Ela conta que veio ao Brasil
comprar bolsas e extensões de cabelo, para revender em seu salão de beleza. Mas
alega que foi enganada por seu contato no país, que teria colocado as drogas em
sua mala sem o seu conhecimento.
Maria ficou detida na
Penitenciária Feminina da Capital, na zona norte de São Paulo, e em novembro
passado ganhou o direito de cumprir o restante da pena - que acaba em dezembro
de 2016 - em liberdade condicional.
O problema é que, sem falar
português, sem conhecer ninguém, sem ter acesso a documentos ou formas de
conseguir trabalho, Maria ficou à deriva na metrópole.
"Todo o dinheiro que eu
tinha comigo usei para pagar aluguel de um quarto", diz Maria à BBC
Brasil, em inglês. "Não conheço ninguém aqui. Vou para lá e para cá
procurar emprego e não consigo, porque me pedem a carteira de trabalho. Quero
ir para minha casa."
Maria recebe o auxílio
jurídico da ONG Instituto Terra, Trabalho e Cidadania, que averiguou que o
inquérito de expulsão dela tramita desde 2011, mas não avançou.
Esse tipo de inquérito,
instaurado para os estrangeiros condenados por crimes considerados graves
(tráfico internacional de drogas incluído), passa pelo Ministério da Justiça e
a Polícia Federal e pode demorar meses ou mesmo anos.
A etapa seguinte prevê que
os estrangeiros aguardem a compra da passagem aérea (feita pelo governo
brasileiro), sejam escoltados ao aeroporto e enviados a seu país de origem, sem
poderem mais voltar ao Brasil. Esse trâmite também costuma ter prazo
indefinido.
Maria também aguarda, no
momento, a emissão de um Registro Nacional de Estrangeiro que lhe permita
buscar emprego enquanto cumpre o resto de sua pena e não pode sair do país. Sem
ele, por enquanto, só lhe resta tentar bicos como cabeleireira.
Segundo especialistas
consultados pela BBC Brasil, muitas histórias de presos estrangeiros têm
semelhanças com a de Maria: depois de cumprirem suas penas e às vezes durante a
liberdade condicional, eles vivem um limbo, por não terem direito (ou dinheiro)
para voltar ao seu país por conta própria, ao mesmo tempo em que enfrentam
dificuldades para obter trabalho ou moradia.
Muitos sobrevivem em
subempregos, e alguns acabam reincidindo no crime.
Resolução
O Ministério da Justiça
informou à BBC Brasil que, no ano passado, foram instaurados 40 inquéritos de
expulsão e 223 portarias de expulsão (fase anterior do processo) e ressalta que
o procedimento envolve diversas etapas, desde a coleta de provas à manifestação
da defesa.
Os dados mais recentes do
Departamento Penitenciário, de junho de 2013, dão conta de 3.191 presos
estrangeiros no país – a maior parte deles vinda dos continentes americano e
africano -, e muitos deles possivelmente passarão por experiência parecida à de
Maria.
O defensor Daniel Chiaretti,
da Defensoria Pública da União, explica que estrangeiros em liberdade
condicional têm direito à regularização migratória, ainda que muitos aguardem
meses pela expedição de documentos e carteiras de trabalho.
"E quem cumpriu a pena
fica à deriva mesmo. Quando essa pessoa está detida ao final do cumprimento da
pena, costuma ser expulsa do país mais rapidamente, em casos considerados mais
prioritários", diz ele.
"Se ela está fora da
prisão (por exemplo, em condicional) quando sua pena acaba, ela fica sem
direito à regularização migratória até a expulsão, processo que pode levar anos
ou (seguir) indefinidamente, já que a verba do governo para executá-las é
restrita. Muitos vão para o mercado informal, em trabalhos degradantes como o
de homem-placa. Os que constituem família no Brasil às vezes conseguem se
naturalizar."
