terça-feira, 31 de dezembro de 2013

Mensagem do Santo Padre para o Dia Mundial da Paz - 1º janeiro 2014


FRATERNIDADE, FUNDAMENTO E CAMINHO PARA A PAZ

1. Nesta minha primeira Mensagem para o Dia Mundial da Paz, desejo formular a todos, indivíduos e povos, votos duma vida repleta de alegria e esperança. Com efeito, no coração de cada homem e mulher, habita o anseio duma vida plena que contém uma aspiração irreprimível de fraternidade, impelindo à comunhão com os outros, em quem não encontramos inimigos ou concorrentes, mas irmãos que devemos acolher e abraçar.
Na realidade, a fraternidade é uma dimensão essencial do homem, sendo ele um ser relacional. A consciência viva desta dimensão relacional leva-nos a ver e tratar cada pessoa como uma verdadeira irmã e um verdadeiro irmão; sem tal consciência, torna-se impossível a construção duma sociedade justa, duma paz firme e duradoura. E convém desde já lembrar que a fraternidade se começa a aprender habitualmente no seio da família, graças sobretudo às funções responsáveis e complementares de todos os seus membros, mormente do pai e da mãe. A família é a fonte de toda a fraternidade, sendo por isso mesmo também o fundamento e o caminho primário para a paz, já que, por vocação, deveria contagiar o mundo com o seu amor.
O número sempre crescente de ligações e comunicações que envolvem o nosso planeta torna mais palpável a consciência da unidade e partilha dum destino comum entre as nações da terra. Assim, nos dinamismos da história – independentemente da diversidade das etnias, das sociedades e das culturas –, vemos semeada a vocação a formar uma comunidade feita de irmãos que se acolhem mutuamente e cuidam uns dos outros. Contudo, ainda hoje, esta vocação é muitas vezes contrastada e negada nos factos, num mundo caracterizado pela «globalização da indiferença» que lentamente nos faz «habituar» ao sofrimento alheio, fechando-nos em nós mesmos.
Em muitas partes do mundo, parece não conhecer tréguas a grave lesão dos direitos humanos fundamentais, sobretudo dos direitos à vida e à liberdade de religião. Exemplo preocupante disso mesmo é o dramático fenómeno do tráfico de seres humanos, sobre cuja vida e desespero especulam pessoas sem escrúpulos. Às guerras feitas de confrontos armados juntam-se guerras menos visíveis, mas não menos cruéis, que se combatem nos campos económico e financeiro com meios igualmente demolidores de vidas, de famílias, de empresas.
A globalização, como afirmou Bento XVI, torna-nos vizinhos, mas não nos faz irmãos. As inúmeras situações de desigualdade, pobreza e injustiça indicam não só uma profunda carência de fraternidade, mas também a ausência duma cultura de solidariedade. As novas ideologias, caracterizadas por generalizado individualismo, egocentrismo e consumismo materialista, debilitam os laços sociais, alimentando aquela mentalidade do «descartável» que induz ao desprezo e abandono dos mais fracos, daqueles que são considerados «inúteis». Assim, a convivência humana assemelha-se sempre mais a um mero do ut des pragmático e egoísta.
Ao mesmo tempo, resulta claramente que as próprias éticas contemporâneas se mostram incapazes de produzir autênticos vínculos de fraternidade, porque uma fraternidade privada da referência a um Pai comum como seu fundamento último não consegue subsistir. Uma verdadeira fraternidade entre os homens supõe e exige uma paternidade transcendente. A partir do reconhecimento desta paternidade, consolida-se a fraternidade entre os homens, ou seja, aquele fazer-se «próximo» para cuidar do outro.

«Onde está o teu irmão?» (Gn 4, 9)
2. Para compreender melhor esta vocação do homem à fraternidade e para reconhecer de forma mais adequada os obstáculos que se interpõem à sua realização e identificar as vias para a superação dos mesmos, é fundamental deixar-se guiar pelo conhecimento do desígnio de Deus, tal como se apresenta de forma egrégia na Sagrada Escritura.
Segundo a narração das origens, todos os homens provêm dos mesmos pais, de Adão e Eva, casal criado por Deus à sua imagem e semelhança (cf. Gn 1, 26), do qual nascem Caim e Abel. Na história desta família primigénia, lemos a origem da sociedade, a evolução das relações entre as pessoas e os povos.
Abel é pastor, Caim agricultor. A sua identidade profunda e, conjuntamente, a sua vocação é ser irmãos, embora na diversidade da sua actividade e cultura, da sua maneira de se relacionarem com Deus e com a criação. Mas o assassinato de Abel por Caim atesta, tragicamente, a rejeição radical da vocação a ser irmãos. A sua história (cf. Gn 4, 1-16) põe em evidência o difícil dever, a que todos os homens são chamados, de viver juntos, cuidando uns dos outros. Caim, não aceitando a predilecção de Deus por Abel, que Lhe oferecia o melhor do seu rebanho – «o Senhor olhou com agrado para Abel e para a sua oferta, mas não olhou com agrado para Caim nem para a sua oferta» (Gn 4, 4-5) –, mata Abel por inveja. Desta forma, recusa reconhecer-se irmão, relacionar-se positivamente com ele, viver diante de Deus, assumindo as suas responsabilidades de cuidar e proteger o outro. À pergunta com que Deus interpela Caim – «onde está o teu irmão?» –, pedindo-lhe contas da sua acção, responde: «Não sei dele. Sou, porventura, guarda do meu irmão?» (Gn 4, 9). Depois – diz-nos o livro do Génesis –, «Caim afastou-se da presença do Senhor» (4, 16).
É preciso interrogar-se sobre os motivos profundos que induziram Caim a ignorar o vínculo de fraternidade e, simultaneamente, o vínculo de reciprocidade e comunhão que o ligavam ao seu irmão Abel. O próprio Deus denuncia e censura a Caim a sua contiguidade com o mal: «o pecado deitar-se-á à tua porta» (Gn 4, 7). Mas Caim recusa opor-se ao mal, e decide igualmente «lançar-se sobre o irmão» (Gn 4, 8), desprezando o projecto de Deus. Deste modo, frustra a sua vocação original para ser filho de Deus e viver a fraternidade.
A narração de Caim e Abel ensina que a humanidade traz inscrita em si mesma uma vocação à fraternidade, mas também a possibilidade dramática da sua traição. Disso mesmo dá testemunho o egoísmo diário, que está na base de muitas guerras e injustiças: na realidade, muitos homens e mulheres morrem pela mão de irmãos e irmãs que não sabem reconhecer-se como tais, isto é, como seres feitos para a reciprocidade, a comunhão e a doação.

