Suspeita de tomar decisões
arbitrárias na concessão do protocolo de refúgio a estrangeiros no aeroporto de
Cumbica (em Guarulhos, na Grande São Paulo), a Polícia Federal se recusou a
assinar acordo para implementar mudanças na situação de imigrantes retidos sem
autorização de entrada no país.
Desde 2013, com o aumento do
fluxo migratório para o Brasil, explodiram os casos de estrangeiros –a maioria
de origem africana– retidos no conector, sala do aeroporto que se transformou,
na prática, em local de detenção administrativa e provisória.
Sem fundamentação legal –no
Brasil não há prisão administrativa por imigração irregular, como nos EUA– e
quase sempre sem o devido amparo jurídico, os estrangeiros chegam a ficar
retidos por semanas ou até meses.
O termo de cooperação entre
Ministério Público Federal, Defensoria Pública da União, Secretaria Nacional de
Justiça, Acnur (agência da ONU para refugiados) e Prefeitura de Guarulhos,
formalizado em janeiro e ainda não implementado, quer agilizar a análise dos
casos e auxiliar os estrangeiros juridicamente.
A delegacia da PF em Cumbica
afirma que não tem atribuição para firmar convênio com outros órgãos.
“Não é uma prisão, é algo
pior, pois não existe regulação a respeito”, diz Daniel Chiaretti, defensor
público que acompanha o caso. “Há uma violação ao acesso à Justiça, pois esses
imigrantes não conseguem recorrer nem à Defensoria Pública.”
Estima-se que 300 pessoas
tenham passado pelo conector no ano passado.
A Polícia Federal diz que
não se trata de detenção, mas de impossibilidade de ingresso –por decisão da
própria PF ou por recusa da companhia aérea em dar seguimento à viagem por ver
no passageiro um perfil de “risco”.
Muitos, contudo, buscam
refúgio. Em tais situações, os viajantes ficam na área restrita até retornar ao
país de origem ou regularizar a situação.
O nigeriano Jibolah (ele
prefere omitir o sobrenome), 35, ia da Nigéria para o México e passou pela
situação.
Ele disse que fugia de seu
país por causa da milícia radical Boko Haram e que tinha visto mexicano de seis
meses. Em Cumbica, conta, foi impedido pela companhia aérea de prosseguir
viagem.
Ele ficou no conector entre
28 de fevereiro e 27 de abril deste ano. Jibolah afirma ter sido agredido por
funcionários da Turkish Airlines, que queriam mandá-lo de volta para a Nigéria.
Após o episódio, ele recebeu o protocolo de refúgio e deixou o aeroporto, mesmo
não querendo permanecer no Brasil.
Pela lei, o estrangeiro que
pede refúgio deve receber um protocolo e aguardar em liberdade que seu caso
seja decidido pelo Conare (Comitê Nacional para os Refugiados), o que pode
levar um ano.
Entidades de direitos
humanos e organizações como o Acnur já protocolaram reclamações na PF sobre a
conduta, mas não houve resposta.
Procuradora da República em
Guarulhos, Rhayssa Rodrigues investigou a conduta da PF e disse não ter chegado
à conclusão de que ela negou refúgio a imigrantes.
“Mas há, sim, necessidade de
uma abordagem humanizada”, afirma. “É preciso evitar que essas pessoas fiquem
ali tanto tempo.”
OUTRO LADO
A delegacia da Polícia
Federal no aeroporto de Cumbica (SP) afirmou que não tem atribuição de firmar
convênio com outros órgãos, como o Ministério Público Federal.
“Não obstante, esta
delegacia já enviou documentos à Defensoria Pública da União, a quem compete a
defesa dos interesses de hipossuficientes, independentemente de convênio,
solicitando a assistência jurídica a estrangeiros”, disse em nota.
O atendimento, porém, ainda
não começou.
Sobre a falta de acesso dos
defensores públicos ao conector, a PF alega que a entrada na “área restrita
está adstrita” aos órgãos e empresas que operam no aeroporto, mas ressalta que,
em alguns casos, franqueou o acesso.
Quanto à longa permanência
dos estrangeiros no conector, a PF disse que há “diversas situações”, “tais
como estrangeiros sem documentação, impedindo a imediata identificação do mesmo
e de seu transportador, o que prolonga sua permanência e enseja falta de
assistência”.
A polícia também diz ser
comum omissão da companhia área na retirada dos passageiros e a demora do
estrangeiro em manifestar sua situação de vulnerabilidade.
A reportagem não conseguiu
contatar a Turkish Airlines para que ela comentasse a agressão alegada pelo
nigeriano Jibolah.
Fonte: UOL.com.br
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