Uma resolução publicada no
ano passado pelo Conselho Nacional de Imigração (CNIg), ligado ao Ministério do
Trabalho, ajudou a unificar o tratamento jurídico dado a presos estrangeiros e
a lhes garantir direitos concedidos a outros detentos, como liberdade
provisória e progressão da pena.
Mas, segundo o ITTC, esse
avanço trouxe consigo alguns efeitos colaterais.
"É ótimo poder recorrer
de sua pena em liberdade, mas os estrangeiros não contam com nenhuma estrutura,
com sequer uma política de albergues. A maioria fica sem seu passaporte (retido
nas investigações). E, sem visto (de trabalho), como eles vão viver?",
aponta Isabela Cunha, advogada do ITTC.
Dificuldades
A ONG acompanha o caso de
cerca de 400 mulheres estrangeiras no país, muitas em situação precária. O
desalento é maior em casos de estrangeiros vindos de países pobres, que têm
menos assistência consular.
Segundo o ITTC, entre as
estrangeiras, muitas são presas ao se arriscar a transportar drogas
internacionalmente para sustentar famílias pobres ou são usadas como
"iscas" por traficantes para serem pegas nos aeroportos. Sem amparo
no país após cumprir a pena, se tornam vulneráveis.
"Acabam fazendo faxina
por menos do salário mínimo; algumas se envolvem de novo com aliciadores ou
acabam sendo presas novamente, por pequenos roubos ou envolvimento com
drogas."
Cunha recorda da história de
uma egressa latino-americana que engravidou no Brasil.
"(Após cumprir a pena),
ela vivia praticamente em situação de rua, e o bebê foi levado a um abrigo. A
mãe acabou perdendo a guarda e a criança foi adotada. Ela não tem mais como
recuperá-la."
No CRAI (Centro de
Referência e Acolhida para Imigrantes no centro de São Paulo), que dá abrigo e
atendimento a estrangeiros no país, estão duas mulheres que, em liberdade
provisória, tentam conseguir emprego enquanto aguardam o cumprimento de sua
pena, explica Cleyton Borges, integrante da Sefras (entidade franciscana que
administra o centro em parceria com a prefeitura).
Borges cita uma portaria de
janeiro, emitida pelo Ministério da Justiça, que permite que o estrangeiro em
condicional ou no regime semiaberto tire carteira de trabalho.
O ministério agrega que a
portaria tira do caminho entraves administrativos que "provocavam graves
dificuldades para os presos serem ressocializados em condições isonômicas no
Brasil".
Mas não é uma solução total,
diz Borges. "Existe desde o contexto carcerário como um todo – tanto
estrangeiros quanto brasileiros sofrem muito preconceito e violência
institucional, o que os penaliza além da pena – até o excesso de burocracia
envolvendo os estrangeiros."
Reforma
Para Chiaretti, da
Defensoria, a saída seria agilizar os processos jurídicos e burocráticos via
reforma do Estatuto do Estrangeiro, atualmente em debate no governo, "com
leis mais modernas de regularização dessas pessoas".
"Até para os padrões
latino-americanos, nossas leis são atrasadas (nessa questão)", diz.
Os especialistas consultados
pela reportagem defendem, também, a expulsão antecipada de alguns presos a seus
países, enquanto ainda cumprem sua pena.
"Isso precisaria ser
visto caso a caso, mas pessoas que já cumpriram parte da sua pena e não têm
interesse em ficar no Brasil poderiam ser expulsas. O que elas vão ficar
fazendo aqui?", diz Cunha, do ITTC.
Ainda é possível transferir
alguns presos para seus países de origem, mas poucos países têm tratado com o
Brasil para tal.
O Ministério da Justiça
afirmou que existe um grupo de trabalho interministerial que desde 2014
"tem a finalidade de elaborar propostas e definir diretrizes quanto à
situação de presos estrangeiros no país".
Fonte: BBC BRASIL
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