«E vós sois todos irmãos» (Mt 23, 8)
3. Surge espontaneamente a pergunta: poderão um dia os homens e as mulheres deste mundo corresponder plenamente ao anseio de fraternidade, gravado neles por Deus Pai? Conseguirão, meramente com as suas forças, vencer a indiferença, o egoísmo e o ódio, aceitar as legítimas diferenças que caracterizam os irmãos e as irmãs?
Parafraseando as palavras do Senhor Jesus, poderemos sintetizar assim a resposta que Ele nos dá: dado que há um só Pai, que é Deus, vós sois todos irmãos (cf. Mt 23, 8-9). A raiz da fraternidade está contida na paternidade de Deus. Não se trata de uma paternidade genérica, indistinta e historicamente ineficaz, mas do amor pessoal, solícito e extraordinariamente concreto de Deus por cada um dos homens (cf. Mt 6, 25-30). Trata-se, por conseguinte, de uma paternidade eficazmente geradora de fraternidade, porque o amor de Deus, quando é acolhido, torna-se no mais admirável agente de transformação da vida e das relações com o outro, abrindo os seres humanos à solidariedade e à partilha activa.
Em particular, a fraternidade humana foi regenerada em e por Jesus Cristo, com a sua morte e ressurreição. A cruz é o «lugar» definitivo de fundação da fraternidade que os homens, por si sós, não são capazes de gerar. Jesus Cristo, que assumiu a natureza humana para a redimir, amando o Pai até à morte e morte de cruz (cf. Fl 2, 8), por meio da sua ressurreição constitui-nos como humanidade nova, em plena comunhão com a vontade de Deus, com o seu projecto, que inclui a realização plena da vocação à fraternidade.
Jesus retoma o projecto inicial do Pai, reconhecendo-Lhe a primazia sobre todas as coisas. Mas Cristo, com o seu abandono até à morte por amor do Pai, torna-Se princípio novo e definitivo de todos nós, chamados a reconhecer-nos n’Ele como irmãos, porque filhos do mesmo Pai. Ele é a própria Aliança, o espaço pessoal da reconciliação do homem com Deus e dos irmãos entre si. Na morte de Jesus na cruz, ficou superada também a separação entre os povos, entre o povo da Aliança e o povo dos Gentios, privado de esperança porque permanecera até então alheio aos pactos da Promessa. Como se lê na Carta aos Efésios, Jesus Cristo é Aquele que reconcilia em Si todos os homens. Ele é a paz, porque, dos dois povos, fez um só, derrubando o muro de separação que os dividia, ou seja, a inimizade. Criou em Si mesmo um só povo, um só homem novo, uma só humanidade nova (cf. 2,14-16).
Quem aceita a vida de Cristo e vive n’Ele, reconhece Deus como Pai e a Ele Se entrega totalmente, amando-O acima de todas as coisas. O homem reconciliado vê, em Deus, o Pai de todos e, consequentemente, é solicitado a viver uma fraternidade aberta a todos. Em Cristo, o outro é acolhido e amado como filho ou filha de Deus, como irmão ou irmã, e não como um estranho, menos ainda como um antagonista ou até um inimigo. Na família de Deus, onde todos são filhos dum mesmo Pai e, porque enxertados em Cristo, filhos no Filho, não há «vidas descartáveis». Todos gozam de igual e inviolável dignidade; todos são amados por Deus, todos foram resgatados pelo sangue de Cristo, que morreu na cruz e ressuscitou por cada um. Esta é a razão pela qual não se pode ficar indiferente perante a sorte dos irmãos.

A fraternidade, fundamento e caminho para a paz
4. Suposto isto, é fácil compreender que a fraternidade é fundamento e caminho para a paz. As Encíclicas sociais dos meus Predecessores oferecem uma ajuda valiosa neste sentido. Basta ver as definições de paz da Populorum progressio, de Paulo VI, ou da Sollicitudo rei socialis, de João Paulo II. Da primeira, apreendemos que o desenvolvimento integral dos povos é o novo nome da paz e, da segunda, que a paz é opus solidaritatis, fruto da solidariedade.
Paulo VI afirma que tanto as pessoas como as nações se devem encontrar num espírito de fraternidade. E explica: «Nesta compreensão e amizade mútuas, nesta comunhão sagrada, devemos (...) trabalhar juntos para construir o futuro comum da humanidade». Este dever recai primariamente sobre os mais favorecidos. As suas obrigações radicam-se na fraternidade humana e sobrenatural, apresentando-se sob um tríplice aspecto: o dever de solidariedade, que exige que as nações ricas ajudem as menos avançadas; o dever de justiça social, que requer a reformulação em termos mais correctos das relações defeituosas entre povos fortes e povos fracos; o dever de caridade universal, que implica a promoção de um mundo mais humano para todos, um mundo onde todos tenham qualquer coisa a dar e a receber, sem que o progresso de uns seja obstáculo ao desenvolvimento dos outros.
Ora, da mesma forma que se considera a paz como opus solidarietatis, é impossível não pensar que o seu fundamento principal seja a fraternidade. A paz, afirma João Paulo II, é um bem indivisível: ou é bem de todos, ou não o é de ninguém. Na realidade, a paz só pode ser conquistada e usufruída como melhor qualidade de vida e como desenvolvimento mais humano e sustentável, se estiver viva, em todos, «a determinação firme e perseverante de se empenhar pelo bem comum». Isto implica não deixar-se guiar pela «avidez do lucro» e pela «sede do poder». É preciso estar pronto a «“perder-se” em benefício do próximo em vez de o explorar, e a “servi-lo” em vez de o oprimir para proveito próprio (...). O “outro” – pessoa, povo ou nação – [não deve ser visto] como um instrumento qualquer, de que se explora, a baixo preço, a capacidade de trabalhar e a resistência física, para o abandonar quando já não serve; mas sim como um nosso “semelhante”, um “auxílio”». 
A solidariedade cristã pressupõe que o próximo seja amado não só como «um ser humano com os seus direitos e a sua igualdade fundamental em relação a todos os demais, mas [como] a imagem viva de Deus Pai, resgatada pelo sangue de Jesus Cristo e tornada objecto da acção permanente do Espírito Santo», como um irmão. «Então a consciência da paternidade comum de Deus, da fraternidade de todos os homens em Cristo, “filhos no Filho”, e da presença e da acção vivificante do Espírito Santo conferirá – lembra João Paulo II – ao nosso olhar sobre o mundo como que um novo critério para o interpretar», para o transformar.

A fraternidade, premissa para vencer a pobreza
5. Na Caritas in veritate, o meu Predecessor lembrava ao mundo que uma causa importante da pobreza é a falta de fraternidade entre os povos e entre os homens. Em muitas sociedades, sentimos uma profunda pobreza relacional, devido à carência de sólidas relações familiares e comunitárias; assistimos, preocupados, ao crescimento de diferentes tipos de carências, marginalização, solidão e de várias formas de dependência patológica. Uma tal pobreza só pode ser superada através da redescoberta e valorização de relações fraternas no seio das famílias e das comunidades, através da partilha das alegrias e tristezas, das dificuldades e sucessos presentes na vida das pessoas.
Além disso, se por um lado se verifica uma redução da pobreza absoluta, por outro não podemos deixar de reconhecer um grave aumento da pobreza relativa, isto é, de desigualdades entre pessoas e grupos que convivem numa região específica ou num determinado contexto histórico-cultural. Neste sentido, servem políticas eficazes que promovam o princípio da fraternidade, garantindo às pessoas – iguais na sua dignidade e nos seus direitos fundamentais – acesso aos «capitais», aos serviços, aos recursos educativos, sanitários e tecnológicos, para que cada uma delas tenha oportunidade de exprimir e realizar o seu projecto de vida e possa desenvolver-se plenamente como pessoa.
Reconhece-se haver necessidade também de políticas que sirvam para atenuar a excessiva desigualdade de rendimento. Não devemos esquecer o ensinamento da Igreja sobre a chamada hipoteca social, segundo a qual, se é lícito – como diz São Tomás de Aquino – e mesmo necessário que «o homem tenha a propriedade dos bens», quanto ao uso, porém, «não deve considerar as coisas exteriores que legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns, no sentido de que possam beneficiar não só a si mas também aos outros».
Por último, há uma forma de promover a fraternidade – e, assim, vencer a pobreza – que deve estar na base de todas as outras. É o desapego vivido por quem escolhe estilos de vida sóbrios e essenciais, por quem, partilhando as suas riquezas, consegue assim experimentar a comunhão fraterna com os outros. Isto é fundamental, para seguir Jesus Cristo e ser verdadeiramente cristão. É o caso não só das pessoas consagradas que professam voto de pobreza, mas também de muitas famílias e tantos cidadãos responsáveis que acreditam firmemente que a relação fraterna com o próximo constitua o bem mais precioso.

