terça-feira, 21 de outubro de 2014

Carteiras de Trabalho para estrangeiros representam 22% dos pedidos

Números mostram que Cascavel está se tornando uma cidade de estrangeiros, só este ano foram 1.300 documentos emitidos...


“Cascavel cidade hospitaleira, tu és fonte rica de labor”.  Quando o professor Nelson Tramontina escreveu o hino de Cascavel, talvez não imaginasse que muitas décadas depois a letra fizesse tanto sentido. “O mais lindo pedacinho do Brasil” é, de fato, uma cidade acolhedora e hospitaleira. Foi desbravado e colonizado por milhares de pessoas que vieram de outros estados, principalmente do Rio Grande do Sul e Santa Catarina. Agora, em tempos de crises em países pobres ao redor do mundo, Cascavel abre os braços para receber imigrantes de várias regiões do planeta, principalmente da América Central, África e Ásia.
Os reflexos da cidade acolhedora podem ser medidos pelo número de estrangeiros que procuram a Gerência Regional do Trabalho e Emprego em Cascavel. O órgão federal vinculado ao Ministério do Trabalho emitiu somente neste ano 1.305 CTPS (Carteira de Trabalho e Previdência Social) para estrangeiros. Se for considerado que o número total de documentos solicitados é de 5.908, significa que 22% das carteiras de trabalho solicitadas em Cascavel são para estrangeiros. A maior parte deles é oriunda do Haiti, país assolado por um violento terremoto em 2010 que deixou um saldo de 300 mil mortos e devastou o país. Desde então milhares de haitianos tem buscado refúgio no Brasil. Depois dos haitianos, imigrantes de Bangladesh são os que mais procuram, mas também é crescente o número de africanos da Guiné, Nova Guiné e Mali.
É claro que nem todos os estrangeiros que procuram a delegacia do Ministério do Trabalho permanecem em Cascavel, já que a gerência regional absorve pessoas de várias cidades das regiões Oeste, Sudoeste e Noroeste. De acordo com Joaquim Borges Ribeiro, gerente regional do Ministério do Trabalho, apenas Cascavel e Foz do Iguaçu confeccionam carteiras de trabalho para estrangeiros na região. Basta um pedido de refúgio – documento que a Polícia Federal tem a obrigação de expedir – para que o cidadão estrangeiro tenha direito de solicitar a CTPS.
Como os pedidos de refúgio têm validade de no máximo um ano, a carteira de trabalho também perde a validade caso o refúgio não seja concedido pelo Conare (Comitê Nacional de Refugiados). Segundo Ribeiro, muitas empresas que contratam a mão de obra estrangeira têm procurado a auxiliar os imigrantes para renovar o pedido de refúgio quando está perto do prazo expirar. Se isso não ocorrer, a empresa é obrigada a demitir o funcionário. Se o pedido for negado pelo Conare, o estrangeiro deixa de estar legal no país e pode ser deportado.
Preconceito
Na manhã de sexta-feira (17), José Beiz Grufé, africano da Guiné-Bissau, procurou o Ministério do Trabalho em busca da carteira profissional. Ele contou que chegou ao Brasil em 15 de agosto quando desembarcou em São Paulo e está em Cascavel há menos de uma semana, onde pretende trabalhar como pedreiro. Um primo dele veio da Guiné-Bissau há um ano e mora em Cascavel. Grufé conta que em São Paulo chegou a fazer a carteira de trabalho, mas quando procurou o empregador em Cascavel descobriu que sua CTPS não era para estrangeiro. Então ele procurou a gerência regional do Ministério do Trabalho para refazer o documento.
Grufé chegou a Cascavel bem na semana em que um caso suspeito de ebola na cidade - já descartado - dominou o noticiário nacional. Ele diz que as pessoas confundem a Guiné-Bissau, país de língua portuguesa, com a Guiné onde o idioma é francês e que para diferenciar do país vizinho é chamada de Guiné-Cronacri. Ele lembra que apesar de a ONU (Organização das Nações Unidas) dizer que a Guiné-Bissau, junto com Mali e Senegal devem proteger suas fronteiras devido ao surto de ebola no país homônimo, a doença não existe por lá.
“Eu não posso dizer que não vai ter, mas no momento não existe”, observa.
Em menos de uma semana em Cascavel, ele já sentiu na pele a discriminação por causa de sua origem africana. Ele conta que ao entrar em um ônibus um garoto simplesmente correu dele. “Eu perguntei: por que estás a correr de mim?”, conta. Ele não encarou o caso como discriminação racial ou xenofobismo, mas como medo provocado pelo caso suspeito em Cascavel que provocou certo pânico na população. “Ele tinha razão por causa das notícias que estava ouvindo”, diz.
Grufé afirma que decidiu vir para o Brasil em busca de novas oportunidades para recomeçar a vida em um país onde as liberdades pessoais são respeitadas.
“O Brasil é um país desenvolvido. No meu país, que fala português, não tem liberdade. Eu venho como refugiado”, relata.
A grande maioria dos estrangeiros que procuram a agência do Ministério do Trabalho em Cascavel é do sexo masculino. Neste ano, fizeram o pedido de CTPS 1.059 homens e 246 mulheres.
Cascavel (Crédito: João Guilherme/ Gazeta do Paraná)

CGN

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