamento urbano – da concepção à entrega. 

Desigualdade - O informe mostra também que acelerar a participação das mulheres na governança urbana em todos os níveis é um pré-requisito para o melhor funcionamento das cidades, pois aquelas que funcionam melhor para as mulheres são mais resilientes e inclusivas para todas as pessoas.

“Alcançar a equidade de gênero faz parte de cada um dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. Quando as cidades são projetadas sem considerar as diversas necessidades e percepções das mulheres de todas as idades e identidades, isso pode ter um impacto adverso não apenas em suas vidas, mas em suas famílias. Restringe suas oportunidades e impacta negativamente o desenvolvimento sustentável geral da sociedade”, destaca o administrador do PNUD, Achim Steiner. “Cidades com igualdade de gênero podem gerar enormes benefícios econômicos, ambientais, políticos e sociais”, finaliza. 

 A diretora europeia de Cidades, Planejamento e Design da Arup, Léan Doody também acrescenta que o preconceito de gênero embutido no planejamento das cidades tem tido efeito negativo na vida das mulheres em todo o mundo. “Estamos pedindo aos urbanistas e planejadores que adotem as recomendações deste relatório para atender agora às necessidades das mulheres nas cidades, enquanto trabalhamos para atrair mais mulheres para cargos de liderança”.

As recomendações examinam todas as necessidades e aspirações das mulheres, inclusive a segurança, e apontam que questões como discriminação baseada em gênero, falta de acesso a educação de qualidade e oportunidades de emprego ou a moradia e infraestrutura básica, afetam negativamente as mulheres. O documento demonstra também que o preconceito de gênero embutido nas cidades afeta a capacidade de enfrentar a mudança global do clima, com as mulheres enfrentando uma exposição desproporcional aos riscos climáticos.

Recomendações - O relatório apresenta recomendações factíveis ​​para os principais tomadores de decisão e profissionais urbanos sobre como projetar e planejar áreas urbanas mais inclusivas, seguras e equitativas para as mulheres, o que gera benefícios para todas e todos. 

Também são fornecidos exemplos de projetos e iniciativas em todo o mundo, que tiveram êxito ao abraçar a participação das mulheres. Entre os exemplos, estão iniciativas em Atenas (Grécia), Cochabamba (Bolívia), Bogotá (Colômbia), Nairóbi (Quênia), Dacar (Senegal), Da Nang (Vietnã) e São Francisco (EUA).

Para garantir que as cidades funcionem melhor para as mulheres, o relatório enfatiza que as autoridades devem trabalhar em conjunto – incluindo organizações dos setores público e privado, juntamente com grupos da sociedade civil – e projetar e planejar cidades mais inclusivas, seguras e equitativas para mulheres e meninas.

*ARUP: coletivo de 16 mil projetistas, consultores e especialistas que trabalham em 140 países, dedicados ao desenvolvimento sustentável


brasil.un.org/

www.miguelimigrante.blogspot.com

Mediadores interculturais acompanham mais de 800 atendimentos a imigrantes

 

fOTO Cristine Rochol/PMPA

Há um ano, imigrantes haitianos e senegaleses que chegam a Porto Alegre podem contar com um importante auxílio. São os mediadores interculturais, que servem como tradutores e facilitadores para aqueles que residem na cidade e necessitam de atendimento pelo Sistema Único de Saúde (SUS). 


Em 11 meses, de outubro de 2021 a setembro deste ano, ocorreram 810 ações do programa desenvolvido pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS). Foram realizadas mediações presenciais, remotas, em exames e situações de urgência e emergência, além da confecção de cartão nacional de saúde, acompanhamento de hospitalizações e campanhas de vacinação. 

A enfermeira haitiana Youdeline Obas, 37 anos, é uma das mediadoras. Vivendo na Capital desde dezembro de 2018, ela fala dos desafios de implementar a iniciativa. “Começamos algo totalmente novo e, aos poucos, construímos as ações em conjunto”, conta ela, acompanhada dos colegas Absa Wade, senegalesa, e Jean Junior Thevenin, também haitiano. “Não foi fácil, mas conseguimos inovar para alcançar nosso objetivo, e o ano foi muito produtivo", afirma.

“Os mediadores interculturais desenvolvem um trabalho que transcende a simples tradução, decodificando não apenas termos entre nacionalidades, mas culturas e hábitos de cuidados em saúde entre nações”, explica a assessora técnica de Saúde do Imigrante da Atenção Primária, Rita Buttes. Em abril, a SMS recebeu premiação nacional pela iniciativa. O Prêmio APS Forte no SUS: integralidade no cuidado é promovido pelo Ministério da Saúde e Organização Pan-Americana da Saúde no Brasil (Opas).

