Condições do abrigo para refugiados que entram no país pelo Acre melhoraram,
mas estão longe do ideal. O local, na periferia de Rio Branco,acolhe 400
estrangeiros
FRANCISCO ALVES FILHO E HERCULANO
BARRETO FILHO
Rio Branco (Acre), Rio e Brasília - Sentado em
uma cadeira de plástico, um senegalês se debruça sobre as próprias pernas,
inclina o corpo para frente e leva à boca o alimento com as mãos. Outros dobram
a tampa da quentinha para usar como colher. As cenas foram flagradas no sábado
pelo DIA em meio ao
cotidiano de centenas de refugiados abrigados na Chácara Aliança, na periferia
de Rio Branco, capital do Acre.
O local é habitado por cerca de 400 estrangeiros. A
maioria deles cruzou a fronteira pela cidade de Rio Branco, divisa com Iñapari,
no Peru. Em busca de uma vida melhor no país, uma população composta na maioria
por haitianos e senegaleses está em busca de dignidade. Com quartos, sala de
reunião e jardim, o espaço com capacidade para 200 pessoas, abriga o dobro.
De acordo com Russolino Araújo Barbosa, que
coordena a Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos do Acre, o
problema está relacionado à escassez de funcionários da Polícia Federal,
Receita Federal e do Ministério do Trabalho para legalizar a situação dos estrangeiros:
“Não podemos expulsá-los do abrigo ou liberá-los sem documentos. Aí, estaríamos
colocando estrangeiros ilegais no Brasil.”
A situação se agravou nas últimas duas semanas,
impedindo a saída diária de 44 estrangeiros, que pegam ônibus fretado em
parceria entre os governos estadual e federal em direção a São Paulo, em uma
viagem de três dias. De 2012 para cá, foram gastos R$ 6,2 milhões em recursos
públicos para alimentar e abrigar estrangeiros. Mesmo longe do ideal, a
situação é bem melhor se comparada às dificuldades enfrentadas pelos
estrangeiros antes.
Até o fim de maio, eles eram acolhidos em um campo
de refugiados em Brasileia, onde as condições de saneamento básico eram
precárias e a demora para regularizar a situação era maior. Eles — a maioria
vinda do Haiti e Senegal — dormiam em colchões jogados no chão. Como o número
era insuficiente para acomodá-los, muitos pernoitavam pelas praças e ruas da
cidade.
“Os haitianos foram colocados num campo de
refugiados, onde tinham direito a uma refeição por dia. Eram tratados como
animais”, lembra Gerson Rodrigues de Albuquerque, doutor em História Social e
um dos criadores de um comitê de apoio aos refugiados. As condições melhoraram,
mas os problemas continuam. “O Brasil faz jogo duplo. Diante da opinião pública
internacional, vende a imagem de país aberto. Na prática, o país não tem
condições para receber essas pessoas em condições dignas”, compara.
Busca por uma nova
vida no país
Um artigo sobre homossexualidade escrito em outubro
de 2012 em uma revista publicada em Sokoto, no noroeste da Nigéria, quase
condenou à morte a nigeriana Adetope (nome fictício). Ao se manifestar a favor
do casamento gay, a jornalista foi perseguida por um grupo radical islâmico e
teve a casa incendiada.
“Eu escrevi que as pessoas tinham o direito de
fazer o que quisessem para buscar a felicidade. Quem é gay na Nigéria, não pode
se revelar, porque até os membros da família se afastam. Fui caçada e tive que
fugir. Vim para o Brasil porque sei que é um país que luta pelos direitos
humanos.” Adetope desembarcou em São Paulo em fevereiro do ano passado. De
lá, seguiu de ônibus para o Rio de Janeiro. O marido dela só chegou ao país dez
meses depois. Agora, a nigeriana estuda português na Cáritas, ONG católica que
apoia refugiados no Rio. rnalista nigeriana foi perseguida por
defender casamento gay
Em meio aos estrangeiros no país, também há casos
de pessoas que estão apenas à procura de uma vida melhor. Foi o que ocorreu com
Molena Gilles, 26 anos, que deixou o Haiti e está em Rio Branco, à espera de
uma oportunidade de trabalho. “Deixei meu marido e meus dois filhos para vir
buscar uma vida melhor. Espero conseguir EMPREGO
em um restaurante. Em meu país,
trabalhava como vendedora de roupas, mas não conseguia ganhar muito dinheiro.
Espero que aqui seja melhor e pretendo trazê-los de lá. Sinto muita saudade dos
meus filhos, mas o que posso fazer?”
O sírio Muhamed Alhalabi, 30, chegou do seu país há
apenas duas semanas, com a mulher GRÁVIDA
e a filha de 3 anos. Não fala português
e só tem onde morar porque conseguiu amparo com a comunidade síria. Deixou para
trás uma vida tranquila na Síria, onde tinha uma farmácia, destruída por um
barril de pólvora jogado de um helicóptero, que deixou uma mulher e duas
crianças mortas.
Medo do ebola gera
tensão em agentes da PF
A grande onda migratória no Acre também refletiu em
um crescente temor de que o vírus ebola entre no país. Por isso, agentes da
Polícia Federal barraram a entrada de africanos, apesar do baixo risco da
epidemia chegar ao país, segundo o Ministério da Saúde e especialistas no
assunto.