A redescoberta da fraternidade na economia
6. As graves crises financeiras e económicas dos nossos dias – que têm a sua origem no progressivo afastamento do homem de Deus e do próximo, com a ambição desmedida de bens materiais, por um lado, e o empobrecimento das relações interpessoais e comunitárias, por outro – impeliram muitas pessoas a buscar o bem-estar, a felicidade e a segurança no consumo e no lucro fora de toda a lógica duma economia saudável. Já, em 1979, o Papa João Paulo II alertava para a existência de «um real e perceptível perigo de que, enquanto progride enormemente o domínio do homem sobre o mundo das coisas, ele perca os fios essenciais deste seu domínio e, de diversas maneiras, submeta a elas a sua humanidade, e ele próprio se torne objecto de multiforme manipulação, se bem que muitas vezes não directamente perceptível; manipulação através de toda a organização da vida comunitária, mediante o sistema de produção e por meio de pressões dos meios de comunicação social».
As sucessivas crises económicas devem levar a repensar adequadamente os modelos de desenvolvimento económico e a mudar os estilos de vida. A crise actual, com pesadas consequências na vida das pessoas, pode ser também uma ocasião propícia para recuperar as virtudes da prudência, temperança, justiça e fortaleza. Elas podem ajudar-nos a superar os momentos difíceis e a redescobrir os laços fraternos que nos unem uns aos outros, com a confiança profunda de que o homem tem necessidade e é capaz de algo mais do que a maximização do próprio lucro individual. As referidas virtudes são necessárias sobretudo para construir e manter uma sociedade à medida da dignidade humana.

A fraternidade extingue a guerra
7. Ao longo do ano que termina, muitos irmãos e irmãs nossos continuaram a viver a experiência dilacerante da guerra, que constitui uma grave e profunda ferida infligida à fraternidade.
Há muitos conflitos que se consumam na indiferença geral. A todos aqueles que vivem em terras onde as armas impõem terror e destruição, asseguro a minha solidariedade pessoal e a de toda a Igreja. Esta última tem por missão levar o amor de Cristo também às vítimas indefesas das guerras esquecidas, através da oração pela paz, do serviço aos feridos, aos famintos, aos refugiados, aos deslocados e a quantos vivem no terror. De igual modo a Igreja levanta a sua voz para fazer chegar aos responsáveis o grito de dor desta humanidade atribulada e fazer cessar, juntamente com as hostilidades, todo o abuso e violação dos direitos fundamentais do homem.
Por este motivo, desejo dirigir um forte apelo a quantos semeiam violência e morte, com as armas: naquele que hoje considerais apenas um inimigo a abater, redescobri o vosso irmão e detende a vossa mão! Renunciai à via das armas e ide ao encontro do outro com o diálogo, o perdão e a reconciliação para reconstruir a justiça, a confiança e esperança ao vosso redor! «Nesta óptica, torna-se claro que, na vida dos povos, os conflitos armados constituem sempre a deliberada negação de qualquer concórdia internacional possível, originando divisões profundas e dilacerantes feridas que necessitam de muitos anos para se curarem. As guerras constituem a rejeição prática de se comprometer para alcançar aquelas grandes metas económicas e sociais que a comunidade internacional estabeleceu».
Mas, enquanto houver em circulação uma quantidade tão grande como a actual de armamentos, poder-se-á sempre encontrar novos pretextos para iniciar as hostilidades. Por isso, faço meu o apelo lançado pelos meus Predecessores a favor da não-proliferação das armas e do desarmamento por parte de todos, a começar pelo desarmamento nuclear e químico.
Não podemos, porém, deixar de constatar que os acordos internacionais e as leis nacionais, embora sendo necessários e altamente desejáveis, por si sós não bastam para preservar a humanidade do risco de conflitos armados. É precisa uma conversão do coração que permita a cada um reconhecer no outro um irmão do qual cuidar e com o qual trabalhar para, juntos, construírem uma vida em plenitude para todos. Este é o espírito que anima muitas das iniciativas da sociedade civil, incluindo as organizações religiosas, a favor da paz. Espero que o compromisso diário de todos continue a dar fruto e que se possa chegar também à efectiva aplicação, no direito internacional, do direito à paz como direito humano fundamental, pressuposto necessário para o exercício de todos os outros direitos.

A corrupção e o crime organizado contrastam a fraternidade
8. O horizonte da fraternidade apela ao crescimento em plenitude de todo o homem e mulher. As justas ambições duma pessoa, sobretudo se jovem, não devem ser frustradas nem lesadas; não se lhe deve roubar a esperança de podê-las realizar. A ambição, porém, não deve ser confundida com prevaricação; pelo contrário, é necessário competir na mútua estima (cf. Rm 12, 10). Mesmo nas disputas, que constituem um aspecto inevitável da vida, é preciso recordar-se sempre de que somos irmãos; por isso, é necessário educar e educar-se para não considerar o próximo como um inimigo nem um adversário a eliminar.
A fraternidade gera paz social, porque cria um equilíbrio entre liberdade e justiça, entre responsabilidade pessoal e solidariedade, entre bem dos indivíduos e bem comum. Uma comunidade política deve, portanto, agir de forma transparente e responsável para favorecer tudo isto. Os cidadãos devem sentir-se representados pelos poderes públicos, no respeito da sua liberdade. Em vez disso, muitas vezes, entre cidadão e instituições, interpõem-se interesses partidários que deformam essa relação, favorecendo a criação dum clima perene de conflito.
Um autêntico espírito de fraternidade vence o egoísmo individual, que contrasta a possibilidade das pessoas viverem em liberdade e harmonia entre si. Tal egoísmo desenvolve-se, socialmente, quer nas muitas formas de corrupção que hoje se difunde de maneira capilar, quer na formação de organizações criminosas – desde os pequenos grupos até àqueles organizados à escala global – que, minando profundamente a legalidade e a justiça, ferem no coração a dignidade da pessoa. Estas organizações ofendem gravemente a Deus, prejudicam os irmãos e lesam a criação, revestindo-se duma gravidade ainda maior se têm conotações religiosas.
Penso no drama dilacerante da droga com a qual se lucra desafiando leis morais e civis, na devastação dos recursos naturais e na poluição em curso, na tragédia da exploração do trabalho; penso nos tráficos ilícitos de dinheiro como também na especulação financeira que, muitas vezes, assume caracteres predadores e nocivos para inteiros sistemas económicos e sociais, lançando na pobreza milhões de homens e mulheres; penso na prostituição que diariamente ceifa vítimas inocentes, sobretudo entre os mais jovens, roubando-lhes o futuro; penso no abomínio do tráfico de seres humanos, nos crimes e abusos contra menores, na escravidão que ainda espalha o seu horror em muitas partes do mundo, na tragédia frequentemente ignorada dos emigrantes sobre quem se especula indignamente na ilegalidade. A este respeito escreveu João XXIII: «Uma convivência baseada unicamente em relações de força nada tem de humano: nela vêem as pessoas coarctada a própria liberdade, quando, pelo contrário, deveriam ser postas em condição tal que se sentissem estimuladas a procurar o próprio desenvolvimento e aperfeiçoamento». Mas o homem pode converter-se, e não se deve jamais desesperar da possibilidade de mudar de vida. Gostaria que isto fosse uma mensagem de confiança para todos, mesmo para aqueles que cometeram crimes hediondos, porque Deus não quer a morte do pecador, mas que se converta e viva (cf. Ez 18, 23).
No contexto alargado da sociabilidade humana, considerando o delito e a pena, penso também nas condições desumanas de muitos estabelecimentos prisionais, onde frequentemente o preso acaba reduzido a um estado sub-humano, violado na sua dignidade de homem e sufocado também em toda a vontade e expressão de resgate. A Igreja faz muito em todas estas áreas, a maior parte das vezes sem rumor. Exorto e encorajo a fazer ainda mais, na esperança de que tais acções desencadeadas por tantos homens e mulheres corajosos possam cada vez mais ser sustentadas, leal e honestamente, também pelos poderes civis.