A capital gaúcha possui cerca de 30 mil imigrantes, considerando todas as situações migratórias, sendo a maioria de haitianos. Segundo o sistema E-SUS/SMS/2020, existem cerca de 3,3 mil imigrantes com cadastro ativo no Cartão Nacional de Saúde na cidade, ou seja, que acessam as unidades de saúde, aproximadamente 10% dessa população. 

Atendimentos aos imigrantes – Os mediadores interculturais fazem o primeiro contato com o usuário imigrante ou a mediação entre ele e o profissional de saúde, garantindo o acesso desde o atendimento no território até os diferentes pontos da rede de saúde da cidade. Também acompanham o imigrante no atendimento presencial, nos casos de pré-agendamento, e por videochamada para demandas espontâneas.

Imigrantes que necessitarem da intermediação dos mediadores devem entrar em contato pelos telefones ou e-mail: 
Imigrantes haitianos: (51) 98214-0022 / (51) 98214-0044 
Imigrantes senegaleses: (51) 98214-0038
E-mail: saudedoimigrante.sms@gmail.com  


prefeitura.poa.br/


www.miguelimigrante.blogspot.com

quarta-feira, 26 de outubro de 2022

Afegãos fogem do país e transformam o aeroporto de Guarulhos em campo de refugiados

 Rosa M. Martins

Refugiados afegãos recebem ajuda no Aeroporto de Guarulhos (fotos: Rosa M. Martins) 
Refugiados afegãos recebem ajuda no Aeroporto de Guarulhos (fotos: Rosa M. Martins) 

Refugiados afegãos recebem ajuda no Aeroporto de Guarulhos (fotos: Rosa M. Martins)

“Meu marido foi decapitado pelo Talibã há cinco anos, por isso resolvi deixar o pais com meu filho de 9 anos”, relata uma refugiada afegã, odontóloga, entre as centenas pessoas que estão fugindo do país em direção ao Brasil. Desde janeiro deste ano, o Brasil tem presenciado a chegada em massa de afegãos que estão deixando o país após tomada do poder pelo Talibã. Impedidos de viajar para qualquer país do mundo, graças ao visto humanitário oferecido pelo governo brasileiro o Brasil está sendo para eles a porta aberta da esperança de paz e de distância do grupo extremista. Porém, não basta abrir as portas. É preciso oferecer, as mínimas condições para recomeçarem as suas vidas.

O campo de refugiados improvisado dentro do aeroporto de Guarulhos, desde de 19 de agosto deste ano tem provocado a sociedade civil a se mobilizar para além das suas forças para sanar as necessidades básicas destas pessoas. Chama a atenção o número de jovens (na sua maioria moças), todos voluntários que se deslocam, em revezamento, para cuidar destes refugiados, desde limpeza, coleta do lixo à distribuição e organização das doações. Entre estes grupos está a juventude scalabriniana de Santo André, SP que tem divulgado a realidade nas redes sociais e sensibilizado a Igreja e a sociedade sobre a situação. A ativista Swany Zenobini, criadora do coletivo “Frente Afegã”, formado por pessoas voluntárias de boa vontade, como jornalistas, pastores, empresários, terceiro setor, para acompanhar este campo de refúgio, explica que “o trabalho feito por nós é de assistência às necessidades básicas destes refugiados e refugiadas, como alimentação, uma manta, um colchão, banho...”. De acordo com a jovem voluntária Catherini Suzane, muitos refugiados já foram alocados em casas de acolhida na capital paulista e no interior, mas a cada desembarque, 20, 30 afegãos entram no Campo. “Na verdade, estamos enxugando gelo”, afirma.


Familia de sociológo, improvisou sua casa no aeroporto de Guarulhos (foto: Rosa M. Martins)

O perfil dos refugiados

Os refugiados que ocupam o campo do aeroporto são mulheres, grávidas, crianças desde o colo à adolescência. A faixa etária vai de dois meses de vida aos 45 anos. 0,5% destes são idosas. A maioria destes afegãos e afegãs são homens e mulheres que tinham uma vida estruturada e bom emprego no país, entre eles sociólogos, médicos, jornalistas, dentre outros. Mohammad é um jovem afegão que atuava como ativista de Direitos Humanos. Ele conta que o Afeganistão está literalmente em fuga por causa do grupo extremista. “Todos os afegãos estão vulneráveis, por isto estamos fugindo de lá. Todos os que estão aqui neste Campo (do aeroporto), fugimos para proteger nossas vidas”.

