quarta-feira, 30 de maio de 2018

No Afeganistão, mulheres jornalistas desafiam a violência

Interior de um estúdio de rádio afegão, onde mulheres reivindicam democracia e direitos humanos. Foto: UNAMA/Fardin Waezi)Interior de um estúdio de rádio afegão, onde mulheres reivindicam democracia e direitos humanos. Foto: UNAMA/Fardin Waezi)
Os perigos do trabalho como jornalista no Afeganistão foram relembrados em um novo ataque na capital Cabul no final de abril. Nove fotógrafos e repórteres afegãos foram mortos. Os profissionais, que estavam na região para reportar um ataque suicida, foram alvejados por um segundo homem-bomba ao chegar ao local.
Os assassinatos ocorreram poucos dias antes do Dia Mundial da Liberdade de Imprensa, celebrado anualmente no dia 3 de maio. Fora da capital afegã, os perigos de realizar reportagens, particularmente para mulheres jornalistas, nunca foram tão claros.
Sediqa Sherzai é diretora de notícias da emissora de TV e rádio Roshani, uma organização de mídia em Kunduz, no norte do país. Suas repórteres estão sob constante ameaça não apenas de insurgentes, mas também de homens que não querem mulheres trabalhando na mídia.
“Quando insurgentes tomaram Kunduz em 2015, vieram imediatamente para nossa estação porque não apreciavam o conteúdo focado nos direitos da mulher”, afirmou. “Embora a maioria de nossas repórteres tenha fugido antes da chegada [dos insurgentes], eles roubaram nosso equipamento e destruíram o que não puderam levar.”

Eleições

Apesar dos desafios que mulheres enfrentam ao trabalhar na mídia em um país conservador e afetado por conflitos, Sediqa Sherzai está comprometida em garantir que as vozes das mulheres afegãs sejam ouvidas previamente às eleições, marcadas para outubro desse ano.
Na volátil província de Kunduz, onde parte do território não está sob controle do governo, mulheres dizem ter medo de falar com a imprensa e se pronunciarem sobre direitos humanos. Também não há liberdade para defender mudanças e uma democracia aberta.
Até mesmo Sediqa Sherzai e sua equipe de mulheres evitam fotografias, cautelosamente protegendo suas identidades.
As eleições são consideradas essenciais para solidificar os frágeis avanços na proteção de direitos humanos e questões sociais conquistados ao longo dos últimos 17 anos. A luta pelo voto feminino no Afeganistão, reminiscente a movimentos similares que tiveram palco nos séculos passados em outros países, ganhou maior apoio internacional nas últimas duas décadas.

ONU no Afeganistão

Lutando por mudança, a Missão de Assistência das Nações Unidas no Afeganistão (UNAMA) tem prestado apoio a iniciativas que oferecem espaço para mulheres afegãs em todos os setores da sociedade para lutar contra a opressão e o conflito – e também defender direitos humanos básicos, incluindo o direito ao voto.
O chefe da UNAMA, Tadamichi Yamamoto, disse – marcando o Dia Mundial da Liberdade de Imprensa – que a ONU continua a pressionar o governo para implementar medidas que melhorem a segurança de jornalistas e garantam uma mídia aberta “onde nenhuma voz é silenciada devido ao medo”.

“As mulheres não querem falar porque estão sob ameaça, mas também por causa das restrições tradicionais, incluindo pais e maridos as proibindo de falar.”
– Sediqa Sherzai, jornalista

Sherzai afirmou que um código não escrito para silenciar as mulheres é forte em Kunduz. “Mulheres não querem falar porque estão sob ameaça, e também por conta de restrições tradicionais, incluindo pais e maridos as proibindo de prestar declarações.”
Como diretora de notícias em uma cidade ameaçada pela guerra, Sherzai enfrenta um dilema ao tentar despachar repórteres para o campo. “Não podemos dizer que estamos de fato refletindo a visão das mulheres quando até mesmo nossas próprias repórteres estão sob constante ameaça”, completou.

Democracia

Mesmo se Kunduz, uma movimentada cidade de cerca de 500 mil habitantes, não estivesse em conflito de maneira quase constante, ainda haveria grandes obstáculos à participação total de mulheres na democracia, dizem oficiais e ativistas dos direitos humanos.
“Existe um problema prevalente em nossa sociedade, onde até mesmo homens com destreza em negócios e política não querem que suas mulheres votem”, disse Lida Sherzad, uma ativista que trabalha com a Afghanistan Women’s Network (AWN).
“Existe um imenso preço a ser pago em termos de danos psicológicos e pressão em mulheres e suas crianças. Essas mães me perguntam por que devem participar em eleições se ninguém está as protegendo.”
O direito das mulheres ao voto acompanha os diversos esforços da AWN para criar redes sociais e conectar diferentes grupos de mulheres. Criando, assim, um esforço comum para lutar pelo fim da violência contra as mulheres e a favor de lideranças femininas.
Ativistas dos direitos da mulher afirmam que, embora o progresso tenha sido lento em determinados aspectos, os últimos 17 anos representaram grande avanço para as mulheres afegãs. Durante o comando do Talibã, no fim dos anos 1990 e no decorrer do ano de 2001, mulheres foram confinadas em suas casas e impedidas de serem educadas.
Muitas mulheres trabalhando na mídia em Kunduz deixaram a prática durante o período do Talibã, mas Sediqa Sherzai diz que se insurgentes entrarem novamente na cidade, pela terceira vez em cinco anos, ela “defenderá a estação se necessário”.
Onu
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Imigrantes haitianos em Rolândia enfrentam dificuldades


Gina Mardones - Lucson Jean é casado com Marie Blondine Camille e tem 3 filhos: o cacula tem paralisia cerebral : 'Precisamos de muitas coisas, mas agora no frio precisamos mais de blusas e fraldas'

Lucson Jean é casado com Marie Blondine Camille e tem 3 filhos: o cacula tem paralisia cerebral : "Precisamos de muitas coisas, mas agora no frio precisamos mais de blusas e fraldas"


 A migração dos haitianos para o Brasil teve início em 2010, quando houve um grande sismo no País caribenho. Hoje há um fluxo contínuo. O município de Rolândia é um da Região Metropolitana de Londrina que mais atrai os haitianos em busca de oportunidades nos frigoríficos e indústrias, porém muitos desses estrangeiros passam por dificuldades, seja pela falta de empregos ou mesmo por dramas pessoais. Uma dessas pessoas é Lucson Jean, 34, casado com Marie Blondine Camille, 27, que trabalham como auxiliar de serviços gerais. O casal tem três filhos no Brasil: Lucson Fils, 8; Janaína, 5; e Wyclef, 3. O caçula tem paralisia cerebral. 

