quarta-feira, 13 de maio de 2015

Imigração: o que é soberania em Estados onde a população só pensa em fugir?


Os dirigentes europeus querem mostrar que estão decididos a enfrentar o drama das migrações clandestinas no Mediterrâneo. Mas a questão é que todos sabem que não há solução à vista. Desde o começo do ano, mais de 60.000 pessoas tentaram a travessia entre a África do Norte e a Europa do Sul, e mais de 1.000 já morreram afogadas tentando.
Milhares e milhares de imigrantes, fugindo os horrores das guerras e dos colapsos econômicos na Síria, na Eritreia, na Somália ou na Nigéria, vivem em condições infra-humanas, aglutinadas na costa da Líbia. Um ex-país, destruído por guerras civis e tribais de todos contra todos, onde não existe mais governo ou qualquer tipo de segurança.

Claro que há consenso geral de que uma solução humana deveria passar pelo restabelecimento da paz e a promoção do desenvolvimento nos países de origem dos refugiados. Só que não adianta ficar repetindo esse mantra. Esse caminho – se é que possa ser trilhado – vai levar décadas. E mesmo os primeiros passos necessitam muita coragem política e visão por parte da dita comunidade internacional. Não poderá haver nem paz nem economia funcionando sem apoio militar, policial, administrativo e financeiro às regiões “falidas”. E durante muito tempo – basta olhar para o Haiti.

Mas hoje, nenhum país no mundo tem apetite para assumir esse tipo de responsabilidade, sem falar naqueles que continuam denunciando qualquer forma de “intervencionismo” estrangeiro contrário ao sacrossanto princípio do respeito às soberanias nacionais. Mas o que é soberania em Estados onde a população só pensa em fugir a qualquer custo, enfrentando os traficantes, a violência dos grupos armados e a real possibilidade de morrer afogada, só para salvar a própria pele e ter uma pequena oportunidade de viver um bocadinho melhor? A Europa vem recebendo, a contragosto, centenas de milhares de migrantes. Mas nos países da África e do Oriente Médio limítrofes desses dramas humanos, chegam a vários milhões.

Não dá mais ficar assistindo de camarote.

Não só porque é profundamente imoral, mas também porque essa enxurrada de refugiados está criando terríveis reações racistas e nacionalistas que ameaçam diretamente os regimes democráticos e a paz na Europa. O novo plano de ação europeu tem duas pernas. Uma repressiva: um dispositivo naval e aéreo capaz não só de salvar emigrantes ameaçados de naufrágio, mas também capaz de apresar e até destruir militarmente as embarcações dos traficantes de carne humana, inclusive diretamente nas águas territoriais líbias.

É para isto que a Europa está pedindo uma autorização do Conselho de Segurança da ONU, invocando o capítulo VII da Carta. A segunda perna é triplicar os fundos para essa nova política migratória e estabelecer quotas de demandantes de asilo que seriam distribuídas automaticamente entre todos os países da União Européia a partir de uma fórmula que levaria em conta o PIB, a população, o nível de desemprego e os números de imigrantes acolhidos nos últimos anos. Um cálculo que aliviaria o peso para os países que mais recebem refugiados (Alemanha, Suécia, Inglaterra, Itália) passando parte da carga para Espanha, Portugal, Grécia, etc.

Tudo isso parece muito racional e eficiente. Só que ninguém sabe como diferenciar barcos de pescadores e barcos de traficantes, sobretudo antes de estarem apinhados de refugiados. E na Europa, alguns países já estão dizendo que não tem condições de participar no esquema. A verdade é que centenas de milhares de refugiados continuarão chegando e arriscando a vida, qualquer que seja o nível de repressão. Quem prefere arriscar morrer do que ficar em casa não tem mais absolutamente nada a perder.

A Europa também sabe disso e já está pensando numa maneira de criar canais de imigração legais que permitam que os refugiados possam evitar as redes do tráfico humano e se integrem mais facilmente nas sociedades européias. Mas isso significa aceitar a idéia de que uma boa dose de imigrantes é necessária e positiva – para a economia, mas também para a cultura e o dinamismo europeus. Uma esperança totalmente utópica nessa altura dos acontecimentos. Enquanto isso, o holocausto marítimo no Mediterrâneo continua, com o mundo inteiro olhando e chorando lágrimas de crocodilo.

- Alfredo Valladão, do Instituto de Estudos Políticos de Paris
RFI

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