Números mostram que Cascavel está se tornando uma cidade de
estrangeiros, só este ano foram 1.300 documentos emitidos...
“Cascavel cidade hospitaleira, tu és fonte rica de labor”. Quando
o professor Nelson Tramontina escreveu o hino de Cascavel, talvez não
imaginasse que muitas décadas depois a letra fizesse tanto sentido. “O mais
lindo pedacinho do Brasil” é, de fato, uma cidade acolhedora e hospitaleira.
Foi desbravado e colonizado por milhares de pessoas que vieram de outros
estados, principalmente do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Agora, em tempos
de crises em países pobres ao redor do mundo, Cascavel abre os braços para
receber imigrantes de várias regiões do planeta, principalmente da América
Central, África e Ásia.
Os reflexos da cidade acolhedora podem ser medidos pelo número de
estrangeiros que procuram a Gerência Regional do Trabalho e Emprego em
Cascavel. O órgão federal vinculado ao Ministério do Trabalho emitiu somente
neste ano 1.305 CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social) para
estrangeiros. Se for considerado que o número total de documentos solicitados é
de 5.908, significa que 22% das carteiras de trabalho solicitadas em Cascavel
são para estrangeiros. A maior parte deles é oriunda do Haiti, país assolado
por um violento terremoto em 2010 que deixou um saldo de 300 mil mortos e
devastou o país. Desde então milhares de haitianos tem buscado refúgio no
Brasil. Depois dos haitianos, imigrantes de Bangladesh são os que mais
procuram, mas também é crescente o número de africanos da Guiné, Nova Guiné e
Mali.
É claro que nem todos os estrangeiros que procuram a delegacia do
Ministério do Trabalho permanecem em Cascavel, já que a gerência regional
absorve pessoas de várias cidades das regiões Oeste, Sudoeste e Noroeste. De
acordo com Joaquim Borges Ribeiro, gerente regional do Ministério do Trabalho,
apenas Cascavel e Foz do Iguaçu confeccionam carteiras de trabalho para estrangeiros
na região. Basta um pedido de refúgio – documento que a Polícia Federal tem a
obrigação de expedir – para que o cidadão estrangeiro tenha direito de
solicitar a CTPS.
Como os pedidos de refúgio têm validade de no máximo um ano, a carteira
de trabalho também perde a validade caso o refúgio não seja concedido pelo
Conare (Comitê Nacional de Refugiados). Segundo Ribeiro, muitas empresas que
contratam a mão de obra estrangeira têm procurado a auxiliar os imigrantes para
renovar o pedido de refúgio quando está perto do prazo expirar. Se isso não
ocorrer, a empresa é obrigada a demitir o funcionário. Se o pedido for negado
pelo Conare, o estrangeiro deixa de estar legal no país e pode ser deportado.
Preconceito
Na manhã de sexta-feira (17), José Beiz Grufé, africano da Guiné-Bissau,
procurou o Ministério do Trabalho em busca da carteira profissional. Ele contou
que chegou ao Brasil em 15 de agosto quando desembarcou em São Paulo e está em
Cascavel há menos de uma semana, onde pretende trabalhar como pedreiro. Um
primo dele veio da Guiné-Bissau há um ano e mora em Cascavel. Grufé conta que
em São Paulo chegou a fazer a carteira de trabalho, mas quando procurou o
empregador em Cascavel descobriu que sua CTPS não era para estrangeiro. Então
ele procurou a gerência regional do Ministério do Trabalho para refazer o
documento.
Grufé chegou a Cascavel bem na semana em que um caso suspeito de ebola
na cidade - já descartado - dominou o noticiário nacional. Ele diz que as
pessoas confundem a Guiné-Bissau, país de língua portuguesa, com a Guiné onde o
idioma é francês e que para diferenciar do país vizinho é chamada de
Guiné-Cronacri. Ele lembra que apesar de a ONU (Organização das Nações Unidas)
dizer que a Guiné-Bissau, junto com Mali e Senegal devem proteger suas
fronteiras devido ao surto de ebola no país homônimo, a doença não existe por
lá.
“Eu não posso dizer que não vai ter, mas no momento não existe”,
observa.
Em menos de uma semana em Cascavel, ele já sentiu na pele a
discriminação por causa de sua origem africana. Ele conta que ao entrar em um
ônibus um garoto simplesmente correu dele. “Eu perguntei: por que estás a
correr de mim?”, conta. Ele não encarou o caso como discriminação racial ou
xenofobismo, mas como medo provocado pelo caso suspeito em Cascavel que
provocou certo pânico na população. “Ele tinha razão por causa das notícias que
estava ouvindo”, diz.
Grufé afirma que decidiu vir para o Brasil em busca de novas
oportunidades para recomeçar a vida em um país onde as liberdades pessoais são
respeitadas.
“O Brasil é um país desenvolvido. No meu país, que fala português, não
tem liberdade. Eu venho como refugiado”, relata.
A grande maioria dos estrangeiros que procuram a agência do Ministério
do Trabalho em Cascavel é do sexo masculino. Neste ano, fizeram o pedido de
CTPS 1.059 homens e 246 mulheres.
Cascavel (Crédito: João Guilherme/ Gazeta do Paraná)
CGN
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