Recentemente Lucson sofreu um acidente de trabalho no frigorífico em que trabalha está afastado, sobrevivendo de um benefício que recebe do INSS. A mulher deixou o trabalho para cuidar do filho Wyclef. "Eu parei de trabalhar há dois anos. Precisamos de muitas coisas, mas agora no frio preciso mais de blusas e fraldas", ressalta Camille, dizendo que também recebe ajuda da Cáritas Arquidiocesana de Londrina, que doa cestas básicas e fraldas. "Mas não é todo mês que eles fazem essas doações." 

A Cáritas é uma entidade presta serviço de apoio, acolhimento e solidariedade, com destaque para o trabalho conjunto voltado para as situações de migração, em parceria com entidades como o Instituto de Migrações e Direitos Humanos e o Serviço Pastoral do Migrante. Na região de Londrina são cerca de três mil imigrantes, principalmente haitianos e bengaleses. 

Wyclef tem crises de epilepsia e toma remédios controlados. "Durante um período, a cada vez que tirávamos o aparelho de oxigênio, ele não conseguia respirar. Uma vez ele teve que fazer traqueostomia", lamenta. Depois do diagnóstico, a vida do casal ficou difícil. "Nem todos os remédios ele consegue de graça. Como a Marie não pode mais trabalhar para ficar o tempo todo com ele, a nossa renda caiu muito." 

Camille observa que sente falta de familiares. "Se tivesse mais alguém da família seria melhor. Quando ele fica internado, eu fico sozinha com ele no hospital. Não tenho ninguém para cuidar das outras crianças, que precisam ir para a escola. Se tivesse mais familiares aqui, com certeza eles ajudariam." 

Lucson relata o drama que passou antes de vir ao Brasil. "Perdi parentes no terremoto. Morava em Porto Príncipe. Minha casa quase caiu e graças a Deus minha mãe e meu pai sobreviveram. Infelizmente eles ficaram lá", destaca. Ele relembra que no Haiti trabalhava como motorista de caminhão. "Vendi a minha casa para vir aqui com minha esposa. Tenho um filho mais velho, de 13 anos, que deixei no Haiti, um que nasceu lá e consegui trazer para cá e mais dois filhos que nasceram aqui no Brasil", relata. 

Para chegar ao Brasil, Lucson enfrentou uma série de dificuldades. "Eu deixei o Haiti em outubro de 2011. Primeiro fui para o Peru, depois para Tabatinga (AM), onde fiquei um mês. De lá consegui ir para Manaus, onde fiquei por três meses. Mudei para Rolândia em 13 de fevereiro de 2012", detalha. Ele relata que a documentação não foi difícil conseguir, porém foi o processo foi demorado, porque tinham muitas pessoas na fila. "Tinha gente que esperava até cinco meses. Quem esperou por mais tempo passou por mais dificuldades, porque chegam com pouco dinheiro. Tinha um padre que ajudava os haitianos, mas como começou a chegar muita gente, ficou difícil para ele ajudar todos", destaca. 

Ao passar por dificuldades financeiras no Brasil, passou a enviar menos recursos aos familiares que permanecem no Haiti. "Eles pedem para mandar dinheiro quase todo mês, porque lá eles não sabem como aqui está difícil e o que a gente está passando aqui. Eu sei que a situação no Haiti está difícil, mas para nós também está" lamenta.

Vítor Ogawa
Folha Londrina

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terça-feira, 29 de maio de 2018

Em SP, escola usa Declaração dos Direitos Humanos para combater xenofobia e discriminação entre alunos

Uma escola pública do bairro do Pari, zona central de São Paulo, tem utilizado a Declaração Universal dos Direitos Humanos como base para projetos que visam ao combate à discriminação contra migrantes e refugiados, que representam 21% do total de 574 alunos da unidade hoje considerada modelo de integração.
Uma escola pública do bairro do Pari, zona central de São Paulo, tem utilizado a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) como base para projetos que visam ao combate à discriminação contra migrantes e refugiados, que representam 21% do total de 574 alunos da unidade hoje considerada modelo de integração.
Seis anos atrás, a Escola Municipal Infante Dom Henrique enfrentava problemas de preconceito e xenofobia contra alunos bolivianos, que formam a maior parte dos estrangeiros da unidade. Houve até mesmo casos de extorsão, em que bolivianos eram coagidos a pagar uma espécie de “pedágio” para não sofrer violência física por parte de outros alunos.
Diante do cenário preocupante, professores da unidade decidiram criar em 2012 o projeto Escola Apropriada — Educação, Cidadania e Direitos Humanos. A iniciativa, em andamento até hoje, zerou os casos de violência física xenofóbica por meio de reuniões quinzenais com alunos estrangeiros e brasileiros, além de pais, para discutir dificuldades e soluções.
“Havia muito preconceito, discriminação contra os alunos bolivianos, que eram sempre considerados culpados por tudo o que acontecia na escola”, explicou o professor de História Cesar Sampaio, que coordenou as atividades do projeto até o ano passado.
“Conversamos com os pais e resolvemos iniciar reuniões com os alunos migrantes e filhos de migrantes. Fizemos uma atividade para que eles descrevessem ou desenhassem seus ‘fantasmas’. Começaram a surgir algumas coisas, o desrespeito (que sofriam)”, contou o professor, lembrando que a atividade posteriormente passou a incluir alunos brasileiros. As reuniões trabalham o artigo 13 da DUDH, que trata do direito de migrar.
Os encontros têm também o intuito de apresentar a cultura dos alunos estrangeiros aos demais, segundo o diretor da escola, Claudio Neto. “Cada aluno que chega apresenta seu país. Recebemos recentemente uma aluna marroquina, e na próxima reunião ela vai apresentar o Marrocos para o grupo”, disse.
O projeto Escola Apropriada foi premiado em 2015 pela prefeitura de São Paulo, e deu origem no ano seguinte à iniciativa “O migrante mora em minha casa”, projeto criado pela professora de História Rosely Marchetti em parceria com o programa “Escravo, nem pensar!” (ONG Repórter Brasil). A iniciativa visa conscientizar os alunos sobre o fato de que todos os brasileiros têm alguma descendência de migrantes externos ou internos, por meio do resgate das árvores genealógicas dos estudantes.
Outros projetos surgiram sobre a mesma temática. Alunas bolivianas passaram a dar aulas de espanhol para alunos brasileiros, que muitas vezes não conseguiam participar das conversas dos estrangeiros nos intervalos por não falar a língua. Os professores também promoveram ações de conscientização sobre o trabalho escravo contemporâneo, como parte do projeto “O migrante mora em minha casa”, e organizaram visitas a locais que abrigavam oficinas de costura clandestinas fechadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) na região do Pari.
“Fizemos uma pesquisa no MPT sobre oficinas irregulares que haviam sido descobertas na região. Fomos visitá-las na porta para mostrar que essa realidade estava próxima deles, não era distante”, explicou Cesar. O trabalho foi feito com alunos do 6º ano do Ensino Fundamental, com idade média de 13 anos.
“A discussão sobre migração estava mais amadurecida, aí puxamos para a discussão sobre trabalho escravo para combater esse crime que é um mal crescente no mundo globalizado. Começamos a lembrar como esse processo se desenvolve até chegar na roupa que vestimos. Percebemos a preocupação dos alunos”, salientou.
Com alunos de idade entre 6 e 14 anos, a Escola Infante Dom Henrique tem, além de bolivianos, alunos migrantes e refugiados paraguaios, uruguaios, argentinos, mexicanos, angolanos, sírios e marroquinos, entre outros.
Em janeiro do ano passado, o colégio foi incluído no Programa de Escolas Associadas (PEA) da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). O PEA é uma rede internacional de escolas que trabalham pela cultura da paz, com projetos ligados a um tema central, determinado pelo Ano Internacional proposto pela UNESCO, e dirigidos à ampliação da consciência de cidadania.
“Os alunos que passaram por esse projeto de formação, de valores e compreensão da realidade, melhoram muito (em relação ao preconceito e à xenofobia). Mas o preconceito da comunidade em geral ainda permanece, nas imediações da escola e alguns pais de alunos”, lembrou o diretor da escola.
“Hoje, os alunos migrantes são protagonistas”, disse o professor Cesar Sampaio. “Transformaram-se de oprimidos a protagonistas. É um grande salto”, concluiu.
Onu
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"Imigrantes não são invasores, são irmãos e irmãs"


