O europeus indignam-se mas
ainda não tomaram nota da dimensão das novas vagas migratórias. Dão conta da
tragédia dos fugitivos sepultados no mar mas não das consequências da “onda de
imigração bíblica” de que falam os italianos. “No meio das muitas crises com
que a Europa se debate, a imigração através do Mediterrâneo surge entre as mais
graves pelas suas proporções em termos de pessoas e dos valores morais
envolvidos”, resume a Limes — Rivista italiana di geopolitica. “O número de
pessoas dispostas a arriscar a morte para chegar ao nosso continente não
diminuirá.” A Europa está sentada em cima de uma “bomba migratória”. Não é uma
emergência, é uma realidade nova.
Vêm de toda a parte e por dezenas
de rotas controladas por traficantes — os novos esclavagistas. Fogem das fomes
e, sobretudo, das guerras. Paolo Becegato, da Caritas, faz uma análise simples.
“No plano geopolítico internacional, assistimos ao regresso da guerra como
instrumento da resolução dos conflitos internacionais.” Na viragem do século,
houve uma diminuição dos conflitos no mundo, mas este voltou a crescer depois
de 2006. “A consequência foi o crescimento dos fugitivos, dos refugiados, das
destruições e tudo o resto.” Tão grave como as guerras é a implosão dos
Estados.
Milhares e milhares esperam
a sua hora na Líbia. Um fugitivo da Somália, que há meses tenta a travessia em
Misurata (porto líbio), diz ao repórter: “Para mim, voltar à Somália, à sua
insegurança e miséria, está fora de questão. Voltarei a tentar chegar à Europa.
Antes morrer do que renunciar.” Num campo de refugiados italiano, diz um
eritreu: “Sabe por que vim? Porque no meu país era um escravo, um escravo desde
criança, condenado a partir pedra. Aqui ao menos vivo.” Explica um fugitivo
sírio: “Aqui ninguém nos quer e contento-me em não ter ido para um campo pior.
Isto é já um paraíso, um paraíso com sombras se preferir. O que deixo atrás de
mim são ruínas, dois irmãos assassinados. Como ficar a ver massacres e gente
sepultada viva?” Chegar à Europa é tentar a esperança — ilusória ou não. “Uma
maravilha.”
Milhões de pessoas olham
para a Europa. Afirma um especialista francês, François Guemenne: “Uma
fronteira fechada não detém um imigrante que pagou 5000 dólares e está disposto
a arriscar a vida. Em Ceuta e Melilla, a mesma pessoa pode tentar cinco, dez,
cem vezes a passagem. A interdição nada impede, apenas incita ao risco.”
Avisa a repórter italiana
Karima Mouai: “Eles não pararão. É a primeira sensação que se tem quando se
trocam algumas palavras com quem vem do Sul do mundo e arrisca a vida,
paradoxalmente, para viver. (...) O que está a acontecer no nosso Mediterrâneo
não se resolve com receitas simplistas. Porque quando eles se põem a caminho
não pararão.”
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