terça-feira, 30 de junho de 2020

Rede Clamor no Brasil faz eco ao esforço do Papa no cuidado a migrantes e vítimas do tráfico humano

Com a "urgência no cuidado daqueles que têm fome de comida e dignidade" nasce a Rede Clamor no Brasil
A iniciativa que já é uma realidade em nível de América Latina e Caribe, através do Celam, começa a se articular também no Brasil. A Rede Clamor é um espaço para agregar as ações da Igreja que dão atenção a migrantes, refugiados e vítimas de tráfico humano. Na última sexta-feira (26), veio o apoio da CNBB. "A Igreja não pode ficar indiferente", afirma Pe. Agnaldo Júnior: "temos um Papa extremamente sensibilizado, propulsor de uma ação eficaz e operativa da Igreja junto aos nossos irmãos. A nossa rede é uma espécie de gesto simbólico e prático de envolver toda a Igreja em cuidar deles”.
Já está marcada para o dia 23 de julho a próxima reunião para consolidar a Rede Clamor no Brasil e buscar novas alianças junto a organizações, movimentos pastorais e grupos que estejam atuando no país em três áreas específicas: migração, refúgio e enfrentamento ao tráfico de pessoas. A Rede Latino-Americana e do Caribe para a Pastoral de Migrantes, Refugiados e Vítimas do Tráfico (Rede Clamor) é um espaço que procura articular os serviços realizados pela Igreja católica nessa frente, afirma o Pe. Agnaldo Júnior, diretor nacional do Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados: 
“Eu costumo dizer que é uma rede de redes.”

O Brasil começa a fazer o dever de casa

O primeiro grande passo dado no Brasil aconteceu na última sexta-feira (26) com uma reunião virtual convocada pela Comissão Episcopal Pastoral para a Ação Sociotransformadora da CNBB, que acolheu e apoiou o fortalecimento da articulação da rede no Brasil. O encontro, que reuniu 16 pessoas representando as suas organizações, ajudou a aprofundar o trabalho realizado pela Rede Clamor, criada em 2016 com o apoio do Celam (Conselho Episcopal Latinoamericano) e formada pelos departamentos de mobilidade humana de cada Conferência Episcopal, pela Caritas, por congregações religiosas e pelas três redes de enfrentamento ao tráfico na América Latina e Caribe.
A reunião trouxe à mesa “a necessidade e a importância de se criar esse espaço articulador que reforça a identidade e a ação da Igreja” no país em relação ao tema da migração forçada hoje no mundo. Segundo levantamento inicial dos participantes, estima-se que mais de 100 obras e serviços atuam pela causa hoje no Brasil.
A rede no país também é fruto de uma inquietação dos batalhadores da causa, já que o Brasil participava das reuniões em nível de Celam, “mas o país não fazia o seu dever de casa” para poder consolidar a iniciativa. As próximas reuniões é que conseguirão configurar como a rede será projetada em nível nacional para ajudar a transformar a realidade e amenizar o sofrimento das pessoas envolvidas.
“Ela vem agregar um valor maior que é articular todas as expressões da Igreja no campo da migração, do refúgio e do enfrentamento ao tráfico; e nos ajudar a sentar na mesma mesa. Conhecemos como Igreja o que já estamos fazendo aqui no Brasil e, por outro lado, também, empoderar mais as nossas ações porque juntos somos mais fortes. E, também, para podermos pensar atividades comuns que possamos fazer, não como organizações separadas, fragmentadas, senão como rede no Brasil, dar visibilidade à ação da Igreja nessas três áreas.”

Articulando as forças do Brasil com toda América Latina

O Pe. Agnaldo acrescenta que essa ação em conjunto no Brasil também é para “superar fragmentos e vaidades institucionais para poder atuar como ação solidária e samaritana da Igreja junto às realidades tão gritantes da nossa atualidade”, como é o caso dos migrantes e refugiados. A criação e articulação da Rede Clamor no Brasil então, “é de fundamental importância neste momento histórico em que vivemos”, afirma Rose Bertoldo, da Rede Um Grito Pela Vida:
“Ela tem como proposição articular as forças entre as redes que já existem; as instituições que trabalham com migrantes, refugiados e vítimas do tráfico de pessoas. Para mim, ela é importante porque, além de articular as forças em nível de Brasil, também a gente fortalece essa articulação em rede em nível de América Latina e Caribe, uma vez que os grandes fluxos migratórios se dão entre esses países.”