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Palavra de Dom Mario Antonio da Silva, bispo de Roraima, estado que está recebendo milhares de imigrantes da Venezuela.

Cristiane Murray, Silvonei José - Cidade do Vaticano
A capital do estado de Roraima, Boa Vista, que tinha 320 mil moradores, tem hoje sua população aumentada com 40 mil imigrantes provenientes da Venezuela. Estas pessoas vivem em abrigos, casas alugadas ou ocupadas e muitos outros, nas ruas, em uma situação dramática, de grande vulnerabilidade social.

Os venezuelanos chegam com fome, doentes e sem emprego. São profissionais que não tendo sustento em seu país, vêm ao Brasil com a esperança de encontrar trabalho e sobrevivência para suas famílias.

“A vinda dos migrantes mudou nossa maneira de viver e muda também nosso estilo de oração”, afirma o bispo diocesano, Dom Mario Antônio. “Precisamos dar assistência e acolhida e ter ao mesmo tempo, da atitude de integrar estes novos habitantes em nossas comunidades”.

“ Os migrantes não são invasores, são nossos irmãos e irmãs ”

Mais de 40 grupos estão se organizam em Roraima para providenciar roupas, alimentos e outras necessidades básicas, além das pessoas que tentam achar trabalho e auxiliar na documentação, como o Centro de Direitos Humanos e a Pastoral do Migrante.

Sensibilizados e preocupados com a condição dos habitantes de Roraima, brasileiros e imigrantes venezuelanos, o Vatican News traz o testemunho do, Dom Mario Antônio da Silva.

Radio Vaticano 

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segunda-feira, 28 de maio de 2018

Economia, instrumento de serviço

Silvonei José – Cidade do Vaticano
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Muitos o definiram um verdadeiro Vademecum para a finança ética o documento realizado com a aprovação do Santo Padre pela Congregação para a Doutrina da Fé em colaboração com o Dicastério que se ocupa do Desenvolvimento Humano Integral publicado nesta semana.

Com o título “Oeconomicae pecuniariae quaestiones. Considerações para um discernimento ético sobre alguns aspectos do atual sistema econômico-financeiro”, o Vaticano sai em campo na tentativa de propor e restituir ética à economia e à finança. O documento, como está escrito, pretende dar uma contribuição ao diálogo.
O que mais de um século atrás foi tristemente previsto, tornou-se realidade hoje: o lucro do capital coloca fortemente em risco, e corre o risco de suplantar, a renda do trabalho, comumente confinada às margens dos principais interesses do sistema econômico. Isto proporciona o fato de que o trabalho, - lê-se no documento - com a sua dignidade, não somente se torne uma realidade sempre mais em risco, mas perca também a sua qualidade de “bem” para o homem, transformando-se em um mero meio de troca ao interno de relações sociais tornadas assimétricas.

Os excluídos são “sobras”


Exatamente nesta inversão de ordem entre os meios e os fins, em que o trabalho se torna de um bem em “instrumento” e em que o dinheiro se torna de um meio em um “fim”, encontra um fértil terreno aquela inconsciente e amoral “cultura do descarto” que excluiu grandes massas da população, privando-as de um trabalho digno e tornando-as “sem perspectivas e sem vias de saída”: “não se trata mais simplesmente do fenômeno de exploração e opressão, mas de uma realidade nova”: com a exclusão, fere-se, na própria raiz, a pertença à sociedade onde se vive, pois quem vive nas favelas, na periferia ou sem poder já não está nela, mas fora. Os excluídos não são “explorados”, mas resíduos, “sobras”.
O bem-estar não é só questão de PIB, Produto Interno Bruto, destaca o documento. Nenhum lucro é legítimo quando falta o horizonte da promoção integral do pessoa humana, do destino universal dos bens e da opção preferencial pelos pobres. Todo progresso do sistema econômico – lê-se no texto - não pode se
considerar tal, se medido apenas com parâmetros de quantidade e quantidade e de eficácia na produção de lucro, mas também deve basear-se na qualidade de vida que produz e da extensão social do bem-estar que espalha. Um bem-estar que não pode ser limitado ao aspecto material.
O bem-estar deve ser avaliado com critérios mais amplos da produção interna bruta de um país (PIB), tendo em conta, em vez disso, também outros parâmetros, como a segurança, a saúde, o crescimento do 'capital humano', a qualidade da vida social e do trabalho".