A fraternidade ajuda a guardar e cultivar a natureza
9. A família humana recebeu, do Criador, um dom em comum: a natureza. A visão cristã da criação apresenta um juízo positivo sobre a licitude das intervenções na natureza para dela tirar benefício, contanto que se actue responsavelmente, isto é, reconhecendo aquela «gramática» que está inscrita nela e utilizando, com sabedoria, os recursos para proveito de todos, respeitando a beleza, a finalidade e a utilidade dos diferentes seres vivos e a sua função no ecossistema. Em suma, a natureza está à nossa disposição, mas somos chamados a administrá-la responsavelmente. Em vez disso, muitas vezes deixamo-nos guiar pela ganância, pela soberba de dominar, possuir, manipular, desfrutar; não guardamos a natureza, não a respeitamos, nem a consideramos como um dom gratuito de que devemos cuidar e colocar ao serviço dos irmãos, incluindo as gerações futuras.
De modo particular o sector produtivo primário, o sector agrícola, tem a vocação vital de cultivar e guardar os recursos naturais para alimentar a humanidade. A propósito, a persistente vergonha da fome no mundo leva-me a partilhar convosco esta pergunta: De que modo usamos os recursos da terra? As sociedades actuais devem reflectir sobre a hierarquia das prioridades no destino da produção. De facto, é um dever impelente que se utilizem de tal modo os recursos da terra, que todos se vejam livres da fome. As iniciativas e as soluções possíveis são muitas, e não se limitam ao aumento da produção. É mais que sabido que a produção actual é suficiente, e todavia há milhões de pessoas que sofrem e morrem de fome, o que constitui um verdadeiro escândalo. Por isso, é necessário encontrar o modo para que todos possam beneficiar dos frutos da terra, não só para evitar que se alargue o fosso entre aqueles que têm mais e os que devem contentar-se com as migalhas, mas também e sobretudo por uma exigência de justiça e equidade e de respeito por cada ser humano. Neste sentido, gostaria de lembrar a todos o necessário destino universal dos bens, que é um dos princípios fulcrais da doutrina social da Igreja. O respeito deste princípio é a condição essencial para permitir um acesso real e equitativo aos bens essenciais e primários de que todo o homem precisa e tem direito.

Conclusão
10. Há necessidade que a fraternidade seja descoberta, amada, experimentada, anunciada e testemunhada; mas só o amor dado por Deus é que nos permite acolher e viver plenamente a fraternidade.
O necessário realismo da política e da economia não pode reduzir-se a um tecnicismo sem ideal, que ignora a dimensão transcendente do homem. Quando falta esta abertura a Deus, toda a actividade humana se torna mais pobre, e as pessoas são reduzidas a objecto passível de exploração. Somente se a política e a economia aceitarem mover-se no amplo espaço assegurado por esta abertura Àquele que ama todo o homem e mulher, é que conseguirão estruturar-se com base num verdadeiro espírito de caridade fraterna e poderão ser instrumento eficaz de desenvolvimento humano integral e de paz.
Nós, cristãos, acreditamos que, na Igreja, somos membros uns dos outros e todos mutuamente necessários, porque a cada um de nós foi dada uma graça, segundo a medida do dom de Cristo, para utilidade comum (cf. Ef 4, 7.25; 1 Cor 12, 7). Cristo veio ao mundo para nos trazer a graça divina, isto é, a possibilidade de participar na sua vida. Isto implica tecer um relacionamento fraterno, caracterizado pela reciprocidade, o perdão, o dom total de si mesmo, segundo a grandeza e a profundidade do amor de Deus, oferecido à humanidade por Aquele que, crucificado e ressuscitado, atrai todos a Si: «Dou-vos um novo mandamento: que vos ameis uns aos outros; que vos ameis uns aos outros assim como Eu vos amei. Por isto é que todos conhecerão que sois meus discípulos: se vos amardes uns aos outros» (Jo 13, 34-35). Esta é a boa nova que requer, de cada um, um passo mais, um exercício perene de empatia, de escuta do sofrimento e da esperança do outro, mesmo do que está mais distante de mim, encaminhando-se pela estrada exigente daquele amor que sabe doar-se e gastar-se gratuitamente pelo bem de cada irmão e irmã.
Cristo abraça todo o ser humano e deseja que ninguém se perca. «Deus não enviou o seu Filho ao mundo para condenar o mundo, mas para que o mundo seja salvo por Ele» (Jo 3, 17). Fá-lo sem oprimir, sem forçar ninguém a abrir-Lhe as portas do coração e da mente. «O que for maior entre vós seja como o menor, e aquele que mandar, como aquele que serve – diz Jesus Cristo –. Eu estou no meio de vós como aquele que serve» (Lc 22, 26-27). Deste modo, cada actividade deve ser caracterizada por uma atitude de serviço às pessoas, incluindo as mais distantes e desconhecidas. O serviço é a alma da fraternidade que edifica a paz.
Que Maria, a Mãe de Jesus, nos ajude a compreender e a viver todos os dias a fraternidade que jorra do coração do seu Filho, para levar a paz a todo o homem que vive nesta nossa amada terra.

Vaticano, 8 de Dezembro de 2013.


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PREMISSA À ANÁLISE DE CONJUNTURA

Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS

São inúmeras as análises de conjuntura: anuais, mensais, semanais e até diárias... Tão variadas quanto os diferentes pontos de vista de quem as elabora e divulga. Nisso reside, ao mesmo tempo, uma riqueza e um limite. Enquanto a riqueza está no pluralismo das visões de mundo e dos enfoques adotados, o limite pode ser um relativismo onde tudo se nivela pela mesma medida. As múltiplas análises que desfilam pelos seminários, assembleias, encontros, cursos e reuniões, por um lado, ou que navegam diariamente pelo espaço virtual da Internet, por outro, são permeadas por essa ambiguidade. Querendo ou não, toda a tentativa de análise tem os pés no solo mutável e movediço da história, trazendo nas solas dos sapatos suas marcas, sejam estas pútridas ou sublimes. De fato, não é novidade que a história percorre seu curso sempre dilacerada por novas perguntas e respostas, por dúvidas e incongruências, por combates, contradições e jogos de interesse. Nem precisaria lembrar que a cabeça pensa a partir do que pisam os pés. Ou a partir do “lugar social” em que vivemos, trabalhamos e nos relacionamos.
Do parágrafo anterior resulta a consciência de que a neutralidade é uma farsa ou um mito. No substrato de toda forma de pensamento, ou de toda maneira de expressão, esconde-se um ponto de vista, o qual, de acordo com Leonardo Boff, “não passa da vista de um ponto”. O problema está justamente na fórmula esconde-se. Quando esse substrato se faz consciente e auto-reconhecido, abrindo-se à transparência do conteúdo e dos argumentos abordados, torna-se igualmente possível um diáogo entre as distintas formas de ver o mundo, os acontecimentos e a história. Mas, inversamente, quando prevalece a ideia da neutralidade, permanecendo ocultos o ponto de partida e a posição social e política, desenvolve-se necessariamente a pretensão da verdade absluta. Consciente ou inconscientemente, consolida-se a base para a tirania do “pensamento único” (tanto à esquerda quanto á direita), ou pior ainda, para o autoritarismo intelectual ou fundamentalismo que pode ser de ordem política, religiosa ou étnico-cultural (às vezes, tudo isso misturado). Além disso, a pressuposição da neutralidade, por ignorância ou má fé, presta-se às mais diferentes manipulações, como ocorre com os “ingênuos úteis”.
1.    Binômio crise/encruzilhada
Diante de semelhante ambiguidade no esforço de esclarecer a realidade dos fatos e boatos, tomo emprestado de J. Moltman uma observação que pode contribuir para uma análise mais real e menos ingênua dos acontecimentos (Cfr. Telogia da Esperança). Ou então, para balancear de forma mais correta a dose de pessimismo e otimismo de qualquer forma de visão social ou histórica. Diz o teólogo protestante alemão: “A palavra ‘crise’ mede o evento novo e incompreendido sobre a base da ordem tradicional da vida humana, que agora entrou em crise e encontra-se ameaçada, e por isso deve ser salva, conservada ou renovada. A expressão ‘crise’ refere-se sempre à ordem. A ‘crise’ põe em questão a ordem e, portanto, pode ser dominada somente mediante uma nova ordem”. Se entendemos bem as palavras do autor, no fundo implícito ou explícito do conceito de “crise” pode esconder-se um medo que paralisa toda e qualquer ação. Mais grave ainda, pode ativar uma reação retrógrada, no sentido de recuperar a todo custo um status quo perdido ou ameaçado. Entra em cena uma espécie de saudosismo do “paraíso perdido” que bloqueia o movimento em vista de mudanças urgentes e necessárias. Ao invés de um novo horizonte a ser conquistado, a concepção de crise pode desencadear um passo atrás na tentativa de manter tudo como está.
Neste perído de festas e de passagem de ano (2013-2014), quando as análises costumam tornar-se simultaneamente mais ambrangentes e mais numerosas, talvez seja útil introduzir aqui o binômio crise/encruzilhada, tendo presente a tensão dinâmica e dialética entre os dois termos. Reporto-me, evidentemente, a citação anterior de Moltman. Enquanto o conceito de crise supõe o rompimento de uma ordem e a necessidade de restabelecê-la o mais rápido possível, ou um esdtado de coisas a ser conservado custe o que custar, o conceito de encruzilhada pressupõe a existência de vários caminhos e, portanto, a possibilidade de escolha em vista de uma ação renovada, libertadora, transformadora. No primeiro caso, a história tende a fechar-se sobre si mesma, numa compreensão cíclica e repetitiva (círculo vicioso); no segundo, seu horizonte permanece aberto às novas potencialidades que estão em jogo. Exige uma tomada de posição, uma opção que sempre pode acolher novas perspectivas direcionadas a um fim.
Na concepção de história como crise, o “novo” é sempre um perigo a ser exorcizado, ao passo que na concepção de história como encruzilhada o “novo” traz embutida uma oportunidade de avanço, rompendo com os padrões tirânicos e catastróficos da mesmice. Esta mesmice compõe-se, não raro, de injustiça e desigualdade, opressão e exploração. Numa palavra, concentração de renda, riqueza e poder e, ao mesmo tempo, pobreza, misérie, fome e exclusão social. Por isso, enquanto a visão que tem como pano de fundo a noção de crise tende a ser conservadora, o conceito de encruzilhada tem como perspectiva desencadear ações revolucionárias, abrindo novas veredas no grande sertão da história – parafraseando a obra de Guimarães Rosa.
Deixemos, uma vez mas, a papalvra a Moltman: “O fato que este evento visto como ‘crise’ possua, por outro lado, também o ‘novo’ é um fato que permanece ignorado. A filosofia da história que assume o aspecto de filosofia da crise tem, portanto, um caráter sempre conservador”. A crise, pessoal, social ou macro-histórica, é o momento do pranto e do lamento. A dor e as lágrimas nos deixam cegos, mudos e surdos a tudo e a todos. Instala-se uma forte tendência ao isolamento, ao fechamento sobre si mesmo. Tornamo-nos como caramujos que, ameaçados e sem forças para reagir, nos escondemos no próprio casulo; ou como a avestruz que, segundo a lenda, na hora do perigo enterra a cabeça na areia. Em ambos os casos, o risco desperta a reação de proteger-se naquilo que já é familiar, conhecido. Nada de aventuras.
2.    “Levanta-te, come e anda porque o caminho é longo”
Mas, como bem o sabemos, toda crise é ambígua, cheia de labirintos ignotos, entrelaçados e inextrincáveis. Por uma parte, devido ao temor do desconhecido, pode levar ao colo da mãe, ao berço aconchegante da infância, ao saudosismo do status quo, ao choro inconsolável e, portanto, ao conservadorismo – comportamento que representa o lado negativo da crise. Por outra parte, porém, a mesma crise é capaz de nos desafiar, levando-nos a encarar novidades da fronteira, justamente na linha da auto-superação, nma atitude de reação inovadora e não reacionária – o que significa o lado positivo da mesma. Se é verdade que toda crise pode nos conduzir ao berço e, no limite extremo, ao anulamento e à vontade de retornar ao seio materno, como nos exemplos dos profetas Geremias e Jonas (neste último, simbolizado pelo retorno ao ventre o peixe), também é certo que ela conduz boa parte das pessoas aos desafios da encruzilhada, como o profeta Elias que, após uma crise, “sentou-se debaixo de uma árvore e desejou a morte (...). Mas o anjo do Senhor o tocou e disse: ‘levanta-te, come e anda porque o caminho é longo” (1Rs 19, 4-8).
O “anjo do Senhor” pode ser um familiar, um amigo do peito, um companheiro de caminhada, uma pessoa com mais experiência ou, pura e simplesmente, o impacto da realidade nua e crua, onde milhões de pessoas continuam desfiguradas e crucificadas, à margem da vida e da história. Quantas vezes, à beira do abismo, sós e isolados, ou às vésperas de abandonar tudo e desistir da luta, sentimos um toque no ombro e uma voz que nos sussurra: “Força e coragem, levanta a cabeça! Muita gente espera por você, em frente!”. Faz lembrar a canção do grupo Noite Ilustrada: “Levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”. Nos dias de hoje, em que os deslocamentos humanos de massa se tornaram um fenômeno estrutural, não seria difícil imaginar semelhante reviravolta, de natureza positiva, na tragetória turbulenta e adversa dos migrantes, prófugos, refugiados, exilados, perseguidos, itinerantes – quando o pesadelo da fuga se converte numa peregrinação em busca de cidadania e pátria.
Num resumo um pouco simplista, podemos afirmar que toda a crise costuma levar-nos ao berço, deixando aí os fracos e desafiando os fortes a tomar novas decisões. Neste caso, a crise torna-se fecunda; fértil, o árido deserto; o tronco ressequido, engendra brotos vocejantes; a brasa, antes apagada, ressurge viva das cinzas; sobre as ruínas e escombros, ergue-se um novo edifício... Surge uma luz inesperada no fim do túnel. Retornando ao nosso binômio, a crise pode sim converter-se em encruzilhada! Isso ocorre quanto cessa o lamento, saímos à rua, enxugamos as lágrimas, levantamos a cabeça e... nos defrontamos com um cruzamento múltiplo e variado de caminhos e oportunidades. Então damo-nos conta que o momento crítico não representou o “fim do mundo”, mas apenas uma fase difícil da travessia. E damo-nos conta, sobretudo, que várias outras potencialidades estão em jogo.
“Deus fecha uma porta e abre uma janela”, diz com razão o ditado popular.Temos a possibilidade de escolha. As estradas se bifurcam e, diante de nossos olhos, apresenta-se a extraordináia capacidade de optar. Antes tudo parecia escuro, o choro tolhia nossa vista; agora o sol volta a brilhar e a nova aurora aponta uma série de horizontes. De cabeça erguida, analisando as novas circunstâncias posteriores à crise, somos capazes de tomar a vereda que nos parece mais adequada. O pranto, a mágoa e o lamento impediam o raciocínio, agora podemos ver claro e fazer a escolha histórica mais correta. Longe de atemorizar, o “novo” desperta novas energias, pesa e avalia potencialidades até então ocultas e inéditas.
Por isso é que, para finalizar, qualquer análise em meio a uma devastadora tempestade tende a carregar as tintas do pessimismo, da mesma forma que a euforia desenfreada acentua o lado otimista. Diante das turbulência do terremoto e das ondas gigantes, nossa frágil embarcação se debate como casca de noz. Nada vemos, nada ouvimos, não sabemos o que falar, inteiramente tomados pelo perigo do naufrágio. Toda e qualquer tentativa não passa de braçadas de náufragos em meio ao desespero. A escuridão e o mar bravio escondem a visão do porto e do farol, as estrelas se apagaram no céu. A crise se faz viva e ameaçadora: não é o momento adequado para decidir o rumo a ser tomado. Passada a tempestade, porém, acalmadas as águas, com espírito mais sereno e sem a euforia de um entusiasmo fácil e descabido... apresenta-se a encruzilhada. Agora, sim, é possível enxergar mais longe. O farol e o porto podem ser vislumbrados à distãncia. O tempo se faz maduro para uma decisão.