Dia do banho

Desde a semana passada, o coletivo Frente Afegã tem organizado o dia do banho, que é a segunda-feira. Neste dia, famílias, empresas, pessoas de boa vontade, se organizam para levar os refugiados e refugiadas em suas casas ou empresas, para tomarem banho. Até então há mais de 15 dias não tiveram essa possibilidade.

O Talibã e a tomada do poder

Há um ano os  EUA, por causa dos atentados de 11 de setembro de 2001, retiraram suas tropas do Afeganistão, após 20 anos de ocupação. O presidente afegão Ashraf Ghani deixou o país, e os talibãs assumiram o controle do palácio presidencial, com um sistema de governo fundamentalista, o que resultou na fuga em massa dos afegãos.

Refugiados no Aeroporto de Guarulhos

Quando uma jornalista se comove

O jornalista ou a jornalista são profissionais que pelas regras acadêmicas devem ser imparciais e nem falar de si próprio em uma matéria. Mas eu fugirei às normas para partilhar uma experiência vivida com uma família no Campo, a qual tenho vontade de adotar. O sr. Hassem (nome fictício), é sociólogo e lecionava em uma universidade no Afeganistão. Eu havia saído de casa com minha amiga Roseli em direção ao campo de refugiados de Guarulhos. Meu coração estava a mil por hora de emoção por poder fazer um pouco de bem a esses meus irmãos, dar-lhes um abraço, apertar-lhes a mão, fazer uma foto.

Caminhávamos pelo campo e distribuíamos as coisas que havíamos levado, como fraldas descartáveis e alimento não perecível. Entre um abraço e outro, uma história e outra, um sorriso e outro, cheguei na casa improvisada do sr. Hassem que estava com sua “casa” em ordem, sentado em roda com sua família, sobre lindos tapetes afegãos, tudo limpinho, sapatos à entrada. Eu disse: Hi, how are you? Ao que imediatamente sr. Hassem respondeu com um largo sorriso apontando para o lugar onde deveria me sentar, na roda. “Sit down please! This is our house! (Entre e sente-se por favor. Essa é a nossa casa”).

Refugiados no Aeroporto de Guarulhos

Segurei as lágrimas, porque fui acolhida antes de acolher, tirei os sapatos para me sentar naquele espaço sagrado, sagrado porque eu vi Deus ali (lágrimas). Sua esposa, me ofereceu um chá. Ferveu a água, com um sorriso largo, enquanto conversava com seu esposo. Tomei um chá afegão ‘da hora’. E ficamos amigos. Retornei lá neste final de semana e lhes presentei com chás brasileiros de camomila e de hortelã.

Para ajudar, escreva para euacolhorefugiados@gmail.com

 Vatican news.va

www.miguelimigrante.blogspot.com


Barcos com 500 migrantes chegam na ilha de Lampedusa

 

Barcos com 500 migrantes chegam na ilha de Lampedusa

Foto: ANSA / Ansa - Brasil

Cerca de 500 migrantes a bordo de seis barcos diferentes chegaram na ilha de Lampedusa, no sul da Itália, entre a noite da última segunda-feira (24) e a manhã desta manhã.

O território entra em emergência, mais uma vez, com vans que vão do cais de Favarolo ao problemático hotspot da região, no distrito de Imbriacola, para onde os migrantes são levados.

Apesar das transferências diárias com o ferry boat programado, neste momento há novamente 1.154 migrantes na primeira estrutura de recepção, cuja capacidade máxima é para 350 pessoas.

A prefeitura de Lampedusa ordenou a transferência, com o barco a motor que chegará ao Porto Empedocle, de 110 migrantes amanhã. E outros 80 deixarão a ilha à noite.

Enquanto isso, o desembarque de 147 pessoas do navio da Guarda Costeira Aringhieri terminou em Pozzallo. Todos os migrantes, de nacionalidade egípcia, síria, sudanesa, paquistanesa e bengali, estão em boas condições de saúde e com testes negativos para Covid-19.

Além disso, dois outros barcos estão em risco na costa da Líbia, com um total de 1,3 mil pessoas a bordo, incluindo um migrante morto. .

Terra

www.miguelimigrante.blogspot.com


terça-feira, 25 de outubro de 2022

Ministério Público do Trabalho de Sorocaba destina verbas para projetos da Unicamp e OIT com foco em direitos humanos

 


O Ministério Público do Trabalho (MPT) em Sorocaba (SP) destinou uma verba para projetos da Fundação de Desenvolvimento da Unicamp (Funcamp), no valor de R$ 1.186.055,58, nos autos de uma ação de execução por descumprimento de termo de ajuste de conduta (TAC), e o montante de R$ 1.209.024,41 à Organização Internacional do Trabalho (OIT), nos autos de uma ação civil pública.