Parâmetros humanizadores

“O lucro deve sempre ser perseguido, mas nunca” a qualquer custo, nem como o referente totalizante da ação econômica, destaca o documento. Daí a importância de “parâmetros humanizadores” capazes de estabelecer um círculo virtuoso entre lucro e solidariedade que, graças ao livre agir do homem, pode desencadear todas as potencialidades positivas do mercados.
O documento também analisa a história recente do tecido econômico mundial. “A recente crise financeira - é enfatizado -, poderia ser uma oportunidade para desenvolver uma nova economia mais atenta aos princípios éticos e para uma nova regulamentação da atividade financeira, neutralizando os aspectos predatórios e especulativos e valorizando os serviços à economia real”. Apesar dos esforços positivos em vários níveis, não houve “uma reação que tenha levado a repensar os critérios obsoletos que continuam a governar o mundo”.
Um fenômeno inaceitável “é lucrar explorando a própria posição dominante com a injusta desvantagem de outras pessoas ou enriquecer-se gerando danos ou perturbações ao bem-estar coletivo”. E esta prática é particularmente deplorável, do ponto de vista moral, quando a mera intenção de ganhar por parte de poucos através do risco de uma especulação visando provocar reduções artificiais nos preços dos títulos da dívida pública, e não se preocupa em afetar negativamente ou agravar a situação econômica de países inteiros.

O dinheiro deve servir

Em um contexto marcado por profundas desigualdades é necessário repensar os modelos econômicos. É tempo de seguir com uma recuperação do que é autenticamente humano, “ampliar os horizontes da mente e do coração, para reconhecer com lealdade o que vem das exigências da verdade e do bem”. Está cada vez mais claro que “o egoísmo no final não paga e faz com que todos paguem um preço alto demais”. A economia não deve ser vista como um instrumento de poder, mas de serviço: “o dinheiro deve servir e não governar”.


Radio Vaticano 
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Professores das ETECs e estudantes de Geografia da USP na Missão Paz



Todas as quartas feiras às 14:00h a Missão Paz recebe estudantes, professores ou pesquisadores interessados em conhecer a entidade que desde os anos Trinta atua com os migrantes e refugiados. Às vezes, porém, alguns grupos não conseguem vir no meio da semana e por isso agendam aos sábados. É o que aconteceu no dia 26 de maio. 

Professores das ETECs do Estado de São Paulo, que estão participando de um curso de extensão na capital paulista, vieram conhecer a Missão Paz. No mesmo dia, estudantes de Geografia da USP também vieram com a mesma finalidade. 

Ao todo foram mais de 60 pessoas. Wellington da Silva de Barros e José Carlos Pereira acompanharam os dois grupos. Miguel Ahumada fez conhecer a Web Rádio Migrantes.

Missão Paz
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sábado, 26 de maio de 2018

Mais de mil venezuelanos serão transferidos de cidade

Mais de mil venezuelanos serão transferidos de cidade
Mais de mil venezuelanos serão transferidos de Roraima para diferentes cidades do Brasil até o final deste mês. As informações foram divulgadas nesta semana, pelo Comitê de Assistência Emergencial aos Imigrantes Venezuelanos, do Ministério do Desenvolvimento Social.

Até o momento, 566 venezuelanos foram transferidos para as cidades de São Paulo (SP), Cuiabá (MT), Santarém (PA) e Manaus (AM). De acordo com a secretária nacional de Assistência Social, Maria do Carmo Brant, mais 500 pessoas devem passar pelo mesmo processo até o final do mês.

“O papel da Assistência Social, além de montar as equipes que darão suporte e apoio aos abrigos em Boa Vista e Pacaraima, é manter e fortalecer a questão da interiorização com inclusão produtiva dessas pessoas”, afirmou Maria do Carmo.

Além da interiorização dos imigrantes venezuelanos, que fogem da forte crise política, econômica e humanitária que assola a Venezuela, o governo federal já repassou mais de R$ 4,6 milhões aos municípios de Manaus, Pacaraima (RR) e Santarém para auxiliar no acolhimento dos imigrantes.

Em todo o estado de Roraima, que também recebeu repasse financeiro do governo federal, nove abrigos com 4 mil imigrantes estão em funcionamento. Até junho, devem ser abertos mais quatro abrigos em Boa Vista, capital do estado, com mais 2 mil vagas.

Simultaneamente ao processo de interiorização, o governo federal trabalha para regularizar a situação dos venezuelanos no Brasil. Até o momento, mais de 5,4 mil carteiras de trabalho foram emitidas desde setembro de 2017. Além disso, os venezuelanos foram cadastrados no Sistema Emprega Brasil, do Ministério do Trabalho, que disponibiliza uma série de serviços aos cidadãos.

Ademais, o governo também emitiu mais de 27,7 mil Cadastros de Pessoas Físicas (CPF). Apenas nos cinco primeiros meses de 2018, foram registrados 14,2 mil venezuelanos.
Roraima tem enfrentado dificuldades devido ao grande fluxo de venezuelanos que chega ao estado vindo da fronteira com a Venezuela. Com falta de espaço, alguns venezuelanos têm dormido em praças ou se encaminhado para outras cidades próximas por conta própria. Aqueles que têm amigos ou família no Brasil, contam com ajuda para buscar melhores condições de vida.

Devido à crise no estado, a governadora de Roraima, Suely Campos (PP-RR), solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) que a fronteira do estado com a Venezuela fosse fechada temporariamente. A ministra Rosa Weber, do STF, respondeu, pedindo a cooperação entre a União e ao governo do estado para resolver a situação dos migrantes.

Opinião & Noticia
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Migrações e fronteiras

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"O mais grave é que a politização das migrações significa, em grande parte dos casos, a criminalização dos migrantes, especialmente após os atentados de 11 de setembro em New York. O caso mais emblemático foi a eleição de Donald Trump à Casa Branca, nos USA. Com isso, ressurgem com força as políticas de deportação dos imigrantes irregulares e de restrição à entrada de novos imigrantes. Mas ressurgem igualmente os movimentos neofacistas e neonazistas, bem como suas atitudes de aberta discriminação, hostilidade e xenofobia", escreve Alfredo J. Gonçalves, padre carlista, assessor das Pastorais Sociais, 18-05-2018.