Roma, Itália, 26 de dezembro de 2013

segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

Imigrantes africanos protestam por direitos humanos em Israel

Munidos de velas e cartazes, imigrantes africanos em Israel foram às ruas da capital Tel Aviv, neste sábado (28), para protestar contra ações do governo que os têm confinado em centros penitenciários. (Foto: Oren Ziv/France Presse)
Os imigrantes pedem que o governo conceda a eles o status de refugiado.
Enquanto isso, são abrigados em centro penitenciários.

Imigrantes africanos em Israel foram às ruas da capital Tel Aviv, neste sábado (28), para protestar contra ações do governo que os têm confinado em centros penitenciários e para terem respeitados os direitos humanos.
Em um protesto pacífico, milhares seguram velas e ostentaram cartazes pedidno liberdade. Cerca de 60 mil imigrantes africanos vivem em Israel sem o status de refugiado. Eles são abrigados em centros de detenção, devido a uma lei que passou no parlamento do país nesse mês.
Essas medidas classificam os imigrantes como causadores de "dano ao tecido social e à segurança israelenses". Enquanto esses imigrantes argumentam que apenas desejam asilo e um refúgio seguro, o governo de Israel os considera concorrentes aos mesmos empregos ocupados pelos  cidadãos israelenses.

G1

Sentencia sobre garantías en procedimientos de solicitud de estatuto de refugiados y en procedimientos de expulsión de migrantes

Comunicado de prensa emitido por la Corte Interamericana de Derechos Humanos:
Sentencia sobre garantías en procedimientos de solicitud de estatuto de refugiados y en procedimientos de expulsión de migrantes (Caso Familia Pacheco Tineo Vs. Bolivia)
San José, Costa Rica, 24 de diciembre de 2013.- La Corte Interamericana de Derechos Humanos notificó el día de ayer la Sentencia de 25 de noviembre de 2013 sobre Excepciones Preliminares, Fondo, Reparaciones y Costas en el caso Familia Pacheco Tineo Vs. Estado Plurinacional de Bolivia, sometido a la jurisdicción de la Corte por la Comisión Interamericana de Derechos Humanos el 21 de febrero de 2012. El texto íntegro de la Sentencia y el resumen oficial de la misma pueden consultarse en el siguiente enlace: www.corteidh.or.cr/casos.cfm.
El caso se relaciona con la expulsión de los miembros de la familia Pacheco Tineo de Bolivia, quienes habían ingresado a este Estado el 19 de febrero de 2001. Los hechos relevantes en este caso ocurrieron entre esa fecha y el 24 de febrero siguiente, días en los cuales las víctimas estuvieron en Bolivia en condición de migrantes en situación irregular y de solicitantes de reconocimiento del estatuto de refugiados. En ese lapso, autoridades migratorias realizaron gestiones administrativas dirigidas a su expulsión y decidieron que no considerarían su solicitud de asilo, luego de lo cual los expulsaron a su país de origen.
La Corte constató, por un lado, que el 21 de febrero de 2001 la Comisión Nacional del Refugiado (CONARE) determinó sumariamente que no consideraría la solicitud de determinación del estatuto de refugiado presentada por las víctimas, a quienes no dio audiencia ni oportunidad de expresar las razones de su solicitud. En este caso, el Estado tenía un deber especial de cautela, diligencia y precaución en la tramitación de la solicitud, en particular porque tenía información de que los solicitantes ya tendrían reconocida la condición de refugiados o residentes en un tercer Estado. Tal decisión no les fue notificada, lo cual les impidió conocer de su contenido y, en su caso, recurrir contra la misma.
Por otro lado, en relación con el procedimiento administrativo de expulsión por parte de autoridades del Servicio Nacional de Migraciones boliviano (SENAMIG), las víctimas no fueron formalmente notificadas de la apertura del mismo bajo el Régimen Legal de Migración. Así, la determinación de la procedencia de la expulsión fue de carácter sumario, sin darles audiencia y realizada dentro de un plazo irrazonablemente corto, sin valoración alguna sobre el país al cual correspondía trasladarlos. A pesar de que las autoridades migratorias bolivianas conocían que los miembros de la familia Pacheco Tineo contarían con reconocimiento del estatuto de refugiados o residentes en un tercer Estado, y con la posibilidad efectiva de ser trasladados a éste, la resolución de expulsión fue ejecutada inmediatamente y no les fue notificada, por lo que tampoco pudieron interponer los recursos administrativos y/o judiciales aplicables.
La Corte concluyó que la expulsión al país de origen de los miembros de la familia Pacheco Tineo resultó incompatible con el derecho de buscar y recibir asilo y con el principio de no devolución, reconocidos en los artículos 22.7 y 22.8 de la Convención Americana, así como con el derecho a ser oído con las debidas garantías en dichos procedimientos administrativos, en los términos del artículo 8 de la Convención Americana, y con el derecho a recurrir, en violación del derecho a la protección judicial, reconocido en el artículo 25 de la Convención.
Además, la Corte concluyó que, en esas circunstancias, y además por la retención de su documentación,
la detención ilegal y arbitraria de la señora Tineo Godos, la situación de grave incertidumbre y preocupación y la falta de información respecto de sus trámites, el Estado violó la integridad psíquica y moral de los miembros de la familia Pacheco Tineo, en los términos del artículo 5.1 de la Convención.
Por último, al constatar que los niños de la Familia Pacheco fueron expulsados junto con sus padres sin haber sido escuchados o considerados por las autoridades en esos procedimientos, en respeto de las garantías del debido proceso, la Corte concluyó que el Estado es responsable por la violación del derecho a la protección de los niños y de la familia, reconocidos en los artículos 19 y 17 de la Convención Americana, en perjuicio de los entonces niñas y niño Pacheco Tineo.
Por otra parte, la Corte estimó que el Estado no era responsable por la alegada violación del derecho a la integridad física, reconocido en el artículo 5.2 de la Convención Americana y que no correspondía analizar los hechos del caso bajo los artículos 9 y 2 de la Convención Americana.
En cuanto a las reparaciones ordenadas, la Corte estableció que su Sentencia constituye per se una forma de reparación y, adicionalmente, ordenó al Estado: i) publicar el resumen oficial de la Sentencia elaborado por la Corte en el diario oficial y en un diario de amplia circulación nacional, y mantener la Sentencia en su integridad disponible por un período de un año en un sitio web oficial; ii) implementar programas permanentes de capacitación dirigidos a los funcionarios de la Dirección Nacional de Migración y Comisión Nacional de Refugiados, así como a otros funcionarios que en razón de sus funciones tengan contacto con personas migrantes o solicitantes de asilo; iii) pagar a las víctimas una indemnización como compensación por daños materiales e inmateriales ocasionados.
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La Corte Interamericana de Derechos Humanos supervisará el cumplimiento íntegro de la Sentencia y dará por concluido el caso una vez que el Estado haya dado cabal cumplimiento a lo dispuesto en la Sentencia.
El texto íntegro de la Sentencia y el resumen oficial de la misma pueden consultarse en el siguiente enlace: www.corteidh.or.cr/casos.cfm.
La composición de la Corte para la emisión de esta Sentencia fue la siguiente: Diego García- Sayán, Presidente; Manuel E. Ventura Robles, Vicepresidente; Alberto Pérez Pérez, Juez; Eduardo Vio Grossi, Juez; Roberto de Figueiredo Caldas, Juez; Humberto Antonio Sierra Porto, Juez, y Eduardo Ferrer Mac-Gregor Poisot, Juez. Presentes, además, el Secretario del Tribunal Pablo Saavedra Alessandri y la Secretaria Adjunta Emilia Segares Rodríguez.
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Para mayor información favor de dirigirse a la página de la Corte Interamericanacorteidh.or.cr/index.cfm o envíe un correo dirigido a Pablo Saavedra Alessandri, Secretario a corteidh@corteidh.or.cr
(1) El contenido de este comunicado es responsabilidad de la Secretaría de la Corte Interamericana. El texto oficial de los documentos reseñados puede obtenerse por solicitud escrita dirigida a la Secretaría, en la dirección adjunta.
Enlace al documento original:
www.corteidh.or.cr/docs/comunicados/cp_30_13_esp.pdf [PDF]

