sexta-feira, 17 de abril de 2015

Deixar um pouco de lado a própria cultura ajuda na adaptação com a mudança de cidade ou país



Helena Barbosa, estudante de psicologia que morou na França, fala sobre as mudanças culturais.



Em 1998, Louis* se mudou para o Brasil para fazer uma pós-graduação na Universidade de Brasília (UnB). Quando terminou os estudos, voltou para o seu país, a Irlanda, com a mulher, Maria*, que conheceu em Brasília. Mas os dois retornaram para a capital brasileira seis anos depois. “Ela não conseguiu se adaptar ao clima e sentia muita falta da família. Naquela época, a internet ainda não tinha todas essas facilidades e as ligações para o Brasil eram uma fortuna”, lembra o professor.

Adaptar-se à mudança definitiva deu trabalho. “Houve um choque cultural. As pessoas eram desconfiadas de estrangeiros. Não foi fácil fazer parte da sociedade brasiliense. Acho que até brasileiros de outras regiões têm essa dificuldade. Imagine para quem vem de outro país.”

Fazer contatos e ser aceito demorou, conta Louis. O pouco domínio do português dificultou muito a socialização. “Tive que aprender por conta própria, não há um incentivo. Na Irlanda ou no Reino Unido, há aulas de inglês para o estrangeiro conseguir entrar na sociedade, ter oportunidades de trabalho”, compara.

José Zuchiwschi, professor de antropologia da UnB, acredita que o primeiro passo para se adaptar mais rápido a uma nova cultura é deixar a própria um pouco de lado. “É primordial se despir dos seus costumes para vivenciar os dos outros de maneira totalmente aberta. Mas aí está também a principal dificuldade.”

Zuchiwschi explica que existem várias etapas durante o processo de adaptação. Uma delas é sentir falta da própria cultura. “De conversar na língua nata, ter contato com elementos tradicionais”, detalha. Há a etapa do deslumbre, em que tudo novo é bonito, diferente. “Depois desse momento, a pessoa começa a perceber os problemas por ser uma estrangeira e as complicações sociais, políticas e econômicas do país e da condição dela”, detalha.

É nesse ponto que a maioria dos estrangeiros decide voltar para casa, destaca o especialista. Estudos estimam que entre oito e 10 anos começa a vontade de retornar. As pessoas percebem que a condição de estrangeiro sempre vai existir e começam a viver os problemas do país em que estão. “Infelizmente, algumas pessoas menosprezam a cultura do outro, e esse é um problema que o estrangeiro encontra. Podemos destacar as diferenças como algo complicado, mas devemos vê-las de forma positiva. Apesar das diversas culturas, é possível notar o quanto somos iguais”, diz Zuchiwschi.

Mesmo gostando do Brasil, Louis acredita que não faria a mesma escolha novamente, mas voltar para a Irlanda não é mais uma opção. “Provavelmente, seria difícil me readaptar (aos costumes do país). Além disso, seria mais complicado conseguir um trabalho lá, meus pais já faleceram”, pondera.

Lá fora

Helena Barbosa, 23, fez o caminho contrário. Mudou-se para Angers, na França, para estudar. Apesar de a adaptação não ter sido muito difícil, a estudante de psicologia percebeu diferenças entre o comportamento dos brasileiros e o dos franceses. “Achava-os bastante fechados, não são muito acolhedores.”

Acostumada a ter uma boa relação com os docentes da UnB, onde estuda, Helena se incomodou com contato entre professores e alunos na universidade francesa. “Lá, os professores são extremamente distantes, o modelo de ensino é muito diferente do nosso. O professor entra no auditório sem falar nada, espera todo mundo ficar em silêncio e dá aula. Não tinha uma interação direta. Na UnB, os professores estão o tempo todo perguntando o que estamos achando. A relação é totalmente diferente”, compara.

Para se acostumar com a nova rotina e a nova cultura, processo que não demorou muito a acontecer, a estudante contou com ajuda de brasileiros. “Meu irmão, por exemplo, foi para a Austrália e demorou um bom tempo para se adaptar. Comigo não aconteceu isso. Algumas coisas me ajudaram, como viajar com uma amiga do meu curso, ter contato com vários brasileiros e poder falar a língua. Se não fosse assim, eu acredito que teria sentido mais o choque (cultural).”

