Dados inéditos da fundação internacional Walk Free revelam
que cerca de 35,8 milhões de pessoas são mantidas em situação de escravidão no
mundo. O relatório de 2014 da organização ainda será lançado no dia 18 de
novembro e a versão em português será apresentada em 1º de dezembro, no Rio de
Janeiro, durante a entrega do Prêmio João Canuto, de direitos humanos.
Em entrevista à Agência Brasil, a
representante da Walk Free no país, Diana Maggiore, conta que o número de pessoas
escravizadas hoje cresceu 20%, em relação aos 29,8 milhões de pessoas apontadas
no The Global
Slavery Index 2013, o primeiro relatório da organização.
Segundo a Walk Free, no Brasil há cerca de 220 mil pessoas trabalhando
como escravos. Maggiore explicou que, em 2013, pela primeira vez, o número de
pessoas resgatadas de situações de escravidão no setor urbano foi maior que no
setor rural no país. “Por causa dos eventos esportivos, tivemos muitos
registros na construção civil e a tendência deve continuar até as Olimpíadas. O
Brasil está crescendo, daqui a alguns anos pode ser diferente”, disse.
Entre as formas de "escravidão
moderna" estão o tráfico de pessoas, o trabalho infantil, a exploração
sexual, o recrutamento de pessoas para conflitos armados e o trabalho forçado
em condições degradantes, com extensas jornadas, sob coerção, violência, ameaça
ou dívida fraudulenta. Os últimos dados da Organização Internacional do Trabalho (OIT), de 2012, apontam que quase
21 milhões de crianças e adultos estão presos em regimes de escravidão em todo
o mundo.
O maior número de trabalhadores
forçados, segundo a OIT, está na Ásia e região do Pacífico, com 11,7 milhões de
pessoas nessas condições. No último dia 23 de outubro, Sandra Miranda, de
Brasília, recebeu uma encomenda do site chinês AliExpress com
um pedido de socorro: “I slave. Help me [Sou escravo, ajude-me]”. A filha da
advogada colocou a foto da mensagem nas redes sociais e já teve mais de 15 mil
compartilhamentos. “Fiquei perplexa, pensei até que fosse brincadeira, mas o
pacote estava muito bem fechado, então veio mesmo de quem embalou”, disse.
“A alegação feita contra um dos vendedores da plataforma AliExpress está
sendo investigada”, respondeu a empresa do Grupo Alibaba à Agência Brasil.
Segundo Sandra Miranda, um representante da empresa entrou em contato e
explicou que o site apenas revende os produtos que já chegam embalados de
diversas fábricas e que precisaria rastrear de qual vendedor veio o seu
produto.
A Embaixada da China no Brasil respondeu dizendo que o país asiático tem
leis que proíbem rigorosamente o trabalho escravo e um órgão que atua para sua
erradicação, similar ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) no Brasil. Sobre
o pedido de socorro no pacote de Sandra Miranda, não há solução, segundo a
embaixada, já que no bilhete não havia nome, nem nada que pudesse levar à
identificação da vítima.
A mensagem, entretanto, chamou atenção para a situação dos trabalhadores
daquele país. Segundo o coordenador Nacional do Programa de Combate ao Trabalho
Forçado da OIT no Brasil, Luiz Machado, o perfil de trabalhadores escravizados
na Ásia não é muito diferente de outros lugares do mundo. São pessoas pobres, a
maioria mulheres e crianças, por serem mais vulneráveis, que geralmente migram
do seu local de origem, dentro do próprio país ou não, por conta própria ou
forçados, e sem educação formal aceitam qualquer proposta de trabalho; podem
ser enganadas ou ter a liberdade cerceada e acabam aceitando a exploração por
ser a única forma de ganhar um pouco de dinheiro ou comida.
O coordenador da OIT explica que qualquer governo que tenha relações
comerciais com outro país e que perceba que, no processo de fabricação de seus
produtos, há a utilização de trabalho escravo, pode impor condições para sua
comercialização, assim como faz o setor privado.
Segundo o Ministério das Relações
Exteriores, o Brasil não mantém acordos bilaterais de combate ao trabalho
escravo nem impõe sanções unilaterais a outros países por questões sociais. “O
Brasil defende que eventuais sanções sejam determinadas por órgãos
multilaterais como o Conselho de Segurança das Nações Unidas. Na área de
combate internacional ao trabalho escravo, o país participou neste ano, em
Genebra, da elaboração do novo protocolo da Convenção da OIT sobre
trabalho escravo. O governo brasileiro deverá ser um dos primeiros países a
ratificá-lo”, disse o Itamaraty, em nota.
De acordo com Luiz Machado, o Brasil
é um dos pouquíssimos países que tem estrutura específica de combate ao
trabalho escravo, que são os grupos de fiscalização móvel do MTE, em parceria
com a Polícia Federal. De 1995 até 2013, quase 47 mil vítimas foram resgatadas da situação de escravidão no Brasil, entre brasileiros
e estrangeiros. Historicamente, os setores agropecuário e sucroalcooleiro são
os que mais aparecem na lista suja do trabalho escravo, mas a construção civil
e a moda vêm ganhando destaque.
Para o coordenador da OIT no Brasil, o país deve se preparar para
enfrentar a questão da imigração, já que cada vez mais latino-americanos,
africanos e asiáticos estão vindo em busca de trabalho. “Não há um processo
ainda desburocratizado para apoiar o trabalhador migrante. O Estatuto do
Estrangeiro, de 1980, tem que ser revisado e adequado ao novo cenário global de
fronteiras”, argumentou Machado.
Agência Brasil | De Andreia Verdélio
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