A Igreja não pode ficar indiferente

Entre as ações que integram o trabalho no Brasil, está a formação de agentes de pastoral, a criação de campanhas de mobilização e conscientização sobre o tema, o mapeamento dos serviços e a celebração de datas comemorativas. E já para o próximo semestre: dia 30 de junho, o Dia Nacional do Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, e, em setembro, a 106ª Jornada Mundial do Migrante e Refugiado.
Ao acolher a articulação da Rede Clamor no Brasil, o secretário-geral da CNBB, dom Joel Portella, faz coro às palavras do Papa Francisco, na homilia da celebração de Corpus Christi deste ano ao afirmar que “é necessário urgência no cuidado daqueles que têm fome de comida e dignidade, daqueles que não têm emprego e lutam para avançar. E fazendo-o concretamente”. E o Pe. Agnaldo complementa:
“Na última década, o número de pessoas que estão sendo forçadas a se deslocar de seus países praticamente dobrou. É uma realidade que a Igreja não pode ficar indiferente. E mais: temos um Papa extremamente identificado, sensibilizado, propulsor de uma ação eficaz e operativa da Igreja junto aos nossos irmãos irmãs. Queremos fazer eco de todo o esforço que o Papa Francisco está fazendo desde Roma como uma espécie de gesto – também simbólico, profético, prático de envolver toda a Igreja, não é tarefa de alguns, é missão de toda a Igreja, olhar essa realidade e cuidar desses nossos irmãos.”
Colaboração: Pe. Luís Miguel Modino e CNBB
Radio Vaticano
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Refugiados começam vida nova na Guatemala como guardiães de florestas

Cuidar do verde é uma das mais importantes maneiras de cuidar da humanidade, e esse é o espírito que move um grupo de refugiados hondurenhos em seu novo lar, na Guatemala. A instabilidade em Honduras, país ameaçado pela pobreza, a violência e por facções, fez com que 720 mil pessoas saíssem de suas casas para outras regiões do país ou para buscarem abrigo em países estrangeiros. Nove desses refugiados hondurenhos fizeram da Guatemala seu novo lar – onde foram treinados e contratados para trabalharem como guardas florestais.

Ponte no parque nacional El Mirador © UNHCR/Alexis Masciarelli
O trabalho dos refugiados acontece dentro do sistema nacional de parques da Guatemala, formado pelas florestas tropicais na maior área protegida da América Central, além de três reservas de biosfera e das ruínas do povo Maia – é nesse incrível cenário que alguns refugiados hondurenhos estão reconstruindo suas vidas depois de escaparem do recrutamento das facções violentas. “Quando eu era pequeno, costumava assistir programas de natureza na TV. Eram os meus favoritos. Esse trabalho é como estar dentro de um destes programas e eu sempre sonhei em fazer isso”, afirmou Josué, de 19 anos.
Uma das maiores dificuldades de refugiados em qualquer país do mundo é justamente encontrar emprego, e por isso a importância do trabalho. O ofício de guarda florestal na Guatemala inclui um período de 15 dias por mês nos quais os guardas dormem em acampamentos dentro dos parques, e passam 15 dias de folga, em casa. “Os guardas do parque protegem algo que pertence a toda a humanidade”, afirma Abel Santos, coordenador de um dos programas que defende crianças e media o trabalho.



Em Honduras, recusar o recrutamento para servir às facções violentas pode significar um decreto de morte – e por isso a fuga de milhares de jovens do país. O trabalho na Guatemala é de especial importância por se tratar de um dos países mais biodiversos do mundo, onde a preservação de florestas tropicais é mais urgente. “Nosso trabalho é realmente importante. Estamos salvando a vida dos animais e protegendo os recursos que pertencem a todos”, afirma Alejandro, outro jovem que encontrou no trabalho sua nova vida. As florestas guatemaltecas são ameaçadas pelo desmatamento, a extração ilegal de madeira, o comércio ilegal de animais silvestres, além dos efeitos das mudanças climáticas e da ação humana.

por: Vitor Paiva
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segunda-feira, 29 de junho de 2020