A Funcamp vai investir o recurso no desenvolvimento de atividades no “Projeto Migrações Internacionais, Tráfico de Pessoas e Trabalho Escravo”, realizado pelo grupo de pesquisas Observatório das Migrações de São Paulo, do Núcleo de Estudos de População Elza Berquó (NEPO).

O objetivo principal do projeto é conhecer e analisar as transformações nos processos migratórios nacionais e nas migrações internacionais no estado de São Paulo, incluindo as regiões do interior paulista e as metrópoles, trazendo a repercussão desta dinâmica em questões econômicas, urbanas e demográficas.

A partir da iniciativa será possível entender como funcionam os fluxos migratórios que levam ao tráfico de pessoas e ao trabalho escravo.

A verba de R$ 1.186.055,58 decorre de uma ação de execução ajuizada pelo MPT contra uma mineradora da cidade de Registro, que descumpriu um TAC pelo qual se comprometeu a garantir medidas de saúde e segurança no meio ambiente de trabalho.

A OIT, por sua vez, reverterá o valor destinado na implementação do Projeto Àwúre, que tem como finalidade fazer a prevenção e enfrentamento à exploração das piores formas de trabalho e de promoção da agenda trabalho decente na região do Vale do Ribeira (SP).

O projeto vai abranger, entre outras ações, a implantação de arranjos produtivos agroecológicos e agroflorestais, formação profissional para inclusão social e produtiva de grupos historicamente excluídos, realização de cursos de capacitação presenciais para beneficiários do projeto, e para atores do setor público e privado para fortalecimento da rede de proteção a estes segmentos populacionais, além de ações e produtos de comunicação que promovam a produção de conhecimento sobre os direitos humanos e fundamentais de natureza social garantidos pelo ordenamento jurídico nacional e internacional e formas de prevenção e enfrentamento à exploração das piores formas de trabalho.

A verba é de um processo judicial pelo MPT, no ano 2000, contra o Município de Ilha Comprida pelo descumprimento do comando constitucional que determina o ingresso de servidores por meio de concurso público. O processo transitou em julgado e os recursos destinados à OIT foram disponibilizados por meio do pagamento de precatórios no valor de R$ 1.209.024,41.

g1.globo.com/sp/sorocaba

www.miguelimigrante.blogspot.com

Como o ACNUR responde à fome e insegurança alimentar de refugiados em meio à crise global

 

Tahani, de 5 anos, brinca com a lama perto do abrigo de sua família. Ela está fazendo pão. Pão é o que sua família pode oferecer para comer quando não tem mais nada; pão e água. (©ACNUR/Marie Joelle/Jean Charles)

Atualmente, 828 milhões de pessoas passam fome no mundo, de acordo com as Nações Unidas. Esse número mais que dobrou nos últimos dois anos, recolocando o tema da fome como uma prioridade global.

Existem vários fatores que contribuem para o aumento acentuado da insegurança alimentar nos últimos dois anos: 

  • pandemia da COVID-19 gerou instabilidade econômica, aumento da inflação e interrompimento de cadeias de abastecimento de alimentos, dificultando o fornecimento de ajuda humanitária às pessoas refugiadas, especialmente em locais de difícil acesso; 
  • As mudanças climáticas estão afetando o abastecimento da agricultura e pecuária em todo o mundo e intensificando guerras em decorrência de disputas por recursos naturais;
  • desigualdade e a pobreza fizeram com que alimentos acessíveis estivessem fora do alcance de milhões de famílias; 
  • guerra na Ucrânia teve um efeito cascata nas cadeias de abastecimento e recursos alimentares – além de provocar o deslocamento forçado de mais milhões de pessoas. 

Enquanto essas emergências não param de crescer, o ACNUR não pode deixar para trás as mais de 100 milhões de pessoas que foram forçadas a se deslocar e precisam do nosso apoio.

Enquanto essas emergências não param de crescer, o ACNUR não pode deixar para trás as mais de 100 milhões de pessoas que foram forçadas a se deslocar e precisam do nosso apoio.

Com os preços dos alimentos atingindo uma alta histórica em 2022 e vários países à beira da fome, o ACNUR Brasil criou a campanha #ComidaPraViagem, fortalecendo os esforços globais de combate à fome entre pessoas que perderam tudo e tiveram que reconstruir suas vidas após o impacto de guerras, perseguições e violações de direitos humanos. 

