O Senado argentino,
com maioria kirchnerista, aprovou no dia (19) o projeto de
reforma do Código Processual e Penal, enviado pelo Executivo ao Congresso no
final de outubro. Com 39 votos a favor e 24 contrários entre os senadores, a
nova norma ainda precisa passar pela Câmara de Deputados, onde o governo também
tem maioria.
O novo Código gerou
controvérsias até mesmo dentro do bloco governista, por conta de parte do
artigo 35, que muda as regras para a expulsão de estrangeiros que cometerem
delitos no país. O projeto reacendeu o debate sobre imigração na Argentina,
país que na última década adotou uma das políticas migratórias mais abertas do
mundo.
Quando a presidente
Cristina Fernández de Kirchner anunciou, em cadeia nacional de rádio e TV, que
enviaria ao Congresso o projeto de reforma do Código Processual e Penal, um
ponto de seu discurso chamou atenção: um giro nas políticas para imigrantes,
com as novas regras para o tratamento penal de estrangeiros.
Depois de sofrer
mais de 40 modificações em comissões do Senado, a proposta votada ontem inclui
a possibilidade de expulsão do país para estrangeiros presos em flagrante ou
por delitos com pena prevista de até três anos. A alternativa seria ir a
julgamento, sem o benefício de penas alternativas, como prestação de serviços à
comunidade, em casos em que as mesmas medidas seriam cabíveis para cidadãos argentinos.
A norma pode ser
atenuada em casos que vulnere o direito a reunificação familiar. Os
estrangeiros que estejam regularizados também podem solicitar um tratamento
equivalente ao que é dado aos cidadãos argentinos.
Poder excessivo a policiais
Um dos pontos mais
problemáticos do novo Código é a falta de definição clara de quais delitos
estariam alcançados pela nova norma, o que a atual lei de imigração já faz.
Além de um conflito normativo – entre o texto que regula a imigração e o que
vai regular os processos e o sistema penal -, o novo Código pode ser usado para
encarcerar estrangeiro por delitos menores.
Um deles é a
violação à Lei de Marcas. Preso em flagrante por venda de rua de produtos sem o
registro de marcas e patentes, um estrangeiro poderia ser expulso do país. A
venda de artigos em comércio de rua é tradicional dentro da comunidade
boliviana, por exemplo.
Para Diego Morales,
diretor da área de Litígio e Defesa Penal do CELS (Centro de Estudos Legais e
Sociais), a aplicação do novo Código pode dar poderes excessivos a policiais e
juízes, além de colocar o estrangeiro em um “dilema.”
“A pena alternativa
passa a ser ir embora do país. O estrangeiro tem que decidir entre duas
situações complicadas: ir embora ou ser julgado”, pondera. “O novo Código
também não te dá a possibilidade de discutir a sua situação com o Departamento
de Imigração, então o problema passa a ser resolvido pela máquina do sistema
penal: policiais, fiscais e juízes. É dar muito poder a funcionários que não
estão preparados para lidar com questões migratórias.”
Declarações xenófobas
Nos últimos meses,
o discurso que associa estrangeiros ao delito tem ganhado força na Argentina.
Em meio a um alarmismo – considerado infundado por especialistas – de que o
país estaria rumo a uma situação parecida à de Colômbia e México no que diz
respeito ao poder do tráfico de drogas, os cidadãos colombianos que imigram ao
país passaram a a ser alvo de suspeitas e declarações xenófobas.
Quando o projeto de
reforma do Código chegava ao Congresso, o Secretário Nacional de Segurança,
Sergio Berni, declarou em entrevista à Rádio Vorterix que o país está
“infectado de delinquentes estrangeiros que vêm delinquir amparados pela
lassidão judicial”. Na ocasião, Berni associou um tiroteio em uma tentativa de
assalto a um fiscal da justiça a cidadãos colombianos.
Para Morales, é
perigoso que funcionários de alta hierarquia façam esse tipo de declarações, e
que o resultado seja a formulação de políticas públicas a partir de argumentos
que ele considera “falazes, inverossímeis e carentes de racionalidade”. “Se o
Secretário de Segurança, chefe político das polícias, emite esse tipo de
argumento, o policial na ponta da hierarquia, o oficial que trabalha na rua,
também vai chegar a esse tipo de conclusão com facilidade”, aponta. “Quando
isso termina em uma reforma legislativa é ainda mais grave, porque deixa de ser
um comentário aceito por um grande número de pessoas na sociedade ou por
funcionários policiais, e passa a ser aceito por toda a comunidade política.”
Segundo um
relatório sobre prisão e imigração publicado pela Procuradoria Penitenciária
Nacional com dados de 2012, os estrangeiros representam 6% do total de presos
na Argentina, enquanto representam 4,5% da população residente no país. O
relatório indica que esse número se manteve constante desde 2002 e que a
super-representação de estrangeiros no sistema penal é consequência de “um
processo de criminalização mais intenso, que pode ser consequência de uma maior
criminalidade, de discriminação no sistema penal ou uma mistura de ambas
coisas”.
Morales lembra que
nos anos 1990, quando a Argentina tinha altos índices de desemprego, houve uma
onda de declarações parecidas por parte de funcionários do governo de Carlos
Menem (1989-1999) e sindicalistas, que atribuíam a falta de postos de trabalho
à imigração. No entanto, desde 2003 o país adota políticas migratórias amplas e
com foco no direito humano de migrar.
“Antes havia um
desenho institucional e normativo que apontava contra o imigrante. A lei atual
é muito mais progressista, reconhece o direito ao acesso à Justiça, a igualdade
em matéria trabalhista, de saúde, de educação, amplia as possibilidades de
radicação. A Argentina foi vanguarda no Mercosul, quando foi pioneira em
implementar a livre circulação e residência para membros do bloco. As
declarações de Berni e da própria presidente desarmam, em parte, essa
política”, avalia Morales.
Opera Mundi
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