Pessoas do Senegal e da Nigéria sofrem discriminação e são isoladas no
estado ao Norte do Brasil
Diante do temor de que a epidemia de ebola chegue ao país, africanos que
tentam cruzar a fronteira entre a Bolívia ou o Peru e o Acre estão sendo
recusados por agentes da Polícia Federal. Entre os que entram, são comuns os
relatos de discriminação. Depois do fluxo de haitianos, o estado do Norte vive
uma onda migratória de pessoas oriundas de países como Senegal e Nigéria, onde
há casos registrados da febre hemorrágica, e alguns poucos vêm de Serra Leoa,
uma das nações mais castigadas pela epidemia no Oeste da África. Eles viajam,
às vezes, até mais de duas semanas até o Brasil, atraídos pelo sonho de
conseguir um trabalho.
— Se eu pego algum
passando aqui de dia, mando voltar. Não há como garantir que eles não tenham
ebola — disse ao GLOBO um dos agentes federais do Brasil que preferiu não ter o
nome divulgado.
Por conta das
notícias sobre o surto na África, quem chega de lá sente na pela a dificuldade
de socialização. Em Brasileia, grupos de africanos se isolam na praça central.
São poucos os brasileiros que se aproximam. Segundo os senegaleses que ontem
estavam por ali, o medo do preconceito é tamanho que eles não saem para pedir
comida como fazem os haitianos.
Até greve já é
cogitada
Não existe
determinação do Ministério da Justiça para a recusa dos imigrantes pela PF. Mas
o temor dos servidores os leva a cogitar iniciar uma greve no fim da semana por
falta de segurança para lidar com africanos que entram ilegalmente. Os agentes
brasileiros temem ser contaminados no contato com os imigrantes.
A rota usada é a
mesma que se popularizou entre os haitianos há quatro anos. Os africanos chegam
de avião ao Equador, onde entram sem necessidade de visto. De acordo com
informações da Polícia Federal brasileira, ali os imigrantes pobres são
cooptados por coiotes, que, com promessas de emprego, lhes propõem o
deslocamento até o Peru ou a Bolívia e, de lá, ao Acre. A passagem pela
fronteira ocorre em táxis, normalmente de madrugada.
— Paguei US$ 380 para
tomar um táxi de Puerto Maldonado (Peru) até Rio Branco — contou Mamadu Lamin,
de 28 anos, que concluiu a viagem em nove dias e está há duas semanas no país.
Ele é um dentre os
mais de 1.600 senegaleses que chegaram à região só em 2014. Nigerianos e
serra-leonenses são menos frequentes.
Quando confrontada
com questões sobre a epidemia, a maior parte dos senegaleses afirma desconhecer
a situação do ebola em seu país. Temerosos de sofrer preconceito, eles logo
desconversam. Lamin disse que as informações que recebe da família são
desencontradas:
— Alguns parentes
meus dizem que já há vários casos e que a situação é problemática no Senegal.
Outros dizem que não. Mas eu acredito que, se a epidemia continuar, mais
senegaleses vão vir.
Mesmo que não
apresente sintomas, o risco de que um africano oriundo da região epidêmica
carregue o vírus existe. O período de incubação da doença é de 21 dias. E a
viagem deles dura entre 5 e 15 dias. No caso de Lamin, seria preciso esperar 12
dias depois de sua entrada no Brasil para ter certeza de que não estaria
doente. Na região de fronteira não há inspeção sanitária. Os policiais criticam
o fato de que medidas simples, como checagem de temperatura, não são tomadas.
Os agentes afirmam que só tiveram acesso a luvas descartáveis e mais nenhum
equipamento.
— Não tivemos
treinamento para o caso de aparecer alguém com os sintomas — criticou Franklin
Albuquerque, presidente do Sindicato dos Policiais Federais do Acre, que esteve
com a ministra dos Direitos Humanos, Ideli Salvatti, para tratar do tema.
Entre as
reivindicações que a ministra ouviu está o estabelecimento de quarentena para
imigrantes de áreas de surto.
— O nosso país está
completamente à mercê de pessoas doentes. Além de não ter controle sanitário, o
posto policial funciona apenas em horário comercial. À noite eles passam por
aqui sem ser incomodados — descreveu outro agente da PF na fronteira, na cidade
de Assis Brasil, segundo o qual o posto, com cinco funcionários, tem usado três
garrafas de álcool por semana na tentativa de evitar contaminações.
O governador do Acre,
Tião Viana, médico infectologista, disse considerar as medidas tomadas até
agora pelo governo federal (basicamente, dar orientações sanitárias aos agentes
e mandar material de proteção) insuficientes.
— Existe o risco
epidemiológico, até porque temos o clima ideal para a proliferação, semelhante
ao da África. Telefonei para o (ministro da Casa Civil, Aloizio) Mercadante
para falar sobre isso na semana passada. E a (ministra) Ideli (Salvatti) sabe
que a PF e a Polícia Rodoviária iriam tomar medidas restritivas em relação aos
africanos — afirmou o governador.
Táxi usado por
imigrante é evitado
Taxistas disseram que
a população de Brasileia, Epitaciolândia e Rio Branco tem evitado o meio de
transporte devido ao uso pelos africanos.
— A gente sabe que o
pessoal leva, que dá bastante DINHEIRO, mas a gente evita
até ficar perto deles (africanos), senão perde o negócio — admitiu o motorista
Juciley Santos
O Ministério da SAÚDE sugeriu
motivações políticas nas manifestações dos policiais, além de preconceito e
discriminação contra os africanos. O secretário de Vigilância em Saúde do
ministério, Jarbas Barbosa, enviou na sexta-feira uma equipe da Anvisa ao Acre
para verificar se há algo mais a ser feito. E alegou que a triagem de saída,
feita nos aeroportos dos países que registraram casos, é o meio mais eficaz de
controle:
— Vamos fazer tudo o
que for pedido pelo Acre e fizer sentido. Quarentena é algo ilegal, e os
policiais deveriam saber. Nenhum país pode garantir que o vírus não entrará, mas
o risco aqui é baixo. Caso o vírus entre, estaremos preparados.
MARIANA SANCHES
oGlobo
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