Corte Interamericana de Derechos Humanos

sábado, 28 de dezembro de 2013

Cresce número de adolescentes refugiados no Brasil

Entre janeiro e novembro deste ano, a Cáritas Arquidiocesana — , entidade que faz triagem e encaminhamento dos estrangeiros que fogem de perseguições ou guerras — registrou pouco mais de 2,7 mil pedidos de refúgios ao Brasil, feito por pessoas de pelo menos 60 nacionalidades. Entre os pedidos, chamam a atenção o crescente número de estrangeiros menores de 18 anos que chegam ao Brasil desacompanhados em busca de refúgio.
No estado de São Paulo, o número quase triplicou entre 2012 e este ano, saltando de oito para 21 casos, segundo o Centro de Acolhida para Refugiados da Cáritas. A maioria dos que viajam sem os pais ou responsáveis são rapazes com idade entre 15 e 17 anos, segundo informações da colunista Mônica Bergamo, do jornal Folha de S.Paulo.
"Esses menores chegam muito vulneráveis. Ficam sujeitos a todo tipo de exploração", diz Larissa Leite, do setor de relações externas da Cáritas. Os adolescentes são enviados pela Justiça para abrigos ou para a casa de um guardião voluntário.
Dos mais de 2,7 mil pedidos, 55% partiram de haitianos. Bangladesh, Nigéria, Senegal e Congo também aparecem entre os líderes de emissão de imigrantes. Outras 500 pessoas estão na fila para iniciar os processos em SP, Estado que concentra a metade dos pedidos e onde há atualmente o maior número de refugiados no Brasil.
A mudança no cenário internacional e os conflitos entre os países geram o deslocamento forçado de pessoas que pedem refúgio em outros país. O agravamento da crise em países como a Síria e a República Democrática do Congo e, de outro lado, a superação da guerra civil em Angola e na Libéria são exemplos dessas mudanças.
Um relatório da Agência da ONU para Refugiados (Acnur) indica que o nível de deslocamento forçado em 2013 será um dos maiores da história. O relatório — clique aqui para ler — revela que 5,9 milhões de pessoas foram forçadas a abandonar suas casas nos primeiros seis meses deste ano, o que significa 77% do total de 7,6 milhões em todo o ano de 2012.
O conflito na Síria foi o evento que mais produziu novos deslocamentos no primeiro semestre de 2013. De acordo com este relatório, nos primeiros seis meses deste ano o Brasil recebeu cerca de 4,3 mil refugiados.
 Assessoria de Imprensa da Acnur e da Cáritas.


