A comunidade haitiana de São Paulo promoveu uma grande festa
na Rua Javari para recepcionar o time de futebol amador Pérolas Negras na Copa
São Paulo de Juniores. A equipe sub-20, que estreou nesse domingo com uma
derrota por 2 a 1 para o Juventus, uniu grupos de imigrantes a brasileiros que
vibraram com os jovens estrangeiros. O jogo também serviu para um grupo de
ativistas se manifestar contra a presença de tropas militares brasileiras no
Haiti. O protesto contou com o apoio de uma das torcidas organizadas do
Juventus, que pendurou uma faixa dos manifestantes em um dos alambrados do
estádio Conde Rodolfo Crespi, no bairro da Mooca.
Entre os torcedores que foram ao jogo estavam haitianos
pertencentes a grupos religiosos e times de várzea. João Batista Júnior, de 52
anos, trabalha em uma congregação cristã em Barueri e reuniu imigrantes ligados
à sua igreja para ir ao estádio. "Essa partida significa muito para eles.
O mundo, inclusive nós, estamos de costas para o Haiti. Foi preciso um desastre
acontecer no país para que olhássemos para eles", afirmou, em alusão ao
terremoto que devastou o país em 2010. Jean Wisguerre, 39, foi um dos
imigrantes que foram ao estádio ao lado de Júnior. "É uma felicidade muito
grande. Fico com saudades de casa só de olhar para eles no campo", disse o
metalúrgico, que chegou ao Brasil há sete meses.
Nem o gol marcado pelo
juventino China, aos 27 minutos do primeiro tempo, diminuiu a emoção dos
haitianos. "Olé, olé, olé. Perle, Perle", cantavam os torcedores,
citando o nome francês dos Pérolas Negras. Aos poucos os brasileiros se uniram
aos imigrantes para empurrar a equipe estrangeira. "O Haiti mora nosso
coração", gritava um senhor.
"O Juventus é o
segundo time de todo mundo em São Paulo. Hoje é a primeira vez que todos estão
torcendo contra o Juventus", disse, entre risos, o torcedor Jadir
Nascimento. Gabriel Elie, hatiano de 35 anos, se emocionou durante o segundo
tempo do jogo. "Nunca imaginava ver isso. Brasileiros torcendo aqui com a
gente. Quase chorei quando vi que um time haitiano seria o único estrangeiro
nessa copa. Eu peço a Deus para olhar por esses meninos para que eles possam
jogar em um time grande daqui. O Brasil é o melhor país do mundo", afirmou
o imigrante, que trabalha como pedreiro.
Aos 16 minutos do segundo
tempo, o meia Bebeto Muraille fez a alegria da torcida ao converter um pênalti
e deixar o placar igual. O empate ampliou a festa nas arquibancadas e motivou
os atletas haitianos a tentarem jogadas de efeito e dribles - os lençóis eram
os preferidos dos estrangeiros. O atacante Fabrice Latortue teve a chance
de colocar os Perólas Negras na frente, mas pisou na bola e desperdiçou a
oportunidade. O erro custou caro e, aos 36 minutos, Thiago fez o gol que garantiu
a vitória do Juventus.
Apesar da derrota,
jogadores e comissão técnica saíram de campo satisfeitos com a estreia do
Pérolas Negras. "Foi um jogo lindo de se ver, sem porrada e com a bola no
chão. O público saiu daqui satisfeito e contente com o que estamos fazendo.
Perdemos o primeiro jogo, mas não estamos mortos", disse o treinador
Rafael Novaes, que é brasileiro. "A integração entre torcedores mostra a
paixão pelo Haiti. Tenho só a agradecer ao público que veio. Com certeza eles
não saíram decepcionados". Rubem Cesar, diretor executivo da organização
social Viva Rio, que financia os Pérolas Negras, assistiu aos 90 minutos do
jogo entre os torcedores e se mostrou grato pela calorosa recepção.
"Foi muito mais bonito do que eu esperava".
Protestos - A presença
dos jovens haitianos também motivou protestos de grupos contrários à missão de
paz da ONU chefiada pelas Forças Armadas brasileiras no Haiti. A intervenção já
dura mais de onze anos e tem seu fim programado para os últimos meses de 2016.
"Essa é uma campanha de frente única pela soberania do povo do Haiti. Eles
devem decidir sobre os próprios assuntos, não nós. O Brasil não pode ser a
ponta do imperialismo por lá", disse Bárbara Corrales, membro do comitê
"Defender o Haiti é Defender a Nós Mesmos". Segundo a ativista, a
"opressão das tropas estrangeiras" desencadeia o processo de
imigração em massa dos haitianos ao Brasil. "Lá eles são médicos e
engenheiros, mas chegam aqui obrigados a trabalhar na construção civil",
afirmou.
O
ex-deputado estadual pelo Partido dos Trabalhadores (PT), Adriano Diogo,
também compareceu à partida para prestar solidariedade à causa. "Não tem
cabimento o Brasil ter tropas no Haiti. É um país que sofreu tragédias e tem
dificuldades, mas não há justificativa para essa ocupação. O Haiti precisa de
autonomia, não de tutela. Hoje o país está sob intervenção militar e o Brasil
gasta um dinheiro absurdo nisso", declarou.
Uma torcida organizada do
Juventus tentou entrar no estádio com uma faixa pedindo a saída das tropas na
língua haitiana crioula, mas teve o material apreendido pela polícia militar.
"Temos uma polícia política agora? Não pode entrar com faixa apregoando a
violência, mas era uma faixa pedindo a paz", reclamou Diogo. De acordo com o
chefe responsável pelo policialmente da partida, sargento Marques, os
torcedores não haviam cadastrado a faixa num ofício que precisava ser enviado
às autoridades previamente. "Ela tinha um conteúdo político e que
precisaria ser analisado", disse o sargento.
Para Rubem Cesar, da
organização Viva Rio, a questão das tropas brasileiras é complexa e exige um
debate mais aprofundado. "As pessoas às vezes ficam muito no superficial.
Não é uma ocupação, lá no Haiti as tropas são bem-vindas. Os próprios grupos de
oposição apoiam a presença delas lá. Caso ocorra a saída dos militares, a
situação pode ficar complicada e a democracia pode dar zebra", declarou. O
técnico Rafael Novaes pediu para não comentar a situação. "Sou muito
focado na parte esportiva. Moro no centro de treinamento [em Porto Príncipe,
capital do Haiti] e quase não saio de lá. Não posso me envolver nisso porque
esse assunto não cabe a mim", afirmou.
Terra
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