Contribua agora mesmo para que possamos continuar a garantir que pessoas refugiadas tenham #ComidaPraViagem

Em um mundo altamente conectado, em que a fome é tanto uma causa como uma consequência do deslocamento forçado, aqui estão quatro maneiras pelas quais o mundo pode se unir para acabar com a fome e a insegurança alimentar – e o que a Agência da ONU para Refugiados está fazendo para apoiar esses esforços.

Entrega de ajuda humanitária

Quando a crise atinge e milhões de pessoas são deslocadas à força de suas casas, receber ajuda humanitária essencial é fundamental para garantir a segurança e a saúde das pessoas forçadas a se deslocar. Durante crises humanitárias de grande escala, como a do Iêmen, essa ajuda humanitária costuma ser a única salvação para os necessitados.

O Iêmen enfrenta atualmente uma das piores crises de fome do mundo, com quase 50 mil pessoas vivendo em condições semelhantes à fome e mais 5 milhões enfrentando risco significativo de passar fome em 2022. 

O ACNUR está no Iêmen fornecendo suprimentos e alimentos essenciais, incluindo fontes de alimentos ricos em calorias e nutrientes, mas os conflitos na região e ao redor dificultam o acesso do ACNUR aos mais vulneráveis. Garantir que os caminhos para a ajuda humanitária permaneçam seguros e abertos é fundamental para atender às necessidades de insegurança alimentar.

A sua doação é a última esperança para milhares de famílias iemenitas. Doe hoje mesmo e garanta alimentação para quem mais precisa.

Assistência em dinheiro

A assistência em dinheiro é um programa que oferece às pessoas deslocadas bolsas com valores que lhes permitem retornar a um senso de normalidade. Com ajuda em dinheiro, eles podem comprar alimentos e outros itens essenciais por conta própria, o que também lhes dá a chance de acomodar quaisquer restrições alimentares.

Yulia e seu filho, Vlad, foram forçados a fugir da Ucrânia em março de 2022. Na Polônia, eles puderam receber assistência em dinheiro do ACNUR, o que lhes permitiu permanecer seguros e saudáveis ​​em sua jornada em busca de segurança.

Geração de renda

Quando as cadeias de suprimentos globais e os caminhos para a ajuda humanitária são ameaçados, garantir a segurança alimentar se resume à autossuficiência das comunidades de refugiados e anfitriãs. 

Serafina possui uma barraca de vegetais no mercado do Assentamento de Refugiados Kalobeyei, no Quênia. Aqui, ela pode vender os vegetais que cultiva para alimentar sua comunidade e gera uma renda que pode usar para comprar sua própria comida e suprimentos.

O ACNUR trabalha com parceiros em campos de refugiados em todo o mundo para oferecer oportunidades empresariais aos agricultores. Ao apoiar as habilidades agrícolas e os meios de subsistência dos refugiados, eles têm a oportunidade de ajudar a garantir a segurança alimentar de outros refugiados, bem como de suas comunidades anfitriãs. 

O ACNUR apoia esses empreendedores fornecendo subsídios para fazendas e aluguel de barracas de mercado, sementes, lotes de terra para agricultura, bem como outros suprimentos para ajudar os agricultores a prosperar.

Doe hoje mesmo e ajude muitos empreendedores a manterem os seus negócios!

Resposta às mudanças climáticas 

A autossuficiência e a garantia de que as comunidades deslocadas tenham acesso adequado a fontes de alimentos são essenciais para combater a insegurança alimentar a longo prazo, mas esse objetivo é impossível sem abordar os efeitos da crise climática nessas comunidades.

O Afeganistão e o Chifre da África, por exemplo, enfrentam atualmente uma das piores secas da história. As fontes de água estão secando, deixando as pessoas deslocadas e as comunidades anfitriãs sem acesso à água potável ou água para plantações e gado. Milhares de famílias perderam suas fazendas e estão sendo deslocadas à força novamente para sobreviver.

Combinado com o aumento dos preços dos alimentos e as preocupações de proteção em relação à entrega de ajuda com segurança às pessoas em toda a região, os indivíduos na Etiópia e na Somália estão se aproximando rapidamente de uma terrível crise de segurança alimentar. No Afeganistão, metade da população está passando fome.

A prevenção de crises humanitárias como essas começa com o enfrentamento da crise climática. Sem abordar as mudanças climáticas, comunidades como as do Chifre da África continuarão a perder suas casas e meios de subsistência, e conflitos antigos como no Afeganistão dificilmente irão se dissolver.

Além de trabalhar para garantir que essas pessoas tenham acesso a ajuda humanitária crítica, o ACNUR também está trabalhando com governos e parceiros em todo o mundo para defender a ação climática e reduzir sua própria pegada de carbono nas operações.