Sem políticas públicas efetivas, imigrantes sobrevivem da solidariedade


De 2010 a 2018, 774,2 mil imigrantes foram registrados no Brasil, sendo haitianos, venezuelanos e colombianos as três principais nacionalidades, segundo Ministério da Justiça - Marcello Casal Jr/ Agência Brasil
“Desde sempre borboletas, andorinhas e flamingos voam fugindo do frio, ano após ano, e nadam as baleias em busca de outro mar e os salmões e as trutas à procura de seus rios. Eles viajam milhares de léguas, ao longo dos caminhos livres do ar e da água. Por outro lado, não são livres os caminhos do êxodo humano. Em imensas caravanas, marcham os fugitivos da vida impossível. Viajam do sul para o norte e do sol nascente para o oeste.” Assim escreveu Eduardo Galeano sobre os imigrantes e refugiados, que em busca de novos horizontes cruzam há anos, oceanos e fronteiras.
São imigrantes, emigrantes, refugiados, solicitantes de refúgio, apátridas, desalojados, deslocados, vítimas de tráfico de pessoas, estudantes internacionais, entre outros. Pessoas que se deslocam por motivos econômicos, estudos, reunião familiar, deslocamento forçado (refúgio), questões ambientais, e que lutam para reconstruir suas vidas longe de sua cultura.
Historicamente, o Brasil foi destino de variados fluxos migratórios, e ainda hoje segue sendo. A situação dessa população, que já enfrentava problemas antes da pandemia, ficou ainda mais grave. Faltam empregos e aumentou ainda mais a demora na obtenção do Registro Nacional Migratório. Além disso, apesar de haver legislações específicas para refugiados e imigrantes – a Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, para refugiados, e a Lei nº 13.445, de 24 de maio de 2017, a Lei de Migração – faltam políticas públicas para essas pessoas. Para superar os entraves, elas buscam apoio mútuo em associações e contam com a solidariedade de organizações da sociedade civil.

Vanito Ianium Vieira Cá, veio da Guiné Bissau e vive em Porto Alegre-RS desde 2012 / Foto: Reprodução NEST UFRGS
Situação desesperadora
 
“A situação é desesperadora, apesar de já esperada. É crescente o número de relatos de imigrantes que perderam o emprego e, consequentemente, a renda durante a pandemia. Obviamente, essa situação atinge toda a população brasileira, mas coloca os imigrantes em uma situação de muita preocupação e incerteza, uma vez que a permanência no país muitas das vezes depende da comprovação do vínculo empregatício”, afirma Vanito Ianium Vieira Cá, da Guiné Bissau, que vive em Porto Alegre desde 2012. Ele é doutorando em Psicologia Social e Institucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (PPGPSI/UFRGS) e membro do Grupo de Assessoria a Imigrantes e a Refugiados (GAIRE) do Serviço de Assessoria Jurídica Universitária (SAJU/UFRGS).
Conforme aponta o padre Anderson Luis Hammes, diretor da Missão Pompéia do Centro Ítalo Brasileiro de Assistência e Instrução as Migrações (CIBAI- Migrações), instituição que oferece acolhimento e auxílio para os migrantes no Rio Grande do Sul há 62 anos, os maiores desafios são: acessar os meios de uma inserção laboral adequada e qualificada, conseguir pagar o aluguel e comprar alimentos. “Têm famílias migrantes em situação de rua, com desnutrição e doentes (não de coronavírus). Em relação à saúde, faltam informações na língua nativa dos migrantes para poder acessar o SUS. A limitação na comunicação faz com que a pessoa migrante se sinta insegura para expressar suas necessidades e dores”, ilustra.
Apesar de alguns imigrantes conseguirem acessar o Auxílio Emergencial, a maioria não consegue devido à documentação. “Existem pouquíssimas pessoas que afirmam ter recebido a primeira e segunda parcela do auxílio de R$ 600,00. É preciso lembrar que a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, assegura aos estrangeiros plena igualdade de tratamento com os nacionais”, destaca Vanito. “Além disso, a nacionalidade não deve ser critério para a concessão do benefício de caráter assistencial. Para mais, a concessão desse auxílio é crucial para que as pessoas em situação de vulnerabilidade social possam cumprir as medidas de distanciamento social que visam reduzir a velocidade da transmissão do vírus”.