Ter contato com novas pessoas foi fundamental para a adaptação. “Conheci no meu curso umas meninas que me ligavam para chamar para sair, perguntar como estavam as coisas. Não foram acolhedoras igual aos brasileiros, mas muito simpáticas.” Mesmo com toda a ajuda, os cinco meses em Angers não fizeram com que a cidade francesa se tornasse o lar de Helena. “No fim, eu estava gostando bastante, mas eu não me sentia em casa. O clima é diferente, as comidas também.”

Na volta ao Brasil, a estudante não esperava se incomodar com os hábitos do próprio país, mas foi pega de surpresa. “Senti muito. Quando fui para a França, já imaginava sentir a diferença. Na hora de voltar, não estava esperando essa sensação.” Voltar a falar português foi a maior dificuldade. “Soltava o francês sem querer na rua”, diverte-se a jovem.

O antropólogo José Zuchiwschi ressalta que é comum que o choque cultural também ocorra no retorno para a cidade natal. “Algumas pessoas começam a achar a cultura do próprio país estranha e passam pelo mesmo processo de adaptação que se deu no exterior.” Nesses casos, a readequação costuma ser mais fácil e menos demorada.

Menos fluxo

Segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de estrangeiros vivendo no Brasil vem caindo nas últimas décadas. Eram 510.068 em 2000 e 431.319 10 anos depois — uma queda de 15,4%. Em 2010, a maioria dos nascidos no exterior vivia em São Paulo, no Rio de Janeiro, Paraná, Rio Grande do Sul e em Minas Gerais. A maioria morava nas unidades da Federação há menos de 10 anos ininterruptos. Ainda conforme o IBGE, os fluxos mais intensos de migração do exterior para o Brasil ocorreram até a década de 1950. Em 1970, havia 1.082.745 estrangeiros no país. Em 1980, 912.848. E em 1991, 606.636.

"Algumas coisas me ajudaram, como viajar com uma amiga do meu curso, ter contato com vários brasileiros e poder falar a língua. Se não fosse assim, eu acredito que teria sentido mais o choque" - Helena Barbosa, a estudante de psicologia morou na França durante cinco meses

Estranhos conterrâneos

Não só a mudança de país causa estranhamento. Às vezes, quem troca de cidade dentro do Brasil também precisa de tempo para se adaptar ao novo endereço. “Somos muito grandes e com diferenças culturais bem características. Uma pessoa que sai de uma região brasileira para outra vai passar pelo mesmo processo”, observa José Zuchiwschi, professor de antropologia da Universidade de Brasília (UnB). Nesses casos, acostumar-se com a nova casa pode ser mais simples. Não há barreiras de idioma, e a cultura, apesar de variar, não surpreende tanto quanto a de outra nação.

O baiano Jackson morou 12 anos em Manaus antes de Brasília: "Aprendi a mudar meus hábitos alimentares"


Ao ir morar em Manaus, em 1989, por causa de uma transferência profissional, Jackson Fiel, 68 anos, não enfrentou muitas dificuldades. “Apesar das diferenças, eu me adaptei rapidamente. Tenho essa facilidade”, diz. Desde os 17 anos, quando saiu de casa pela primeira vez, o auditor contábil viveu em Vitória da Conquista (BA), Brasília e Boa Vista. A maior dificuldade, segundo ele, era a vontade de ter os parentes por perto. “No início, senti muitas saudades da família, mas procurei me entregar totalmente ao trabalho”, conta.

Os roteiros de Jackson são cada vez mais comuns. Segundo dados do último Censo, 14,5% dos brasileiros moram fora da unidade da Federação em que nasceram. De uma forma geral, a grande maioria da população das cidades é nata, média superior a 80%. Distrito Federal, Rondônia e Roraima, porém, têm cenário contrário. Encabeçam a lista em que há maior porcentagem de migrantes – 47%, 43,5% e 38,3% dos habitantes, respectivamente.

Jackson explica que sentiu as diferenças culturais principalmente na culinária. “Eu era extremamente apreciador de carne vermelha. Lá em Manaus, aprendi a mudar meus hábitos alimentares.” A gastronomia da Região Norte é composta, em sua maioria, por peixes encontrados no Rio Amazonas. A música local também trouxe novidades para o auditor. “Tem muito pagode e o boi-bumbá, dança típica brasileira”, lista.


Os 12 anos vivendo na capital amazonense o fizeram virar um grande apreciador da cidade. “Manaus é maravilhosa, rica com suas florestas, seus rios e seu folclore, que atraem turistas do mundo todo”, diz o baiano, morador de Brasília desde 2001.



Correio Braziliense

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