Acnur

www.miguelimigrante.blogspot.com

segunda-feira, 24 de outubro de 2022

A construção social da indiferença face à dor e morte de migrantes

 

A Caravana "Abriendo Fronteras" numa ação em memória das pessoas desaparecidas na rota das Canárias, na praia de las Canteras. Foto de Mathias Rodríguez/El Salto.

Segundo o Projeto Missing Migrants, da Organização Internacional das Migrações (OIM) durante o ano de 2022, 1.632 pessoas perderam a vida ao tentar chegar à Europa através de Mediterrâneo. Em setembro foram 319 as pessoas falecidas e, no mês de outubro, já se contabilizam 67 mortes.

Na passada quinta-feira, dia 13 de outubro, 22 pessoas naufragaram a caminho das nossas costas, denunciou Helena Maleno, ativista, defensora dos direitos humanos e investigadora, na sua conta de Twitter. Estas 22 pessoas, somavam-se às 138 que, segundo informava Maleno nas suas redes sociais no passado dia 1 de outubro, desapareceram na rota das Canárias nas semanas anteriores. 160 vidas, sonhos e histórias que o mar varreu sob o pano de fundo de ondas de injustiça, de falta de solidariedade e do desespero pela chegada ao “sonho europeu”.

Mortes que são consequência direta da política de securização, externalização e militarização das fronteiras que, através da doutrina da “segurança nacional”, fomenta um regime racista, exclusor e, diretamente, mortífero.

Assim, o regime europeu de mobilidade vai-se definindo dia após dia em torno da polarização da “segurança” de uns face à morte e exclusão de “outros”, mediante a generalização dos discursos de ódio e de alteridade. Perante a falta de uma mudança na gestão e articulação das políticas migratórias com foco nos direitos que facilitem o acesso a vias migratórias legais e seguras, os Estados são responsáveis por estas mortes ao não priorizar a vida dos migrantes.

O direito humano mais essencial que é o direito à vida vulnerabiliza-se cada vez mais nos países que fazem parte da “Europa democrática, da liberdade e segurança” quando se trata de pessoas migrantes. Assistimos a um processo continuado e generalizado de indiferença, naturalização da morte, egoísmo, e a par com isso, criminalização dos migrantes e securitização das fronteras. Para grande parte da sociedade, as mortes de migrantes no Mediterrâneo não geram mobilização, comoção, dor e raiva. Os meios de comunicação social enumeram as mortes, se é que falam dos naufrágios, mas fazem-no genericamente, como um simples exercício estatístico e desumanizado. Não se sente a mesma raiva e dor pelos migrantes que vêm de África do que pelos que vêm de outros lugares. Será a solidariedade de uma parte da sociedade e das instituições exclusora, racista e classista? A história já nos deu e continua a dar essa resposta.

Mais um dia na Europa Fortaleza e continuamos a perguntar-nos: Até que limites da naturalização da morte do outro vai chegar a Europa? Que níveis de indiferença pode atingir uma grande parte da sociedade face à violência e à morte de migrantes?

Nas fronteiras da União Europeia morrem todos os meses centenas de migrantes, as forças de segurança abusam da força e autoridade utilizando violência e, face a isto, a vida nos seus Estados – no decorrer da guerra entre a Ucrânia e a Rússia com todas as suas consequências a nível migratório, humanitário, político e económico – segue o seu curso, normalizando a morte dos migrantes.

Para tentar construir uma sociedade mais justa, solidária, crítica e sensível aos problemas que os migrantes sofrem em termos de racismo, xenofobia e naturalização da violência contra eles, temos que nos fazer algumas perguntas básicas. Como é possível que, semana após semana, se naturalize a morte de pessoas migrantes que tentam chegar à Europa Fortaleza? De que forma se naturalizaram os discursos de ódio, fake news e as agressões físicas e verbais contra pessoas migrantes por parte do discurso hegemónico e dos partidos de extrema-direita na Europa? De que modo isto se liga com o pensamento colonialista? Em que sentido os líderes que fomentam o ódio utilizam os discursos para construir a teoria do “inimigo externo” e gerar medo e ódio na sociedade contra os migrantes?

Primeiro, remeto-me às visões dos sociólogos Immanuel Wallerstein e André Gunder Frank para mostrar uma perspetiva que devemos ter em conta sobre a situação dos migrantes na Fronteira Sul e o facto de que as pessoas do Sul Global se vejam obrigadas a arriscar a sua vida – à falta de vias legais e seguras para migrar, que os Estados do Norte estão obrigados a fomentar devido aos Pactos internacionais de direitos humanos e não implementam – cruzando fronteiras.

