Eles tomam as calçadas centrais de
Goiânia e, dali, vendem suas mercadorias tentando se manterem e ajudarem seus
familiares africanos
Às oito horas da manhã, o dia de trabalho começa para Kalil Abdou. Na
Rua 4 com a Avenida Goiás, ele tenta ganhar um pouco mais para ajudar os pais
que vivem em outro continente. Vindo da África, há dois anos Abdou conheceu o
Brasil, mais especificamente, conheceu Passo Fundo, município do Rio Grande do
Sul. Ele exercia sua profissão de ferreiro, na área de Construção Civil. Aqui,
na capital goiana, vende óculos escuros, vindos de São Paulo. O preço inicial é
R$ 20,00. Mas, com a pechincha, pode sair por R$ 17,00.
Nos primeiros quinze dias, o lucro fez com que Abdou continuasse na
cidade. Essa é a regra: se as coisas vão bem, se tem algum retorno, ele fica na
região. Se não, o jeito é tentar a vida em outro lugar. “Por enquanto, as
coisas não estão 100%, mas elas vão melhorar.” É assim o mercado. O africano da
cidade de Dakar, capital e maior cidade do Senegal, na península do Cabo Verde,
já sabe a lógica das vendas goianas. Início de mês, as coisas vão bem. Depois,
as compras caem. Até que no dia cinco, os salários chegam. Aprendeu isso no
curto tempo que reside em um apartamento na região central. Um mês, apenas.
Ele vive com o primo, Omar Mboup, de Mbour, cidade do Senegal, e outro
rapaz também africano. Eles dividem o aluguel do apartamento. Cada um paga R$
200,00. Abdou conhece outras duas mulheres e três homens também de Senegal e um
haitiano, que tentam ajudar a família, daqui do Brasil. O consumo, ou nas
palavras de Abdou, a “quantidade de pessoas que compram em Goiânia” faz a
tentativa de ganhar a vida em outro país valer a pena. As mulheres trabalham
com brincos, colares, pulseiras.
No centro, além de ganharem o pão do dia a dia, se alimentam no
restaurante popular, onde a refeição tem custo baixíssimo: R$ 1,00, por pessoa.
Melhor que o gasto de R$ 7,00 com outro prato, que pode até ser mais gostoso,
mas que desperdiça as economias. A culinária goiana, ele diz, não é tão
diferente da que o alimentava na África. As pessoas sim. É um dos motivos que
põem sorriso em Abdou. Antes que eu conversasse com ele, uma moça brincava
sobre o quão bonito, o jovem de 26 anos, é. A simpatia, a boa conversa, a
hospitalidade ou calor comum brasileiro ou goiano são coisas valiosas para ele.
Às vezes, tem que “rapar o pé”. Os policiais não são tão amistosos assim
com ambulantes. O verbo “rapar” é gíria de correr, “dar no pé”. Eles fogem,
senão perdem a mercadoria ou aquilo que os fazem continuar aqui, o que dá
dinheiro para se manterem e ajudarem os familiares, onde é e se é que existam.
Eles, imigrantes, não recebem apoio do governo. Ajuda até que existe. Seja com
o português, casas de abrigo ou na documentação, com visto renovável por seis meses.
“Seria bom, muito melhor” se recebesse algum apoio, ele diz. Porém, não
procura essas ajudas. O que procura é um jeito de aumentar a renda por si só.
Abdou faz bicos à noite. Não tem descanso, só no domingo. O custo de vida
goiano, segundo ele, não é tão alto. Ainda assim, tenta aumentar a qualidade de
vida. Seja mudando as raízes de lugar ou almejando cursos. Se não fossem
algumas palavras em português desconhecidas, poderia arriscar lecionar aulas de
francês ou wolof, línguas faladas na África Ocidental. Além, é claro, do
inglês. “Muitas pessoas me dizem para dar aulas”, comentou ali, naquela tarde
de terça-feira, numa esquina movimentada.
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