Missão Pompéia CIBAI - Migrações é uma das entidades que auxiliam imigrantes no RS / Foto: Divulgação.
Os imigrantes de hoje no RS
De acordo com o Relatório Anual do Observatório das Migrações Internacionais – OBMigra 2019, do Ministério da Justiça e Segurança Pública, de 2010 a 2018 foram registrados no Brasil 774,2 mil imigrantes, sendo haitianos, venezuelanos e colombianos as três principais nacionalidades. O estado do Rio Grande do Sul ficou em segundo lugar em 2018, com 35% de concessão de autorizações de residência a imigrantes, ficando atrás do Distrito Federal e a frente de São Paulo. Já de refugiados, de acordo com o Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), o país tem cerca de 58 mil pessoas, de 94 nacionalidades, sendo a maioria de venezuelanos, com 44.984, ou seja, 76,6%, seguido de Senegal e Haiti.
Em solo gaúcho, segundo levantamento do Núcleo de Pesquisas em Migração do CIBAI, existem cerca de 95 mil migrantes, o que constitui 0,84% da população do estado. Desses, 38% estão na região Metropolitana de Porto Alegre. Só na Capital são cerca de 36 mil pessoas. Em relação aos refugiados, de acordo com a coordenadora de projetos do Serviço Jesuíta a Migrantes e Refugiados (SJMR), Karin Kaid Wapechowski, a estimativa é que só na região Metropolitana de Porto Alegre existam mais de cinco mil famílias. O maior fluxo de pessoas em deslocamento no estado atendidos pelo CIBAI são de haitianos (4.449), senegaleses (1.514) e venezuelanos (1.319).
Segundo Karin, a crise humanitária, principalmente dos deslocados oriundos da Venezuela, já vem acontecendo desde 2015 no Brasil. Inicialmente de uma maneira mais invisível, a partir de 2016 começou a ter um impacto maior na economia das cidades. “Desde então, algumas medidas, tanto governamentais quanto da sociedade civil e organismos internacionais, estão sendo tomadas para atender essa nova demanda em todos os seus âmbitos de necessidades e também garantir direitos para essa população. Quando deflagrou a pandemia, vimos que o quadro de carências, necessidades e também de violações contra migrantes refugiados se agravou”, avalia.

James Derson Sene Charles / Foto: Arquivo pessoal
Falta trabalho e apoio do governo
Conforme atesta James Derson Sene Charles, presidente da Associação dos Haitianos no RS, que vive há sete anos no Brasil, cerca de 20 mil haitianos estão no estado, população que antes da pandemia já vivia em situação de grande vulnerabilidade. “Muito desemprego, a situação de moradia estava muito ruim, a documentação estava muito difícil, porque o imigrante que chega aqui pode levar até seis meses para vir a documentação. Então ele perde muita chance de emprego e quando vem o registro ele pode não conseguir o emprego. Com a pandemia a situação piorou. Mais desempregados, pessoas desligadas dos serviços, pessoas que estão vivendo de cestas básicas, muitos não conseguiram se cadastrar no Auxílio Emergencial porque estavam trabalhando e quando a demissão acontece na pandemia, não tem como se cadastrar no auxílio”, conta.
James destaca que para as mulheres, a situação é ainda mais grave. “Mulher imigrante é a que mais sofre porque não tem trabalho para as mulheres aqui no país, só limpeza e estudante. E o governo não apoia com nenhum projeto. Os que foram aprovados, a verba nunca foi liberada. Nunca teve nenhum apoio ou projeto, seja antes ou depois da pandemia.”
Dados da Relação Anual de Informações Sociais (RAIS) apontam que entre 2010 e 2018 foram emitidas 305.796 carteiras de trabalho para trabalhadores migrantes no país, sendo 76,3% fornecidas a pessoas oriundas do continente americano. No RS, segundo dados do FGTAS Sine, de janeiro de 2018 a maio de 2019, foram encaminhados para trabalho 6.557 haitianos, 1.559 venezuelanos, 555 uruguaios e 549 senegaleses. A maioria são homens e com ensino médio completo.