À luz das teorias do sistema mundial capitalista, Wallerstein e Frank, entre outros, remetiam a teoria do “sistema-mundo” e o “desenvolvimento do subdesenvolvimento e a teoria da dependência” explicando o modo de produção, a articulação entre classe, Estado e mercado. Wallerstein gerou o termo capitalismo histórico, que possibilitava relacionar criticamente a origem da chamada modernidade ocidental com o desenvolvimento histórico do modelo capitalista. Frank defendia que os países desenvolvidos conseguiram o seu crescimento à custa do subdesenvolvimento e desigualdade que perpetuavam nas outras nações através do capitalismo. Através disto explicava-se o desenvolvimento dos países do Norte com o despojamento e a espoliação dos países do Sul. É muito relevante neste sentido o conceito de “acumulação do despojamento” do geógrafo David Harvey.

É mediante os processos históricos de colonização, o imperialismo, o extrativismo e o despojamento dos recursos naturais exercidos pelos países do Ocidente nos territórios do Sul, que se explica que o Norte goze de recursos físicos, materiais e económicos para desenvolver a vida e gerar as condições que fomentam um Estado de Bem-Estar para os seus cidadãos. O passado e o presente são inegáveis e basta olhar para a história e para os resultados da dinâmica capitalista e imperialista do Ocidente.

Segundo, ao mesmo tempo que acontecia, e continua a acontecer este despojamento – e não apenas através da extração de recursos mas também através da colaboração do Norte na geração de instabilidade política, insegurança e violência em muitos territórios do Sul – os países foram sendo progressivamente esgotados. Entendendo esta dinâmica geopolítica e multicausal, podemos compreender e estudar o facto concreto de que uma pessoa procedente do Senegal, Cabo Verde, Afeganistão, Mali, Palestina ou El Salvador – com as suas diferenças e as complexidades de cada caso, e sem cair em generalizações simplificadoras e vazias de conteúdo – se vejam obrigadas a abandonar os seus territórios de origem e tentar conseguir uma vida digna.

Falemos da responsabilidade histórica dos Estados na proteção dos migrantes. Por um lado, através da necessária justiça, acolhimento e respeito devido aos cidadãos do Sul que sofreram com os roubos e violências mais agressivas nos seus lugares de origem. Por outro lado, à luz da legislação e jurisprudência internacional em matéria de direitos humanos, que obriga os Estados a salvaguardar os direitos de migrantes, venham de onde vierem, sem diferenciar se são da Europa ou de África, Ásia ou América Latina. Não há solidariedade sem igualdade e justiça. Não há justiça se há discriminação entre aqueles a quem facilitamos a autorização de permanência e aqueles a quem a negamos, pela sua cor de pele, o seu nível de estudos ou a sua classe social. Entramos então na segunda teoria. A Europa tem um nível acentuado de racismo, classismo e aporofobia, uma vez que não há outra forma de definir a exclusão e seleção de uns migrantes face a outros.

Enquanto a Europa se horroriza com a situação da Ucrânia e acolhe com programas de orientação e inclusão milhares de cidadãos ucranianos – como deve acontecer dadas as nossas obrigações internacionais –, centenas de migrantes africanos desaparecem nas nossas fronteiras a cada semana face à naturalização da violência e da morte de uma parte da população migrante. Fica claro que o racismo, o classismo e a xenofobia operam como eixos estruturais da política migratória europeia e espanhola e que as fronteiras não estão abertas para todas, nem todas são bem-vindas na Europa Fortaleza, que só parece abrir-se quando se trata de migrantes com um certo poder de compra ou nacionalidade.

O sociólogo Zygmunt Bauman afirmava que os termos “nós” e “eles” distinguem entre duas atitudes muito dispares entre a vinculação emocional e a antipatia; a confiança e a suspeita; a segurança e o medo; a colaboração e competição. Isto quer dizer, segundo a socióloga Catalina Cartagena, que “ao estar ou fazer parte de um grupo, está-se imediatamente fora de outro. O sentimento de pertença ao grupo “nós” contém, ao mesmo tempo, um sentimento de exclusão do grupo “eles.”

A alteridade como questão sociológica caracteriza-se como uma operacionalização do sentimento de distinção de um grupo frente ao outro. É através dela que filósofos, sociólogos, ativistas etc., têm vindo a entender como se geram, em certa parte, os discursos de ódio relativamente a certos grupos populacionais. Como assinala a socióloga Cristina Bayón “trata-se de uma estratégia de exclusão simbólica e moral que contribui para culpar o outro dos seus próprios problemas e dos problemas da sociedade, ao mesmo tempo que legitima os nossos privilégios e as desigualdades económicas subjacentes à pobreza”.