Eis o artigo. 

O tema Migrações e Fronteiras ocupa atualmente amplos espaços na mídia, na opinião pública, nos debates políticos e nas redes sociais. Aqui, mais do que um estudo propriamente dito sobre a mobilidade humana, pretendo desenvolver alguns elementos para uma leitura aproximada dos deslocamentos de massa nos tempos atuais. Elementos de caráter provisório e fragmentário e que, por isso mesmo, num segundo momento, podem e devem ser complementados pelas experiências concretas de quem trabalha mais de perto nessa realidade. Permitam-me começar com dois rápidos passos atrás, para, em seguida, entender o fenômeno das migrações nos dias de hoje.

1. Duas irmãs gêmeas: pastoral social e pastoral das migrações

O primeiro passo atrás nos leva ao século XIX e início do século XX, contexto da Revolução Industrial, com seus efeitos e implicações e efeitos. Em termos de mobilidade humana, alguns números ilustram esse momento de “mudanças rápidas e profundas”, para usar uma expressão extraída da Constituição Pastoral do Concílio Vaticano II  Gaudium et Spes (GS, 1965, nº 4). Segundo os principais historiadores da época, entre 1820 e 1920, cerca de 65 a 70 milhões de pessoas deixam o velho continente europeu, com destino às terras novas das AméricasAustráliaNova Zelândia. Limitando-nos à Península Italiana, entre 1815 e 1915, nada menos do que 25 milhões emigraram de seu território. Na década de 1901 a 1910, a média anual de emigrados é de 600 mil. O ano de 1913, por sua vez, representa o recorde de saídas: mais de 850 mil pessoas (Cfr. Livro O Mediterrâneo do historiador francês Ferdinand Brudell). Em menor ou maior grau, vários países sofreram a mesma hemorragia: Irlanda, Inglaterra, Alemanha, Espanha, Portugal, entre outros.
Outros historiadores batizaram o século XIX como “século do movimento”. Movimento entendido em duplo aspecto: de pessoas, seja do campo para a cidade quanto em direção de outros continentes; e de máquinas, como o trem, os carros, os navios, e mais tarde o avião. No que diz respeito às consequências sociais da Revolução Industrial, por um lado, e aos deslocamentos humanos de massa, por outro, duas personagens se cruzam e se entrelaçam na passagem do século XIX para o século XX: o então Papa Leão XIII e o bispo de Piacenza, norte da ItáliaJoão Batista Scalabrini. Enquanto o primeiro preocupava-se com a exploração exacerbada dos operários, nas fábricas que se erguiam por toda parte, o segundo tinha os olhos voltados para os que sequer conseguiam emprego no velho continente, vendo-se obrigados a atravessar o oceano Atlântico em busca de melhor futuro.
Em 1887, Scalabrini funda a Congregação dos Missionários de São Carlos, com o fim de acompanhar os emigrados italianos por todo o mundo. Em 1895, juntamente com Madre Assunta e Pe. Marchetti, funda a Congregação das Irmãs de São Carlos, com a mesma finalidade. No decorrer dos tempos, ambas as Congregações iriam ampliar seu campo de ação, no sentido de atender a todos os migrantes, prófugos, refugiados, expatriados, marinheiros, itinerantes, enfim, todo o mundo da mobilidade humana.
Convém não esquecer que já antes disso, havia fundado um Instituto de Leigos em favor dos direitos dos emigrantes.
Em maio de 1891, exatamente a meio caminho entre a fundação de uma e outra dessas Congregações, o Papa Leão XIII publica a Carta Encíclica Rerum Novarum (sede de coisas novas), sobre a condição dos operários, mesmo tema do estudo de F. Engels, em 1844, também ele a respeito da condição da classe trabalhadora na Inglaterra. Voltando à Rerum Novarum, a carta passará para a história como o documento inaugural da chamada Doutrina Social da Igreja. Enquanto a Igreja, na pessoa do Papa, se sensibiliza com a situações dos trabalhadores e trabalhadoras no velho continente, Scalabrini se vê interpelado por aqueles que, impossibilitados de encontrar trabalho na Europa, cruzam os mares em direção às novas terras. Resulta que a sensibilidade e solicitude pastoral da Igreja para com os operários nasce contemporaneamente à sensibilidade e solicitude pastoral de Scalabrini para com os emigrantes. O que mais tarde viria a se transformar a Pastoral Social é irmã gêmea do que, também mais tarde, viria a se transformar a Pastoral dos Migrantes.
Um retorno a essa dupla origem representa uma luz para ler e entender os desafios do mundo de hoje. Desafios de ordem sociopolítica e desafios relacionados ao universo dos cenários e narrativas da migração. O estudo da história é o melhor antídoto contra o que o Papa Francisco chama de “cultura da indiferença” em relação às problemáticas do presente e em relação à responsabilidade quanto ao futuro. Em sentido amplo, o Serviço Pastoral dos Migrantes mergulha suas raízes nessa dupla fonte de energias, ou dupla solidariedade evangélica. Ainda nas palavras do Pontífice, trata-se de passar da “globalização do individualismo à cultura da solidariedade”.