Mor Ndiaye / Foto: Joana Berwaner/Sul21
Imigrantes por razão econômica, os senegaleses são comerciantes ambulantes por conta da falta de emprego, conforme aponta o presidente da Associação dos Senegaleses, Mor Ndiaye. “Sabemos que o Brasil em seus últimos anos está em seus piores momentos, economicamente falando, e isso afetou bastante os imigrantes que estavam no mercado formal. Isso levou os imigrantes para o mercado informal, trabalhando para sobreviver.” Segundo ele, por conta da pandemia, os imigrantes que trabalham com o comércio de rua, impossibilitados de vender, estão em casa. “Se não tem gente circulando, não tem venda, se não tem venda não tem renda”. Estima-se que vivam no estado 4.200 senegaleses.
“Antes havia oportunidade de emprego e renda, mesmo que a questão da habitação sempre tenha sido uma dificuldade, com muitos imigrantes dividindo pequenas habitações, morando em ocupações irregulares ou de aluguel, nas periferias. Com a pandemia, piorou muito a questão do emprego e da renda, muitos foram demitidos, construção civil ficou estagnada, como muitos trabalhavam em bares e restaurantes, hotéis, no setor do comércio e serviços em geral, estão com muitas dificuldades. Até o trabalho informal foi afetado, em virtude da paralisação geral da economia”, afirma o advogado do Centro de Referência em Direitos Humanos da Associação do Voluntariado e da Solidariedade (CRDH-AVESOL), Pedro Gil Weyne.
Na avaliação de Weyne, a ajuda na esfera federal durante a pandemia “é pífia, inoperante e ridícula”. Ele destaca que o Auxílio Emergencial só foi disponibilizado por conta da movimentação da oposição e que agora há resistência do governo, inclusive, em seguir pagando por mais tempo. Em relação ao estado e o município de Porto Alegre, também há pouca resposta para os problemas. “Se por aqui a gravidade da pandemia não foi negada e foram feitas algumas medidas de contenção, ainda que não suficientes, houve promessas de auxílio-moradia específico para a população de imigrantes em Porto Alegre. Porém, até o momento, a informação que se tem é que tal política foi revisada e não será executada”, revela.
“Trabalhar passa a ser uma questão de sobrevivência, o que os torna mais expostos à superexploração do trabalho e piores condições de emprego que prejudicam a saúde física e mental”, destaca Vanito. “Aliás, é preciso recordar que a covid-19 surgiu no momento em que essas pessoas já vinham sendo atingidas fortemente pela elevada taxa de desemprego. Portanto, a pandemia só piorou as suas já precárias condições socioeconômicas”, avalia o guineense.