Desta forma, a geração da alteridade foi e é um dos pilares básicos nos quais assentam os discursos da extrema-direita em toda a Europa. Trata-se de construir uma ideologia de ódio frente a um “inimigo externo” – neste caso os migrantes – e torná-los responsáveis pelos males económicos, políticos e sociais do Estado, foi essa a estratégia desenvolvida pela extrema-direita europeia.

Assim, a categorização da pessoa migrante feita em muitos dos meios de comunicação de massa e em certa parte da esfera política como “diferente, alheia, estrangeira, não-nacional” é o que fomenta que boa parte da sociedade perceba alguns migrantes como “outros, diferntes” e que, por exemplo, não se solidarize nem se comova ante as mortes no Mediterrâneo. Este processo de construção da alteridade opera em dois sentidos.

Por um lado, através de normas sobre estrangeiros como a espanhola, cujos mecanismos obstaculizam a regularização de migrantes. As normativas geram devido à sua própria estrutura a situação de irregularidade, dificultam a obtenção de estatuto de “cidadania” e obstaculizam igualmente o acesso a direitos nas mesmas condições que os nacionais. A lei, como dissemos, acaba por potenciar que as pessoas fiquem em situação administrativa irregular, o que é prejudicial tanto para elas devido às inumeráveis violações de direitos que isto ocasiona, como para o próprio Estado. Neste sentido, é essencial apoiar o trabalho do movimento da Iniciativa Legislativa Popular RegularizaciónYA(link is external) que pretende chegar às 500.000 assinaturas antes de 23 de dezembro para chegar ao Congresso espanhol e conseguir a regularização extraordinária de meio milhão de pessoas.

Seguindo com o ponto anterior, a partir das instituições, meios de comunicação social e parte da sociedade civil, associa-se a irregularidade administrativa com “ilegalidade” e os meios de comunicação social enchem-se de parangonas como “imigrantes ilegais”, “onda migratória” ou “invasão” que, para além de serem completamente discriminatórios são falsos e potenciam o ódio. Primeiro, nenhuma pessoa é ilegal, e a linguagem é simbólica, é essencial sociologicamente e nunca é neutra. “Ilegalizar” uma pessoa por uma falha administrativa é contribuir diretamente para o ódio e para a violência para com os migrantes e este processo de “ilegalização" de uns face a outros impulsiona a exclusão, o sentimento de diferenciação e a falta de acesso a direitos.

Por outro lado, com base nas políticas migratórias do Norte global que foram derivando para a securitização, militarização e a conceção da migração como um “problema” através do discurso da “segurança nacional”.

Tudo isto potencia a construção da criminalização da migração, das pessoas migrantes e gera, em certa medida, a indiferença face à injustiça, a violência, a agressão e a morte. Assim, face à violência, a pobreza e aos conflitos armados, os migrantes que chegam a solo europeu deparam-se com uma Europa a cada dia mais racista, militarizada e indiferente ante a dor alheia.

Combater a alteridade, os discursos da extrema-direita e do ódio contra a população migrante deve ser uma prioridade, não apenas a nível da sociedade civil organizada, mas também ao nível institucional e através de políticas públicas estatais. É impulsionando políticas migratórias com uma abordagem de direitos humanos que se pode e deve gerar uma mudança para construir uma Europa mais inclusiva, solidária, justa e menos racista, colonialista, classista e aporófoba.

Neste sentido, devemos ter em conta que as escalas do ódio e de geração de violência não operam apenas ativamente mas também indiretamente, à luz da normalização das mortes de migrantes no Mediterrâneo e da violência nas fronteiras e territórios da UE. É urgente um olhar crítico para o interior das instituições, um eixo que assume responsabilidades e impulsione a desconstrução do Estado como ente racista, classista e exclusor, que ainda nos dias de hoje perpetua as estruturas colonialistas. Uma estrutura que seja capaz de propor políticas justas e que cumpram os padrões regionais e internacionais de direitos humanos. A criminalização dos migrantes e a normalização da violência contra migrantes são hierarquias que operam conjuntamente na sociedade e no Estado, e devem ser combatidas, denunciadas e criticadas estruturalmente a fim de construirmos com base na justiça e numa abordagem de direitos que respeite e cuide a vida dos migrantes.

Irene Graíño Calaza é jurista e politóloga especializada em Direitos Humanos.

Texto publicado originalmente no El Salto Diário(link is external)Traduzido por Carlos Carujo para o Esquerda.net.

Esquerda Net

www.miguelimigrante.blogspot.com