quarta-feira, 17 de setembro de 2014

Estrangeiros ambulantes: a busca pelo pão do dia a dia na capital goiana

Eles tomam as calçadas centrais de Goiânia e, dali, vendem suas mercadorias tentando se manterem e ajudarem seus familiares africanos

Às oito horas da manhã, o dia de trabalho começa para Kalil Abdou. Na Rua 4 com a Avenida Goiás, ele tenta ganhar um pouco mais para ajudar os pais que vivem em outro continente. Vindo da África, há dois anos Abdou conheceu o Brasil, mais especificamente, conheceu Passo Fundo, município do Rio Grande do Sul. Ele exercia sua profissão de ferreiro, na área de Construção Civil. Aqui, na capital goiana, vende óculos escuros, vindos de São Paulo. O preço inicial é R$ 20,00. Mas, com a pechincha, pode sair por R$ 17,00.
Nos primeiros quinze dias, o lucro fez com que Abdou continuasse na cidade. Essa é a regra: se as coisas vão bem, se tem algum retorno, ele fica na região. Se não, o jeito é tentar a vida em outro lugar. “Por enquanto, as coisas não estão 100%, mas elas vão melhorar.” É assim o mercado. O africano da cidade de Dakar, capital e maior cidade do Senegal, na península do Cabo Verde, já sabe a lógica das vendas goianas. Início de mês, as coisas vão bem. Depois, as compras caem. Até que no dia cinco, os salários chegam. Aprendeu isso no curto tempo que reside em um apartamento na região central. Um mês, apenas.
Ele vive com o primo, Omar Mboup, de Mbour, cidade do Senegal, e outro rapaz também africano. Eles dividem o aluguel do apartamento. Cada um paga R$ 200,00. Abdou conhece outras duas mulheres e três homens também de Senegal e um haitiano, que tentam ajudar a família, daqui do Brasil. O consumo, ou nas palavras de Abdou, a “quantidade de pessoas que compram em Goiânia” faz a tentativa de ganhar a vida em outro país valer a pena. As mulheres trabalham com brincos, colares, pulseiras.
No centro, além de ganharem o pão do dia a dia, se alimentam no restaurante popular, onde a refeição tem custo baixíssimo: R$ 1,00, por pessoa. Melhor que o gasto de R$ 7,00 com outro prato, que pode até ser mais gostoso, mas que desperdiça as economias. A culinária goiana, ele diz, não é tão diferente da que o alimentava na África. As pessoas sim. É um dos motivos que põem sorriso em Abdou. Antes que eu conversasse com ele, uma moça brincava sobre o quão bonito, o jovem de 26 anos, é. A simpatia, a boa conversa, a hospitalidade ou calor comum brasileiro ou goiano são coisas valiosas para ele.
Às vezes, tem que “rapar o pé”. Os policiais não são tão amistosos assim com ambulantes. O verbo “rapar” é gíria de correr, “dar no pé”. Eles fogem, senão perdem a mercadoria ou aquilo que os fazem continuar aqui, o que dá dinheiro para se manterem e ajudarem os familiares, onde é e se é que existam. Eles, imigrantes, não recebem apoio do governo. Ajuda até que existe. Seja com o português, casas de abrigo ou na documentação, com visto renovável por seis meses.
“Seria bom, muito melhor” se recebesse algum apoio, ele diz. Porém, não procura essas ajudas. O que procura é um jeito de aumentar a renda por si só. Abdou faz bicos à noite. Não tem descanso, só no domingo. O custo de vida goiano, segundo ele, não é tão alto. Ainda assim, tenta aumentar a qualidade de vida. Seja mudando as raízes de lugar ou almejando cursos. Se não fossem algumas palavras em português desconhecidas, poderia arriscar lecionar aulas de francês ou wolof, línguas faladas na África Ocidental. Além, é claro, do inglês. “Muitas pessoas me dizem para dar aulas”, comentou ali, naquela tarde de terça-feira, numa esquina movimentada.


Jornal Opção

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