Para Gerson Rodrigues de Albuquerque, um dos
criadores do Comitê de Solidariedade e Apoio aos Refugiados, o assunto deveria
ser tratado de forma profissional, com a chegada de agentes de saúde para
avaliar a situação dos migrantes. “Mas a ação é outra. Eles (policiais
federais) criam um conjunto de artimanhas preconceituosas e argumentos
mentirosos para formar uma barreira sanitária ilegal e fechar a fronteira aos
africanos. O que vemos é um pelotão armado até os dentes, como se estivesse
indo para uma batalha campal. Isso intimida.” orna nigeriana foi
perseguida por defender casamento gay
A doutora em Geografia Maria de Jesus Morais, que
elaborou um projeto de pesquisa sobre os direitos territoriais na fronteira,
também critica a atitude. “É uma maneira de alarmar e legitimar medidas para
impedir a entrada da população negra e pobre no país, fechando a fronteira com
o apoio da opinião pública. É uma medida preconceituosa e racista”, argumenta
Maria de Jesus.
Russolino Araújo Barbosa, coordenador da Secretaria
Estadual de Justiça e Direitos Humanos do Acre, explica que a única exigência
dos servidores é que sejam dados equipamentos que evitem contaminação de
qualquer tipo de doença. E que seja implantado um sistema de quarentena a
estrangeiros com sintomas como dores estomacais, diarreia, vômito e
febre. “Estamos numa situação de tranquilidade, porque não há notícias de
pessoas com ebola no Senegal”, explica Russolino Araújo Barbosa.
Validação de
diploma é desafio
A Secretaria de Estado de Assistência Social e
Direitos Humanos irá lançar, amanhã, um plano estadual de atendimento aos
refugiados no Rio. Idealizado nos últimos dois anos em parceria com o Alto
Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur), o Ministério Público e
a Defensoria Pública, o projeto tentará resolver um dos principais problemas
enfrentados pelos estrangeiros no Brasil: a validação dos diplomas de
refugiados com curso superior no país.
“Precisamos dar um suporte para que os refugiados
não estejam desprotegidos em um momento de grande fluxo migratório no país”,
explica Patricia Waked Pontes, assessora internacional e coordenadora política
de atuação aos refugiados. A validação profissional no Brasil já é uma
demanda antiga dos sírios em São Paulo.
Entretanto, a iniciativa fracassou. De acordo com o
comerciante Amer Masarani, médicos, engenheiros e enfermeiros formados ainda
não conseguiram entrar no mercado de trabalho devido a dificuldades
burocráticas. “Temos sete médicos que estão desempregados. A situação é
complicadíssima. Se for para morrer de fome aqui, é melhor morrer de tiro na
Síria. Pelo menos, você vai ser enterrado”, critica.
Quando são contratados, os estrangeiros se queixam
de receberem salários baixos por funções desprezadas pelos brasileiros, como é
o caso dos haitianos em uma empresa em Encantado, no interior do Rio Grande do
Sul. “Muito frequentemente, como em todo o mundo acontece, cabe a esse perfil
de imigrante os salários mais baixos, as tarefas mais braçais, manuais,
perigosas, insalubres e degradantes”, analisa a socióloga Letícia Mamed.
Há dois anos, o empresário João Marques,
sócio-fundador da Emdoc, uma empresa de mobilidade global de São Paulo,
criou um setor apenas para oferecer os serviços de refugiados. O primeiro, um
congolês, só foi contratado depois de oito meses. Neste ano, seis estrangeiros
foram contratados ao mesmo tempo em uma fábrica de armários embutidos em
Campinas, no interior de São Paulo.
Segundo Marques, a empresa investe cerca de R$ 100
mil anuais apenas para ajudar os refugiados: “Não é um projeto que visa o
negócio. Estamos dispostos a pagar para fazer esse projeto funcionar. Esse é o
nosso objetivo.” No Rio, o empresário José Fernandes Júnior, proprietário
do Lapa Café, já contratou 12 refugiados somente este ano. “Já contratei
sírios, congoleses e colombianos. São pessoas com hábitos e idiomas diferentes,
que estão em uma situação difícil e precisam de uma oportunidade. Essa é uma
questão humanitária”, argumenta.
Vítimas de coiotes
nas fronteiras
A Chácara Aliança abriga refugiados do Senegal, da
República Dominicana, Mauritânia, Nigéria e outros países. Muitos receberam
informações de algum amigo ou parente que já está no Brasil e que recomendou
que viessem. Apesar das origens diferentes, todos têm em comum ao menos um
trecho da viagem: passam sempre por Equador ou Peru, onde são explorados ou
roubados pelos chamados coiotes (pessoas que ajudam a fazer a travessia ilegal
em troca de uma boa quantia em DINHEIRO
).
São comuns as histórias tristes nesse trecho:
“Roubaram minha mala, cheguei aqui sem nada, apenas com a ROUPA
do corpo”, conta o haitiano Victor
Destine, de 31 anos. O pescador senegalês Ibrahim Diona saiu do seu país
em 6 de agosto, passou por Espanha, Equador, Peru e chegou no Acre oito dias
depois. “Gastei US$ 1 mil, mas dei sorte, não me roubaram”, conta.
ODIA
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