Continente mostra preocupação apenas com a proteção
territorial. Nenhum governo ou instância de países da África participa das
reuniões sobre o problema
Risco de naufrágio:
condições econômicas e sociais dos países africanos estão na origem do problema
A relação dos europeus com
os náufragos nas suas costas expressa, da forma mais radical, a concepção
predominante no Velho Continente, conforme o antigo adágio: civilização ou
barbárie. A preocupação dos governos europeus é apenas a proteção do seu
território, para que episódios dramáticos, como os que vêm acontecendo há
tempos e se agudizando nas últimas semanas, deixem de ocorrer ou diminuam. Não
há nenhuma posição em relação às causas da imigração.
É de tal forma escandalosa a
postura europeia, que nenhum governo ou instância africana participa das
reuniões que buscam soluções para os problemas. As únicas referências a
governos africanos são ao Marrocos e à Tunísia, buscando apoiar ações que
permitam dificultar a saída de embarcações – já que a Líbia, que antes
funcionava como contenção para essa saída, agora nem sequer um Estado tem.
O que significa que os
governos europeus nem cogitam atacar a raiz dos problemas, os que geram a
imigração maciça para a Europa desde a África. As condições econômicas e
sociais dos países africanos estão inquestionavelmente na origem do problema. E
estas condições, por sua vez, têm raízes históricas diretamente vinculadas à
Europa.
A África foi não somente
explorada profunda e extensamente nos seus recursos naturais pelas potencias
colonizadoras europeias, como foi vítima da mais brutal dos crimes – a
escravidão. Milhões e milhões de africanos foram arrancados do seu mundo para
serem transferidos para um continente alheio, para trabalhar como raça
inferior, produzindo riquezas para a elite branca europeia.
Nenhum país ou continente
pode resistir a esses mecanismos cruéis sem sofrer duramente suas
consequências. A África foi colonizada até poucas décadas atrás e, mesmo com a
independência, não mudou sua situação econômica e social, porque seguiu sendo
explorada nos seus recursos naturais.
A imigração de africanos
para um dos continentes mais ricos do mundo – em grande medida por ter sido
colonizador e escravizador – é um fenômeno que ocorre já há algumas décadas.
Porém, pelo menos uma parte desses trabalhadores imigrantes eram absorvidos,
porque eram funcionais a um mercado de trabalho que necessita de mão-de-obra de
pouca qualificação, para funções secundárias.
Porém, mesmo nesses
momentos, foi se desenvolvendo um sentimento discriminatório muito forte,
incentivado pela direita, diante de uma esquerda que tampouco sabia como tratar
o tema. O medo de perder empregos – totalmente falso porque os africanos ocupam
postos que os europeus não aceitam ocupar – e lugares nas escolas ou nos
serviços de saúde funcionam como mecanismos de discriminação e hostilidade com
os imigrantes.
Quando veio a crise
econômica, que atinge frontalmente a Europa, em 2008 e ainda sem prazo para
acabar, a África foi afetada de várias maneiras. Por um lado, a retração
europeia foi exportada para os países africanos pela diminuição da demanda dos
seus produtos e pela retração nos investimentos. E, por outro, especialmente em
alguns deles, pela diminuição brusca do turismo, que em alguns países é um
fator essencial para o emprego e a economia no seu conjunto.
Nestes anos de crise, as
tentativas desesperadas dos africanos de chegar à Europa se intensificaram,
enquanto que o desemprego e a expulsão de trabalhados imigrantes nos países
europeus aumentou a crise. Como resultado das políticas de austeridade, no fim
do ano passado foram reduzidos os recursos para a busca e tentativa de
salvamento das vítimas dos naufrágios.
Como resultado dessa
combinação de fatores, a quantidade de tentativas de chegada à Europa e o
número de pessoas envolvidas nelas aumentou exponencialmente. Neste ano, o
aumento faz prever um resultado total de mortos dez vezes maior do que em 2014.
E a Europa os trata como
“bárbaros”, como “selvagens”, os desconsidera como seres humanos. Milhares
morreram, outros tantos foram devolvidos para a África. Agora são considerados
produtores de cenas e situações incomodas para os europeus. Estes não atuam
para tentar evitar que os africanos sejam induzidos a viajar por suas
necessidades, mas apenas tentam dissuadi-los pela força e pela demonstração de
que a Europa não está disposta a recebê-los, menos ainda a ajudá-los a ficarem
nos seus países, com o apoio econômico que a África nunca recebeu, minimamente,
como ressarcimento dos sofrimentos impostos a ela pelos colonizadores.
Rede Brasil Atual
Nenhum comentário:
Postar um comentário