Maysar Hassan Ali / Foto: Arquivo pessoal

Vinte mil palestinos vivem no estado
Maysar Hassan Ali, nascida em Jerusalém e naturalizada brasileira, veio para o país com 8 anos de idade, fugindo da guerra em seu país. Cirurgiã dentista, atualmente é coordenadora voluntária do Fórum Permanente da Mobilidade Urbana, vice-presidente da Sociedade Árabe Palestina do RS e integrante do movimento das mulheres palestinas. Ela também destaca que as dificuldades já existiam antes da pandemia, por conta da situação econômica do país.
Cerca de 20 mil palestinos vivem no RS, há décadas, já que a migração teve seu fluxo em 1948. Boa parte reside em Santana do Livramento e enfrenta dificuldades, por conta do fechamento dos seus estabelecimentos. Conforme Maysar, “99% dos palestinos estão bem colocados, trabalhando com comércio, até porque faz muitos anos que estão no Brasil. Mas no atual contexto, a covid-19 está afetando os comerciantes palestinos. Está ficando bastante difícil para todo mundo”.
Ela vê com preocupação a situação dos imigrantes da última onda, como os senegaleses, que tem como cultura trabalhar com comércio de rua em todas as cidades do RS e sempre têm dificuldade com o governo ou com as guardas municipais querendo os tirar do seu local de atividade, ou como os haitianos, que trabalham em construção civil e outros setores. “Com a pandemia está muito difícil porque o trabalho deles era fazer um pouco de dinheiro com esses comércios de rua ou até com o emprego que eles conseguiam e mandar renda para a família. Agora com essa situação, tudo está fechado, tudo parado. Já estava ruim, está muito pior.”
Em 2019, de acordo com matéria divulgada pela ONU, cerca de 554 bilhões de dólares foram enviados por migrantes para seus países de origem em todo mundo. “O Banco Mundial estimou, em abril, que a crise econômica provocada pela pandemia da covid-19 causaria o ‘declínio mais acentuado das remessas na história recente’, uma baixa de 19,7%. Milhões de trabalhadores migrantes perderam o emprego, empurrando as famílias dependentes abaixo da linha da pobreza”, aponta o artigo.
Moradia e documentação
A moradia é outro ponto preocupante. Em Porto Alegre, a maioria dos imigrantes residem em bairros da zona norte, onde o aluguel é mais em conta. De acordo com Mor Ndiaye, normalmente as habitações são em conjunto, dividindo despesas. Mas há também quem, sem condições, vive nas ruas. Assim como Pedro, o senegalês aponta que o município de Porto Alegre, junto com o governo federal, entrou com um processo para ajudar os imigrantes que estavam em situação de rua com um auxílio-moradia. “Essa verba foi liberada pelo governo federal, mas ainda nada. Esses imigrantes que estavam nessa situação não receberam ainda”, assegura.
Além do auxílio, outro projeto que não saiu do papel foi a Casa do Imigrante. Um processo que vem desde 2015. De acordo com Karin, de agosto a dezembro foi elaborado um acordo entre prefeitura de Porto Alegre e o estado para a criação de Centro de Referência de Atenção aos Migrantes Refugiados. “O acordo foi assinado em dezembro e depois passou-se a várias tentativas de implementação. Esse convênio foi modificado umas três vezes e nunca se conseguiu implementar.”
Não saiu do papel
A associação dos haitianos encaminhou, nesta semana, uma carta à Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC), à Unidade dos Povos Indígenas e Direitos Específicos (UPIDE), da Diretoria-Geral de Direitos Humanos, e à Secretaria Municipal do Desenvolvimento Social e Esporte, solicitando uma reunião para falar sobre o auxílio emergencial e sobre o centro.
Questionado sobre a questão do auxílio, o secretário de Desenvolvimento Social e Esporte, Itacir Amauri Flores, afirma que a prefeitura, através da FASC, participou da Confederação Nacional dos Municípios, no dia 20 de abril. Na ocasião, “foi passada a informação de que, a partir dos dados de referência de indivíduos e famílias cadastradas no Cad Único, seriam repassados recursos financeiros aos municípios, a fim de fortalecer a execução das ações socioassistenciais e estruturação da rede de Emergência em Saúde Pública, em decorrência da covid-19”. No entanto, as orientações de utilização do recurso somente foram publicizadas no mês de maio e “a oferta de auxílio-moradia não está prevista nas orientações do Ministério da Cidadania porque não é possível o repasse em pecúnia aos beneficiários”.
Diante da impossibilidade de benefício na modalidade de repasse de auxílio direto, o secretário afirma que se buscam alternativas para as famílias de imigrantes como a dispensação de cestas básicas e kit higiene, a disponibilidade de vagas em hotéis, hostel, pensões e pousadas e a organização de espaço de acolhida temporária.
No âmbito da secretaria, afirma Itacir, “a Unidade dos Povos Indígenas e Direitos Específicos (Upide), que atende este público, tem acompanhado quando necessário e realizado alguns atendimentos”. Segundo ele, diversos projetos estão em articulação, além de ações de distribuição de alimentos em parceria com a Unidade de Segurança Alimentar e a Mesa Brasil, com instituições da rede de atendimento aos imigrantes e refugiados.
Já em relação à criação do Centro de Referência, ele explica que os esforços iniciaram em 2015, mas o objeto do convênio com o Ministério da Justiça e o Estado do Rio Grande do Sul não se efetivou diante da impossibilidade de o estado ceder o local. Conforme o secretário, a aquisição de bens e equipamentos, parte que cabia ao município foi realizada. Após anos de idas e vindas, o projeto foi retomado, agora intitulado Centro de Referência a Imigrantes no Município de Porto Alegre.
“De 2018 até o momento, foram publicados dois editais de Chamamento Público, voltados ao estabelecimento de parceria com Organização da Sociedade Civil, para o fornecimento de equipe multidisciplinar para atuação no Centro de Referência a Imigrantes em Porto Alegre (CRIM/POA)”, afirma, destacando que, em ambos, não houve manifestação de interesse e que, atualmente, há um novo chamamento público em processo de aprovação.
O apoio vem da sociedade organizada
Em meio a entraves burocráticos e desentendimentos entre as esferas de poder, padre Anderson avalia que os imigrantes acabam invisibilizados. Sem políticas públicas ou ações eficazes, resta a mobilização dos movimentos sociais e igrejas. “Os migrantes que já estão no Brasil a mais tempo com a documentação de residência puderam acessar com mais facilidade o auxílio. Mas as pessoas recém-chegadas, que são 40% dos migrantes, não conseguiram acessar e dependem de ajuda do Município e do Estado, mas ambos são nulos ou quase nulos na assistência das necessidades básicas aos migrantes. Assim a sociedade civil organizada ameniza os sofrimentos dos migrantes em Porto Alegre e região Metropolitana”, expõe o diretor do Cibai Missão Pompéia.
“Gostaria de ressaltar o trabalho da sociedade civil. É de extrema importância que os governos poderiam e deveriam dar um apoio financeiro melhor para essas instituições, que sobrevivem de doações, muitas vezes de comunidade internacional, ou locais, para que se possa atuar de uma forma mais rápida e eficiente nas demandas dessas populações. Porque a fome não espera, o aluguel não espera. São ações emergenciais que precisam ser tomadas o quanto antes. Nós executamos algumas tarefas diretamente com essas populações e procuramos também trabalhar em rede junto com outras organizações e igrejas”, ressalta Karin.

