Muitos cristãos, armênios e curdos que
fugiram nos últimos anos do noroeste da Síria, voltam à terra natal. No
exterior, eles sofreram exploração, más condições de vida e discriminação.
Harrod Joseph, de 25 anos, acaba de
voltar da patrulha num bairro cristão no nordeste da cidade síria de Qamishli,
bem na fronteira com a Turquia. Meio ano atrás, ele se juntou à força de
segurança sírio-cristã Sutoro, que trabalha para proteger o centro urbano dos
três cantões dominados pelos curdos, no norte da Síria. Ele acabava de retornar
de oito meses na Armênia e outros oito no Líbano.
"Eu estava preocupado com a
situação e queria continuar meus estudos, por isso fui para Armênia",
conta Joseph, em entrevista à DW. Mas a ex-república soviética não fez jus a
suas expectativas. Ele planejara enviar dinheiro para seus familiares na Síria,
mas em vez disso teve que pedir emprestado a eles, por não conseguir emprego.
Por fim, arrumou trabalho como
lavador de pratos num café, mas o salário era tão baixo que mal dava para a
subsistência no apartamento de dois quartos que compartilhava com outros sete
sírios. "Nós, sírios, recebíamos salários bem baixos mesmo, e só empregos
que não exigiam nenhuma habilidade ou formação. Não se pode dizer que foi uma
recepção calorosa, me sentia como um estranho. É claro eu eles eram armênios,
mas eu sou um armênio-sírio e isso fazia uma grande diferença", lembra
Joseph.
Ao perceber que não havia
oportunidades de estudo ou emprego à vista na Armênia, ele viajou para o Líbano
para lá atravessar a fronteira para a Síria, mas ficou preso na região por oito
meses, porque a travessia e o caminho de volta não eram seguros. Por fim,
Joseph conseguiu retornar a Qamishli: depois de 16 meses fora, a cidade lhe era
praticamente irreconhecível.
"Nos primeiros dias da
revolução, não havia postos de controle nem partidos políticos nas ruas",
recorda. "Quando eu voltei, a cidade estava completamente diferente e nova
– até mesmo as pessoas tinham mudado. Tanta gente deixou a cidade e tantos
refugiados haviam chegado!"
Joseph se diz feliz por estar
apoiando a família, mas espera um dia poder continuar os estudos na Europa.
"Se saísse de novo, eu não iria sozinho, levaria a minha família. Não
quero que a mesma história se repita."
Lutando juntos
Muitos curdos do noroeste da Síria se
engajam na luta contra o EI
Muitos dos entrevistados pela DW no
noroeste da Síria criticam os que optam pela Europa. Os curdos, em particular,
enfatizam a necessidade de proteger a própria terra, identidade e povo contra a
investida do "Estado Islâmico" (EI).
Aboud, um dos superiores da Sutoro,
partilha desses sentimentos. "Queremos impedir a migração de assírios
[grupo étnico com raízes na Síria, Israel, Jordânia, Líbano, Iraque, Egito,
Turquia e Irã] para a Europa. Queremos encorajar todos a vir para casa e lutar.
Etnia e religião não deveriam importar: estamos lutando esta guerra
juntos."
George, de espesso bigode grisalho e
barriga redonda, sua esposa Jacqueline e seus quatro filhos deixaram Derike,
uma cidade pequena mas basicamente deserta na província de Hasaka, um ano após
o início da crise síria. Embora gratos por a localidade ter sido poupada dos
aspectos mais atrozes da guerra, eles lutavam com a carência de trabalho, alta
dos preços dos alimentos, falta de energia elétrica e água, e o sentimento
generalizado de instabilidade.
A família fugiu para a Holanda, na
esperança de melhores perspectivas de emprego. George trabalhou como
agricultor, plantando pepinos, e tentou seriamente aprender o idioma. Mas a
família enfrentava dificuldade para viver confortavelmente com a baixa
remuneração de George, e –compartilhando um apartamento de um quarto – em
condições de vida em forte contraste com o modesto lar da família na Síria.
Eles também enfrentaram
discriminação. "Eu percebi que só era visto e tratado como ser humano lá,
de onde eu venho", conta, acrescentando que também sofreu abuso verbal por
ser sírio. "Eu sou cristão. Isso não significa que tenho direitos na
Holanda, também?" Depois de dois anos, a família retornou à Síria.
"A morte está por toda parte"
O padre armênio Dajad Hagopian, de 68
anos, veste todos os dias a sua vestimenta clerical, apesar de só fazer um
sermão por semana para um punhado de fiéis na Igreja Ortodoxa Armênia de
Derike. Dos 450 armênios que lá viviam, apenas 200 ainda permanecem.
Ele deixou a Síria antes da eclosão
da guerra, desesperado com o sofrimento dos armênios. Após quatro anos na
Alemanha, ele retornou por sentir saudades da terra natal.
"As pessoas me perguntam como
era na Alemanha, e eu digo que a minha casa tinha quatro paredes, igual à
deles." O sacerdote não se considera em posição de dizer às pessoas para
não deixarem o país, já que três de seus próprios filhos partiram recentemente
para a Europa.
"Deus disse 'pão nosso de cada dia, nos dai hoje', e nós recebemos.
Podemos não receber tanto, mas temos frutas, carne e pão, e isso é tudo de que
precisamos", filosofa. "A gente pensa que a morte só está na Síria,
mas ela está por toda parte."
DW
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