2. Crise prolongada da economia

O segundo passo atrás nos faz retroceder aos anos de 1970. Se é verdade que o período que vai do imediato pós-guerra até o início da década de 70 costuma ser considerado como os “anos de ouro” da economia capitalista, as coisas mudam a partir daí. Tais “anos de ouro” combinam euforia econômica, por uma parte, com os fantasmas da guerra-fria, da ameaça nuclear e da desigualdade socioeconômica, por outra. Do ponto de vista eclesial, são publicadas as Cartas Encíclicas Mater et Magistra (1961) e Pacem in Terris (1963), ambas pelo então Papa João XXIII. Depois, vem à luz a Constituição Pastoral Gaudium et SpesConcícilio Vaticano II, e em seguida a Carta Encíclica Populorum Progressio (1967), escrita pelo Papa Paulo VI. Logo, porém, os chamados “milagres econômicos” e, em alguns casos, o pleno emprego, conhecem seu término. Começam as décadas da crise que se arrasta até o presente. O aumento dos preços do petróleo, por uma parte, e a desvinculação da emissão de dólares quanto às receitas em ouro nos Estados Unidos, por outra, no início dos anos 70, serão dois fatores que, junto a diversas circunstâncias de ordem política, haverão de desencadear uma prolongada instabilidade econômica. Instabilidade que, em menor ou maior grau, e dependendo da conjuntura de cada país, persiste até os dias de hoje. Três foram as consequências imediatas dessa crise: o aumento dos custos de produção, movida prevalentemente com a fonte energética do petróleo, a corrida desenfreada à especulação no capital financeiro em nível internacional e o aumento do desempregosubemprego e migração.
Desse contexto decorre a emergência do termo globalização. No xadrez da economia mundial, a globalização é entendida com a extensão e o aprofundamento do modo de produção capitalista, no sentido de diminuir as despesas e aumentar os ganhos, compensando assim as perdas. Na verdade, uma globalização de duplo aspecto: extensiva, no sentido de incorporar novos territórios, novas regiões, novos países e novos povos ao sistema de produção-comercialização-consumo capitalista (RússiaChinaTigres Asiáticos, entre outras nações asiáticas e africanas): e intensiva, no sentido de ampliar o consumo daqueles que já fazem parte desse universo. Entra em cena o poder do marketing, da propaganda e da publicidade, com apelos cada vez mais intensos, frequentes e estridentes, convidando ao esquema compulsivo do produtivismo-consumismo. De outro lado, sempre na perspectiva de compensar as perdas e aumentar os lucros, termos como flexibilização das leis trabalhistas, terceirização e reformas trabalhista ou da previdência social, em geral, entram a fazer parte do processo de globalização, no sentido de retirar dos trabalhadores uma série de “direitos adquiridos” pela luta sindical. Semelhantes direitos se reconvertem em “mercadorias” a serem compradas, o que passa a pesar sobre os ombros da classe trabalhadora.
Ainda no que diz respeito à ao conceito de globalização, vale tomar emprestadas algumas observações do sociólogo espanhol Manuel Castells (Cfr. A Sociedade em rede, em três volumes). Segundo ele, a rede mundial da Internet, leva a uma economia globalizada com um movimento duplo e aparentemente contraditório, ou seja, ela se torna ao mesmo tempo mais centrífuga e mais centrípeta. Mais centrífuga – ou mais descentralizada – no campo da produção. Em lugar de gigantescos parques industriais onde se fabrica o produto integral, multiplicam-se pequenas e médias unidades de produção de peças autônomas. Estas facilitam não apenas a locomoção no território e entre os vários países, mas também a diversificação produtiva. Posteriormente, com a revolução das comunicações e dos transportes, reúnem-se as várias peças. Daí o nome de “montadoras” a determinados parques de produção. Tais unidades, por outro lado, são mais ágeis e passíveis de deslocamento, de acordo com a necessidade de mão-de-obra barata ou de novas fontes de matéria prima e de energia.
A economia globalizada, entretanto, é também mais centrípeta – ou centralizada. Também aqui, devido às transformações na área da informática, é possível uma maior concentração no campo das decisões. Uma central de computadores interligados, localizada em qualquer lugar do planeta, pode controlar a produção, a comercialização e o consumo, permitindo a tomada de decisões em tempo real. Isso explica as compras e vendas, fusões e megafusões das empresas, a incorporação de umas pelas outras, os grandes conglomerados internacionais, de modo especial no capital financeiro. Concentram o poder de decisão para poupar gastos com pessoal altamente qualificado e com duplicação de infraestrutura. Numa palavra, a economia global tende a expandir-se quanto à produção e, simultaneamente, a concentrar-se quanto à direção do poder. Consta-se, então, que o contraste é apenas aparente. Na verdade, os movimentos contrários se complementam.

3. Economia globalizada e migrações

Tanto nos “anos de ouro” do capital (1945-70) quanto na crise que lhes dá lugar no início dos anos 70, os migrantes correm atrás das oportunidades de trabalho. Não será exagero parafrasear Scalabrini: se as sementes e as aves voam nas asas do vento, os trabalhadores voam nas asas do capital. Para onde este migra, se concentra e se acumula, multiplicam-se igualmente as possibilidades de um melhor futuro. Daí o grande fluxo de migrações do hemisfério sul para o hemisfério norte, ou melhor, dos países periféricos e subdesenvolvidos para os países centrais e desenvolvidos. Milhões e milhões de trabalhadores dos países pobres da Ásia, da África e da América Latina e Caribe, com ou sem suas famílias, buscam os Estados Unidos e Canadá, a Europa, o JapãoAustrália. Juntamente com esse fluxo sul-norte, porém, verificam-se outras tendências também expressivas em números, tais como o deslocamento sul-sul ou leste-oeste, este último sobretudo a partir da desintegração da União Soviética.
A mobilidade humana ganha proporções cada vez mais planetárias. Sem contar as migrações dentro do próprio país ou pendulares, estima-se hoje que ao redor de 250 milhões de pessoas residem fora do país em que nasceram, sendo que ao redor de 30 a 50 milhões são refugiados. O deslocamento humano de massa torna-se um fenômeno sempre mais numeroso, mais complexo e mais diversificado. Novas nações, novos povos, novos grupos e novas culturas passam a fazer parte do xadrez mundial das migrações. A “aldeia global” converte-se em uma realidade. No cotidiano ou através dos meios de comunicação, praticamente todos os dias nos defrontamos com os “mil rostos do outro”. Difícil encontrar um país que não esteja envolvido nesse vaivém globalizado, seja como lugar de origem, de trânsito ou de destino – quando não as três coisas ao mesmo o tempo.
À medida que a crise econômica persiste e/ou se agrava, no entanto, os países centrais começam a restringir a entrada de estrangeiros. Elaboram-se leis de imigração cada vez mais rígidas e seletivas, com o objetivo de peneirar os trabalhadores qualificados e descartar os demais. A migração legal, regular, com os documentos em dia torna-se cada vez mais difícil, praticamente um privilégio de poucos. Para os que fogem literalmente da pobreza, da violência e da guerra, não passa de um sonho que, em grande parte dos casos, acaba convertendo-se em pesadelo.
Prova disso é que, atualmente, os deslocamentos humanos sul-sul superam em números os deslocamentos sul-norte. Crescem, por exemplo, os movimentos de país para país no interior da África, no interior da América Latina e Caribe, no interior da Ásia. Trata-se de uma migração intra-regional ou intra-continental, que, embora não anule as tentativas de cruzar os oceanos e alcançar os demais continentes, encontra mais dificuldades. Isto para não falar das migrações no interior de cada país, das migrações temporárias ou do esvaziamento rural seguido da urbanização. Cresce, também, a presença de mulheres e menores não acompanhados, sujeitos de modo particular do tráfico internacional de pessoas humanas para fins de exploração sexual e trabalhista. Evidente que a rigidez da lei e o fechamento da fronteira acaba incrementando o crime organizado em nível mundial. E cresce, ainda, o número do que hoje poderíamos chamar de migrantes, prófugos ou refugiados “climáticos”. Fogem de desastres, calamidades ou catástrofes desencadeadas pelas mudanças cada vez mais acentuadas do clima.
Outro fator que tende a dificultar o livre direito de ir-e-vir em direção às nações centrais é o avanço dos governos de direita em vários países que, de um ponto de vista histórico, se mantinham mais ou menos abertos. Nas eleições mais recentes dos Estados UnidosÁustriaAlemanhaPolôniaInglaterraFrançaItália – constata-se o avanço de partidos e políticos anti-imigração. Aliás, no processo eleitoral desses países, o fenômeno da mobilidade humana figurou como ponto obrigatório dos debates, quase sempre como o próprio fiel da balança. Isso fez com que os deslocamentos humanos de massa fossem amplamente politizados.
O mais grave é que a politização das migrações significa, em grande parte dos casos, a criminalização dos migrantes, especialmente após os atentados de 11 de setembro em New York. O caso mais emblemático foi a eleição de Donald Trump à Casa Branca, nos USA. Com isso, ressurgem com força as políticas de deportação dos imigrantesirregulares e de restrição à entrada de novos imigrantes. Mas ressurgem igualmente os movimentos neofacistas e neonazistas, bem como suas atitudes de aberta discriminação, hostilidade e xenofobia. Nas palavras do Papa Francisco, “em lugar de pontes, erguem-se muros”. A “cultura da acolhida, do diálogo, do encontro e da solidariedade cede o lugar à globalização da indiferença”.