"Só a Solidariedade não pode Parar": grupos de economia solidária, catadores, imigrantes, hospitais, já foram beneficiados / Foto: Divulgação.
Como ajudar
Para aumentar o leque de proteção, durante a pandemia o CRDH-AVESOL lançou a campanha “Só a Solidariedade não pode Parar”. Conforme Pedro, grupos de economia solidária, catadores, imigrantes, hospitais, já foram beneficiados. São arrecadados tecidos para a confecção de máscaras e jalecos de proteção, alimentos e materiais de higiene, com distribuição para imigrantes, comunidades, instituições sociais parceiras e hospitais, e óleo de cozinha usado para a fabricação de sabão. Doações em dinheiro podem ser feitas na conta da Associação do Voluntariado e da Solidariedade, através da seguinte conta: Banco Santander. Agência 1001. Conta corrente 13000688-6. CNPJ 05.338.795/0001-66.
Há também a campanha “Salve uma Causa”, em que a Avesol e Ana Amaral Projetos Estratégicos se uniram para captar doações durante a pandemia para Organizações Sociais que prestam atendimento a comunidades vulneráveis. “Nos primeiros 20 dias de campanha foi muito emocionante ver a parceria de muitas pessoas físicas e empresas, conseguimos ultrapassar em quinze dias a meta inicial de repasse, beneficiando a cada uma das Organizações Sociais participantes o valor de R$ 1.000,00 para auxiliar com as despesas e custos”, ressalta Pedro. Doações em dinheiro podem ser feitas na conta da Associação do Voluntariado e da Solidariedade, através da seguinte conta: Banco Banrisul. Agência 0045. Conta corrente 06.070893.0-8. CNPJ 05.338.795/0001-66.
A Missão Pompéia CIBAI Migrações, com a pandemia, continuou o atendimento online na orientação à documentação e outras demandas como na ajuda para retirar o Auxílio Emergencial. Presencialmente, seguiram a distribuição de alimentos e vestuários. “Para ter uma noção da demanda das ajudas e serviços prestados aos migrantes, desde o dia 19 de março até 25 de junho de 2020, foram doadas 2.302 cestas de alimentos, 2.302 kits de limpeza e higiene pessoal, 816 pacotes de leite de 400 gramas, 3.220 fraldas, roupas para 500 pessoas, 70 cobertores, 5.000 máscaras, além de esperança, escuta e amor. Fazemos o bem porque é nossa missão de ser humano fazê-lo”, conclui o padre Anderson. A partir do dia 29 de junho, o Cibai retoma atendimentos para documentação com agendamento prévio ao número (51) 98450-9153.
Edição: Camila Salmazio e Katia Marko
Brasil de Fato
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São Paulo une-se à ONU para apoiar crianças migrantes com educação a distância

A Prefeitura de São Paulo está apoiando crianças migrantes e refugiadas durante a pandemia de Covid-19 com material especial de educação a distância. Em parceria com a Organização Internacional para Migrações, OIM, e o Fundo das Nações Unidas para a Infância, Unicef, a Cidade de São Paulo divulgou o programa para ajudar especialmente os alunos que ainda não têm fluência na língua portuguesa.
O projeto de integração inclui crianças de até oito anos de idade que estejam matriculadas na rede pública de ensino. A iniciativa deverá vigorar durante o período de quarentena da Covid-19, que levou ao fechamento das escolas.  A maioria dos refugiados e migrantes vem da Bolívia, da Venezuela e do Haiti.

Línguas estrangeiras

A coordenadora do Centro de Educação Étnico-Racial, Jussara Santos, contou que todos têm direitos, e que em tempos de isolamento social é preciso atender ao direito básico à educação de meninas e meninos. Para ela, o programa Neer faz exatamente isso. 
O material didático foi traduzido da língua portuguesa para três idiomas estrangeiros: espanhol, francês e inglês.  A iniciativa quer envolver os membros da família, que ao compreenderem o idioma materno, poderão ajudar os alunos com os deveres escolares. 
A tradução e distribuição do material didático foi feita com o apoio da OIM e do Unicef no Brasil. 
 O chefe da Missão no Brasil, Stéphane Rostiaux, disse que a agência quer assegurar que os migrantes e refugiados terão acesso à educação para facilitar a integração econômica deles no futuro.