Cerca de 47 mil migrantes han muerto durante su paso por México

Según cifras no oficiales dadas a conocer por el Instituto para las Mujeres en la Migración (Imumi), en los pasados seis años murieron 47 mil emigrantes durante su paso por ese país.
En los últimos seis años, 47 mil emigrantes han perdido la vida durante su paso por México con rumbo a Estados Unidos. La alarmante cifra fue dado a conocer por el  Instituto para las Mujeres en la Migración (Imumi) de México.
Del total de víctimas, unos ocho mil 800 permanecen sin ser identificados.
El sacerdote Alejandro Solalinde, director del albergue para emigrantes Hermanos en el Camino, con sede en Oaxaca, expresó que al menos 10 mil emigrantes centroamericanos se encuentran desaparecidos, aunque otras estimaciones elevan esta cantidad hasta los 70 mil.
“Debo aclarar el término sobre lo que ocurre con los migrantes en México, el término preciso no sería 'exterminio', sino 'holocausto', porque para ser una población migrante y estar aquí, están expuestos a todo de principio a fin. Desde que salen de sus países de origen hay violencia. Tenemos cientos de miles de extorsionados, cuántas mujeres no han sido violadas, cuántas mujeres no han sido tratadas, cuántos personas no sabemos de ellas. Si todo esto no es un holocausto, yo no sé entonces qué sea”, aseguró el pasado 18 de diciembre el padre Alejandro Solalinde durante los actos conmemorativos por el Día Internacional del Migrante, reseñó RT.
Un trabajo especial publicado por el portal web jornada.unam.mx, reseñó que la lista de hechos de violencia contra las personas en tránsito es extensa: Secuestros, tortura, amenazas a defensores (albergues) y trata de personas (prostitución forzada dentro del esquema de tráfico y secuestro), entre otros delitos.
El Instituto destacó que las estadísticas oficiales de las autoridades mexicanas no existen. Sin embargo, destacaron que en cuanto a las víctimas de los secuestros, la cifra gubernamental sí figuró en varios informes, que documenta solamente los casos de 393 migrantes. Los especialistas atribuyen una tasa tan baja a los riesgos que implica la denuncia para los migrantes.
Jorge A. Bustamante, fundador del Colegio de la Frontera Norte, advirtió que el Estado mexicano no ha reaccionado ante el fenómeno migratorio.
El también relator especial de la ONU para los derechos humanos de los migrantes en el período 2005-2011, agregó que adjudicar la violencia solo al crimen organizado, como lo hacia el anterior gobierno, es una concepción falsa y equivocada.
El expresidente Felipe Calderón decía que la violencia contra los migrantes era causada por el crimen organizado; uno de sus secretarios de Gobernación (Francisco Blake) terminó enfatizando que la violencia hacia los migrantes provenía únicamente del crimen, reseñó La Jornada.
Historias del horror
La información publicada en la Jornada, cuenta las historias de varios migrantes y los riesgos que tienen que asumir mientras permanecen en tránsito.
José, un hombre de origen afrohondureño, después de 28 días de haber salido de su país llegó a la Casa del Migrante en Tijuana. En su recorrido por México fue extorsionado, golpeado y engañado.
Busca la manera de cruzar, pero no tiene dinero. Alguien ahí mismo en el albergue le aconsejó que tomara la línea y se hiciera pasar por gringo. Su piel es negra y confiaba en que si decía que lo golpearon y que no se acordaba ni de su nombre lo dejarían pasar. Ya luego, en la inspección, buscaría escapar. El problema es que no sabe nada de inglés.
Pero la agonía de estos peregrinos no culmina cuando al fin logran cruzar la fortificada frontera de Estados Unidos, que incluye un muro divisorio y una poderosa patrulla militar, auxiliada con equipos sofisticados de persecución. A partir de ahí tienen que enfrentar nuevas amenazas.
Según Prensa Latina, los viajeros son víctimas del inhóspito desierto; de la felonía de contrabandistas de personas (los conocidos como coyotes y polleros); de la violencia de otros grupos criminales y xenófobos; así como de la guardia fronteriza.
Imumi es una organización civil que promueve los derechos de las mujeres en la migración, ya sea estén en tránsito a través del territorio mexicano o residan en México o en los Estados Unidos.
TeleSUR-RT- PL- La Jornada/ao - FC


sexta-feira, 27 de dezembro de 2013

Italia : Aldeia na Calábria sobrevive graças a imigrantes

Há mais de uma década, a cidade de Riace encontrou um simbiose perfeita com os imigrantes da África e Ásia. Rechaçados e vistos como ameaça pelo resto da Europa, os “homens vindos do mar” salvaram o povoado da extinção.
O sol mal se levantou, e a equipe de lixeiros ecológico-tradicional já atravessa as ruas estreitas de Riace, na costa Sul da Itália: dois homens e sua carroça puxada a jumento. Quebrando a tradição, contudo, só um deles é italiano.
Cerca de mil anos atrás, os ancestrais de Romano fundaram o lugarejo na Calábria nas colinas, a cerca de oito quilômetros do mar, para se protegerem dos ataques dos piratas. O homem que acompanha Romano é um imigrante, Daniel. Ele é , como se diz aqui na região, um “homem do mar” assim como eram chamados os piratas antigamente.
Dupla sorte para refugiados
Para muitos italianos, gente como o auxiliar de lixeiro continua representando uma ameaça. Numa outra aldeia calabresa, houve choques entre os antigos moradores e os trabalhadores imigrados. Mas Riace é diferente: de seus menos de 1.700 habitantes, 300 são “gente do mar”.
Na verdade, Daniel vem de Gana. Cinco anos atrás, ele desembarcou em Lampedusa, a ilha mais meridional da Itália. “Três dias e três noites nós ficamos num barco. Um risco tremendo, de que nós escapamos. Mas, o que se podia fazer? A gente tinha que vir. E se você sobrevive, sobreviveu.”
O imigrante de 32 anos sabe que teve sorte de conseguir chegar vivo a Lampedusa. E mais sorte ainda que exista um lugar como Riace. Enquanto o resto da Europa se defende dos refugiados com cercas e polícia de fronteiras, esta localidade os acolhe, quer apoiá-los. E hoje Daniel vive com mulher e dois filhos na cidadezinha calabresa.
Salva do desaparecimento
Esta região da Itália é pobre; aqui, quem manda é a Máfia. Os jovens abandonam a região assim que têm uma chance. O mesmo aconteceu em Riace: 15 anos atrás, sua população havia se reduzido de 3 mil para menos de 800. Porém, no início dos anos 2000, o prefeito Domenico Lucano passou a acolher imigrantes, os quais, segundo ele, substituíram todos os que abandonaram a cidade, evitando assim sua extinção.
- Antes, estes prédios estavam vazios e acabados – diz Lucano, apontando para as casas em redor. “Riace já era quase uma cidade fantasma. Mas nós construímos novamente as casas. Agora, famílias moram aí, e graças a elas pudemos manter a escola em funcionamento.”
Também do ponto de vista econômico, os imigrantes são importantes, ressalta o prefeito: “Eles fazem os trabalhos que os italianos não querem mais fazer”, cuidam dos idosos ou trabalham no olival para a sociedade de produtores de azeite. Um somali abriu um restaurante, outros atuam como tradutores ou mantêm pequenas lojas e firmas. Um deles, por exemplo, fabrica cerâmica tradicional de Riace, decorada com finas listras coloridas.
Vantagem para todos
Quem indaga os clientes mais idosos do café sobre a convivência com os imigrantes, não recebe resposta: eles apenas fazem um gesto de “deixa pra lá”. Só um homem bem mais jovem, que não quer ser identificado se dispõe a conversar.
“É uma coisa excelente! Riace está cheia de gente outra vez. Antes, era tão vazio aqui.” Também há mais empregos, comenta o rapaz, pois os moradores podem trabalhar para a organização que apoia os recém-chegados. “No entanto, os empregos deveriam ir primeiro para os cidadãos italianos. No momento, os imigrantes têm muito mais possibilidades do que nós”, ressalva.
Para a afegã Marie, o trabalho numa oficina de trabalhos em vidro é um presente de Deus. “No Afeganistão, eu só ficava em casa e não podia fazer nada, assim como as outras mulheres.” Mas ela deixou o país por outro motivo: seus três filhos.
- Minha mais velha, a Mariana, começou a ter problema com os talibãs. Eles queriam casá-la à força. Mas ela só tem 12 anos! A afegã e sua família já estão há dez meses em Riace. No momento, ela trabalha no mosaico de um jóquei a cavalo, que vai ser vendido na loja ao lado. Ela recebe 500 euros por mês do município, além dos 200 euros do serviço de asilo.
O fator humano
Essa ajuda financeira acaba revertendo também para a economia local, pois Marie, Daniel e os demais gastam seu dinheiro principalmente no comércio de Riace. Mas, como muitas vezes seu pagamento chega com atraso, Riace passou a imprimir seu próprio dinheiro, com retratos inspiradores de Martin Luther King, Che Guevara e Ghandi.
As cédulas funcionam como moeda normal: os requerentes de asilo podem comprar alimentos ou roupas com elas, e oportunamente os varejistas trocam seus Ghandis por euros de verdade.
Essa evolução positiva se deve, em grande parte, aos subsídios do governo italiano e da União Europeia. Mas ela também depende muito de gente como o prefeito Domenico Lucano. Nas últimas eleições, ele se candidatou com um slogan simples: “As pessoas mais pobres do mundo vão salvar Riace – e nós as salvaremos.” Simples, mas eficaz.


Correio do Brasil