4. Emergência do conceito de fronteira

Resulta que dois fatores convergentes – complexidade do fenômeno da mobilidade humana e endurecimento da legislação imigratória – fazem emergir o conceito de fronteira. De uma parte, as migrações atuais diferem das chamadas migraçõeshistóricas do século XIX. Estas últimas tinham uma origem e um destino mais ou menos determinados. Os emigrantes saíam de seus países para estabelecerem-se em outras terras e aí erguerem novas cidades e novas nações. Atualmente, sabemos a origem dos fluxos migratórios, mas seu destino final é incerto. Os mesmos migrantes, depois de cortarem as raízes primordiais, remigram com frequência de um país para outro, buscando sempre melhores oportunidades. Em lugar de uma viagem para um novo lugar, temos um vaivém às vezes circular e com rumos imprevistos.
Entre os estudiosos do tema da fronteira, tomo de empréstimo algumas observações do sociólogo português Boaventura de Souza Santos. A partir de seus estudos, constata-se que a restrição crescente à migração legal faz aumentar a pressão dos migrantes sobre os limites entre os diversos países – vale dizer sobre a fronteira. Fronteira neste caso como “não lugar”, não no sentido de Marc Augè (a não familiaridade doa aeroportos e shopping centers, por exemplo), e sim espaço onde os medos misturam-se com novos horizontes; angústias e esperanças andam de mãos dadas, ameaças e oportunidades entrelaçam-se. Trata-se, ao mesmo tempo, de lugar de ninguém e lugar de todos, lugar dos sem pátria e lugar aberto a muitas pátrias. A fronteira se converte numa espécie de espelho invertido das políticas migratórias, ou da falta delas. Já o sociólogo paraguaio Tomaz Palau, ainda nos anos 80, dizia que “o movimento e o dinamismo intensos nos limites entre dois ou mais países constituem um dos retratos mais vivos do processo de globalização”. Com isso o fenômeno migratório torna-se mais dramático e contemporaneamente mais visível. As imagens da fronteira escancaram as feridas e cicatrizes mais vivas da mobilidade humana.
Entretanto, mesmo a olho nu, é bem notório a emergência da fronteira como lugar de tensões e sonhos, disputas e alternativas, “alegrias e esperanças, tristezas e angústias”, para citar a frase de abertura da já citada Constituição Pastoral Gaudium et Spes. Bastam alguns exemplos: limite entre México e Estados Unidos, entre México e Guatemala, entre África do Norte e sul da Europa, entre Turquia e Grécia, entre PeruChile e Bolívia, entre Colômbia e Venezuela, entre Venezuela e Brasil, entre FilipinasMalásiaIndonésia e Singapura!... Os exemplos poderiam ser multiplicados pelos quatro cantos do planeta. As fronteiras se convertem em verdadeiras “panelas de pressão” prestes a explodir, como ao norte da Líbia, na Turquia, no norte do México e na ilha de BatamIndonésia e outros pontos da Ásia e África. Sonhos e pesadelos aí travam uma batalha sem fim e quase sempre sem horizonte.
Num exemplo mais concreto, recentemente a União Europeia fez um acordo primeiro com a Turquia, depois com a Líbia, para o bloqueio às migrações que se direcionavam ao velho continente. Significava, respectivamente, bloquear a rota balcânica e a rota mediterrânea. Em troca da contenção dos migrantes nos respectivos territórios, Turquia e Líbia recebem investimentos regulares dos países da Europa. O acordou trouxe um resultado duplamente nefasto e desumano: de um lado, os migrantes se concentram em acampamentos improvisados, em condições extremamente precárias, chegando a ser colocados à venda (Líbia); de outro lado, os investimentos europeus caem nas mãos de governos instáveis e corruptos, acabando muitas vezes por chegar às mãos dos guerrilheiros – o que aumenta a violência e a fuga de refugiados. O remédio agrava a situação do doente!
Em vista de uma melhor compreensão e do trabalho sociopastoral, vale a pena, porém, desdobrar o conceito de fronteira em três dimensões ao mesmo tempo distintas e complementares: fronteira física, geográfica ou territorial, fronteira jurídica e político-social e fronteira cultural-religiosa.
Na primeira, geográfico-territorial, o migrante tropeça com a polícia ou o exército, as exigências da aduana, portos e aeroportos, dificuldades de documentação. Encontra muros visíveis ou invisíveis, arame farpado. Muitas vezes a família se divide e muitos podem perder a vida nas areias do deserto, nas ondas do mar ou nas armadilhas de florestas e montanhas. Mais grave ainda quando cai nas mãos dos traficantes que recrutam os mais vulneráveis de entre eles. Na segunda, jurídica e político-social, o migrante tropeça com as leis migratórias do país de destino, o que depende de decisões políticas. Neste caso, a fronteira desloca-se para a capital do país, para o Congresso Nacional e para os gabinetes do governo; tropeça igualmente em situações sociais de precariedade e vulnerabilidade. Na terceira, cultural-religiosa, o migrante tropeça com mentalidades, expressões, visões de mundo e costumes diversos. “Aqui, até a Igreja e os santos são diferentes”, dizem com frequência. As diferenças podem converter-se em muros: surgem hostilidades recíprocas, preconceitos e até perseguição. Não raro os distintos povos, nações ou grupos podem criar “guetos” isolados, fechados sobre si mesmo. Aqui a fronteira se ergue nas ruas, bairros, vizinhança, escolas, comunidades ou paróquias onde o estrangeiro se instala. Talvez seja a fronteira mais difícil de cruzar, porque seus muros são muito sutis e invisíveis.
Boa parte dos migrantes conseguem ultrapassar a dimensão geográfico-territorial da fronteira, mas vêm-se impossibilitados de vencer sua dimensão político-social. Acabam permanecendo no país de destino na condição de “imigrantes indocumentados”. Isso significa um estado de permanente vulnerabilidade diante de uma série de problemas e dificuldades, tais como encontrar trabalho, moradia, escola, saúde, etc. Outros conseguem cruzar as duas primeiras dimensões da fronteira, mas se vêm barrados na dimensão cultural-religiosa. Também neste caso tornam-se vulneráveis a todo tipo de preconceitodiscriminação e exploração no lugar específico onde resolvem morar (e trabalhar de maneira informal).
Por que separar as diversas dimensões da fronteira? Antes de tudo, para melhor compreender a dinâmica e os percalços que os migrantes devem enfrentar em cada uma delas. Depois, para identificar com maior precisão os distintos serviços a ser prestados pela solicitude pastoral e evangélica. Por fim, a partir dessa compreensão ampliada e diferenciada, para melhor integrar as diversas dimensões da Pastoral Migratória num “trabalho orgânico e de conjunto”, como recomenda o Documento de Medellín. Fazendo um jogo de palavras, não se trata somente de um conjunto de trabalhos, e sim de um trabalho de conjunto.