Em espanhol

Já a representante do Unicef, em Brasília, Florence Bauer, acredita que é essencial reforçar o link de cada criança migrante coma escola durante a pandemia para que o ensino não seja interrompido.
Uma venezuelana de 34 anos que chegou ao Brasil, há um ano, disse que o material está ajudando a combater o isolamento social do filho dela, Dylan, de quatro anos e que está matriculado na pré-escola da rede pública. Com o material em espanhol, ela pode ajudar o filho com os deveres de casa. 
Ela elogiou a iniciativa de integração e o apoio das agências da ONU e das autoridades brasileiras para a continuidade do ensino.

Estados Unidos

A Cidade de São Paulo tem o maior número de refugiados e migrantes do país. Atualmente, são 360 mil pessoas, segundo dados da Polícia Federal.  São Paulo é também o segundo maior município a abrigar refugiados venezuelanos. Até o momento, 2,4 mil pessoas foram beneficiadas pelo programa do governo brasileiro “Interiorização” que leva os refugiados para as grandes cidades.
A OIM está apoiando essa atividade no contexto do programa “Oportunidades e Integração no Brasil”, que é financiado pela Agência dos Estados Unidos para Desenvolvimento Internacional, Usaid.
OnuNews
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sábado, 27 de junho de 2020

Juíza ordena libertação de crianças migrantes detidas nos EUA



Uma juíza federal ordenou na sexta-feira a libertação de crianças detidas com os pais em prisões para migrantes nos EUA, denunciando a detenção prolongada de famílias pelo Governo de Donald Trump durante a pandemia do coronavírus.

A ordem da juíza Dolly Gee aplica-se às crianças detidas por mais de 20 dias em três centros de detenção para famílias, situados no Texas e na Pensilvânia, todos operados pelo Serviço de Imigração e Controlo de Fronteiras (ICE, na sigla em inglês). Algumas estão detidas desde o ano passado.

Evocando a propagação do vírus em duas das três instalações de detenção de migrantes, a juíza estabeleceu um prazo até 17 de julho para que as crianças sejam libertadas com os pais ou enviadas para famílias de acolhimento.

Os centros de detenção "estão 'a explodir' e não há mais tempo para meias medidas", escreveu a juíza.

A ordem judicial aponta que o ICE mantém detidas nos seus centros 124 crianças acompanhadas pelos pais, um número que não inclui os cerca de 1.000 menores não acompanhados, detidos em instalações separadas, operadas pelo Departamento de Saúde e Serviços Humanos, segundo dados do início de junho.

A juíza supervisiona um acordo judicial de longa duração que rege o tratamento das crianças migrantes pelo Governo dos Estados Unidos, conhecido como o acordo Flores.
A ordem não se aplica diretamente aos pais detidos com os filhos, precisando que o ICE pode recusar a libertação de uma criança se não houver alternativa adequada, se os pais renunciarem aos seus direitos, ao abrigo do acordo, ou se faltarem sem justificação a uma audiência.

A juíza instou, no entanto, as autoridades a "fazerem a escolha sensata e libertarem os pais para cuidar dos filhos".

Advogados dos migrantes defenderam que o ICE deveria libertar todas as famílias, invocando a propagação do novo coronavírus nos centros de detenção.

Segundo dados do ICE divulgados na quinta-feira, 11 crianças e os seus pais testaram positivo à covid-19 no centro de detenção em Karnes City, Texas.

No centro de detenção da vizinha localidade de Dilley, pelo menos três progenitores e menores - incluindo uma criança que fez 2 anos esta semana - foram colocados em isolamento, depois de um funcionário do ICE e dois trabalhadores externos terem tido resultado positivo ao teste ao coronavírus.

Amy Maldonado, uma advogada que trabalha com famílias detidas, disse que a juíza "reconheceu claramente que o Governo não está disposto a proteger a saúde e a segurança das crianças".

Mais de 2.500 pessoas sob custódia do ICE tiveram resultado positivo no teste à covid-19. A agência norte-americana disse ter libertado pelo menos 900 pessoas consideradas de risco e ter reduzido a população de detidos nos três centros de detenção para famílias.
Apesar disso, no mês passado, o ICE considerou que a maioria das pessoas detidas representavam risco de fuga, por terem ordens de deportação pendentes ou casos em análise.

Em 2019, morreram três crianças e 13 adultos migrantes sob custódia das autoridades norte-americanas.


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