Dois fenômenos de
características distintas, mas resultados por vezes similares, caracterizam os
novos fluxos migratórios que já são acompanhados com atenção e crescente
preocupação em muitas cidades brasileiras. De um lado estão os haitianos e, de
outro, africanos e asiáticos numa mescla de motivações econômicas, de luta pela
sobrevivência e de bases religiosas. O Brasil, transformado em player
internacional e reconhecido pela tolerância para com os estrangeiros que por
aqui aportam, é cada vez mais e apesar da distância um atrativo para quem
decide mudar de país e não se arrisca a enfrentar a xenofobia e a discriminação
hoje tão em voga em terras europeias.
Estima-se que já são 50 mil
haitianos que depois de entrarem no país por Brasileia e Epitaciolândia no Acre
(fronteira com Cobija na Bolívia) ou Tabatinga no Amazonas (tríplice fronteira,
frente a Letícia na Colômbia e Santa Rosa no Peru), buscam oportunidades nos
centros maiores do sudeste ou mesmo do sul. É uma longa jornada que os traz de
Porto Príncipe ao Panamá, dai ao Equador e Peru para então cruzarem a região
amazônica de ônibus ou em vans providenciadas por coiotes agenciadores da
viagem internacional. A pressão exercida sobre as pequenas localidades
limítrofes acreanas carentes de infraestrutura, fez com que em 2014 – quando
ficaram isoladas do centro pela enchente do rio Madeira - o governo estadual
decidisse fechar o precário abrigo emergencial de Brasiléia para simplesmente
despachar os migrantes em ônibus fretados para a capital de São Paulo.
Recente mapeamento efetuado
por pesquisadores e autoridades constatou que os haitianos estão espalhados por
27 cidades de vários estados, com concentrações maiores em São Paulo (24%) e
Manaus (13%), mas presença significativa em núcleos como Bento Gonçalves,
Caxias do Sul, Pato Branco, Brasília, Rio. A Resolução Normativa 97/2012 do
Conselho Nacional de Imigração concedeu vistos de permanência por cinco anos em
caráter excepcional para nacionais do Haiti que depois podem ser substituídos
por vistos definitivos para os que estiverem inseridos no mercado de trabalho.
Aos poucos o fluxo
migratório começou a modificar-se e em 2014 de 4 mil formulários de asilo
registrados pelo Ministério de Relações Exteriores, 1.830 foram pedidos por
bengalis. Abandonar Bangladesh e atravessar dois continentes para chegar ao
Paraguai (ou utilizando a mesma rota dos haitianos) e dai ao Brasil não é
aventura para qualquer um e faz parte de um projeto de raízes econômicas pelo
qual empresários brasileiros buscam trabalhadores de credo muçulmano para a
indústria de alimentos.
O Brasil já é, hoje, o maior exportador mundial de
carne com certificação Halal, exigida por importadores de países islâmicos que
enviam seus inspetores para verificar se o produto que estão adquirindo obedece
as regras do Alcorão, entre as quais a de que o abate deve ser feito
exclusivamente por praticantes da sua religião. Embora possa envolver bovinos,
a massa das exportações é de carne de frango. Cerca de 1,8 milhão de toneladas
de aves no mercado Halal são exportadas anualmente pelo Brasil.
O processo envolve, p.ex., o
abate somente de animais saudáveis com equipamentos e utensílios específicos
que exigem facas bem afiadas que permitam uma sangria única para minimizar o
sofrimento da ave que no momento derradeiro deve estar com o pescoço voltado
para Meca enquanto seu carrasco diz “Bismillah” (Em nome de Alá). Síria,
Malásia e Paquistão formalmente autorizaram a compra de carne Halal brasileira.
Grandes abatedouros do sul e
sudeste despacham executivos para os pontos de acesso dos migrantes para
selecionar trabalhadores saudáveis, num processo que pouco difere daquele que,
no cais do Valongo no Rio de Janeiro, precedia a escolha da mão-de-obra escrava
nos tempos do Império. Em texto publicado na Carta Capital no ano passado, a
jornalista Cynara Menezes relata que as empresas contratantes costumam isentar-se
de responsabilidades por alimentação, alojamento e integração dos estrangeiros
que acabam constituindo uma força de trabalho barata (em geral remunerada a um
salário-mínimo mensal) e terceirizada pelos intermediários reconhecidos pelas
autoridades religiosas dos países importadores. Em Marechal Rondon (Paraná),
grandes matadouros trouxeram inicialmente haitianos mas, como eles não se
adaptaram ao serviço, logo os substituíram por bengalis e senegaleses.
Em idênticas condições estão
entrando seguidores do Islã vindos do Afeganistão, Síria, Palestina, até do
Território da Caxemira, e de países africanos como Senegal, Etiópia, Guiné,
Marrocos, Congo, Angola, Moçambique. Com isso, cresce exponencialmente a
população de credo islâmico. O resultado é que o número de mesquitas já é de
41, dezesseis das quais no estado de São Paulo. Em tempos de crescente
atividade terrorista no mundo, paralelamente aumenta o receio de que possam
reproduzir-se por aqui as ações dos radicais que atacam a tudo e a todos também
em nome de Alá.
Vitor Gomes Pinto
Escritor. Analista
internacional
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