5. Trabalho orgânico e de conjunto

Quem atua na fronteira físico-territorial tem em vista uma série de tarefas. Estas vão desde a acolhida, alimentação e documentação, até a assistência social, jurídica e psicológica. Os destinatários podem ser migrantes, prófugos, refugiados, deportados, marinheiros, itinerantes... É o que se faz, em geral e entre outras coisas, nas Casas e/ou Centros para os Migrantes ou no trânsito. Já a atuação na fronteira jurídica e político-social exige um esforço de incidência múltipla nos organismos e instâncias sociais, eclesiais e governamentais, uma parceria com outros atores sociais (igrejas, movimentos, organizações não governamentais, pastorais, etc.) que trabalham no campo da mobilidade humana. Exige também o conhecimento das leis de imigração e o empenho para modificá-la em favor do respeito ao direito de ir-e-vir, correlato ao direito de permanecer com dignidade na própria pátria. Quanto às atividades na fronteira cultural-religiosa, está em jogo o resgate da pessoa, grupo, povo ou cultura. Torna-se indispensável promover espaços onde, por um lado, os imigrantes possam expressar seus valores e expressões culturais e religiosas e, por outro, possam ser ajudados a inserir-se na vida do país que os acolhe, em termos familiares, comunitários, eclesiais, sociais, políticos e culturais.
Aqui o mais relevante é sublinhar a atuação integrada e conjunta, o esforço de sinergia entre as várias dimensões da fronteira. O trabalho de uma complementa e reforça as atividades das demais, bem como as lacunas de uma dividem e enfraquecem as atividades das demais. Desnecessário relembrar que o segredo está no trabalho em rede, onde cada tarefa repercute em todas as dimensões da fronteira. Tanto para o migrante quanto para o agente de pastoral que o acolhe, torna-se fundamental saber que os esforços estão conectados com outras duas instâncias que atuam de forma integrada. No fundo, as três dimensões da fronteira requerem tarefas distintas, sem dúvida, mas convergentes na defesa da dignidade e dos direitos do migrante.
Convém não esquecer que, de outro lado, quando os problemas das duas primeiras dimensões da fronteira continuam irresolutos, tudo se acumula nesta última fase, onde as comunidades e paróquias pluriculturais ou multiétnicas os acolhem. Claro que, na medida do possível, uma ponte pastoral com os países de origem só pode enriquecer o trabalho sociopastoral. Com todos esses fatores em jogo, permanece o desafio de passar de uma convivência pacífica entre migrantes de várias etnias (multiculturalidade) ao diálogo e confronto reciprocamente enriquecedor (interculturalidade). Sair de si mesmo e deixar-se interpelar pela presença do outro – diria o Papa Francisco – pavimenta o caminho para o totalmente Outro.
Retornando à ideia de fronteira como “não lugar” e desde um ponde de vista teológico, nesse terreno ambíguo erra e espera a grande “multidão dos sem”: sem raiz e sem pátria, às vezes sem papéis, sem rumo, sem destino, sem horizonte!... Esse “não lugar” pode converter-se no “melhor lugar” para lançar os alicerces de um “novo lugar”. Jesus Cristo nasceu e morreu fora dos muros da cidade. “Não havia lugar para eles (José, Maria e o Menino)”, escreve o evangelista no relato do nascimento. Os condenados ao patíbulo da cruz, por sua vez, não podiam sofrer a execução dentro da cidade de Jerusalém. Disso pode-se inferir que a mensagem central da Boa Nova do Evangelho mergulha suas raízes na fronteira, no “não lugar”. Ou seja, lugar da utopia, lugar privilegiado para pensar e proclamar o Reino de Deus. De fato, quem nasce e vive em berço de ouro, num lugar firme e estabelecido, pouco se preocupa com mudanças. Somente quem experimenta a inquietude, a incerteza e a solidão da fronteira como “não lugar”, permanece aberto às transformações urgentes e estruturais da sociedade. Busca uma nova pátria!
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