Adital
Até que ponto o encarceramento em
prisões é uma política capaz de promover justiça, segurança e ressociabilização
à população brasileira? A Irmã Michael Mary Nolan, presidente do
Instituto Terra Trabalho e Cidadania (ITTC) responde que a privação de
liberdade não funciona como uma política social efetiva. Ao contrário. Para
ela, a política de encarceramento em massa está, hoje, permeada por uma
política de guerra às drogas, de criminalização da pobreza e é um reconhecido
espaço de violação de direitos.
Entre a população carcerária
feminina, o contexto é ainda mais grave quando se trata de estrangeiras. Em
entrevista exclusiva à Adital, a advogada de direitos humanos,
especializada no trabalho com prisioneiras mulheres estrangeiras no Brasil,
aponta que os casos da maioria das mulheres presas são uma consequência do
aliciamento por parte do tráfico internacional de drogas, que as interceptam
para atuarem como “mulas” do crime organizado, no transporte de substâncias
psicotrópicas ilegais. Muitas vezes, elas nem sequer têm conhecimento da
presença de drogas entre seus pertences.
Para as mulheres estrangeiras as ocorrências são ainda mais complexas,
já que, além do conflito com a justiça, elas alegam sofrerem negação de
direitos e discriminação em seus processos criminais. Segundo Michael, muitas
vezes benefícios de execução de pena são negados simplesmente por elas não
serem cidadãs brasileiras, mesmo que a legislação não preveja esse tipo de
diferenciação. A dificuldade com o idioma na rotina carcerária é apontada como
mais uma barreira no processo criminal, bem como a ausência de assistência aos
direitos básicos das presas.
Nesse contexto, até mesmo depois que saem da prisão, as estrangeiras
seguem enfrentando uma série de adversidades. A primeira delas, de acordo com
irmã Michael, é encontrar espaços de acolhimento que as aceitem pelo fato de
serem estrangeiras e egressas do sistema prisional.
Além disso, a maioria das mulheres é libertada sem portar consigo nenhum
documento de identificação, o que as deixa numa situação irregular e ainda mais
vulnerável na busca de acesso às políticas públicas e reinserção social.
Segundo ela, a política social para pessoas em conflito com a lei deve
basear-se no combate às políticas de exclusão e no desencarceramento.
Atualmente, cerca de 750 mulheres estrangeiras estão encarceradas em presídios
brasileiros, a maioria das nacionalidades boliviana, sul-africana e angolana.
ADITAL – Como são os atendimentos
sociais prestados às presas estrangeiras pelo ITTC?
Michael Mary Nolan – OProjeto
Estrangeiras, do ITTC [organização não governamental com sede na cidade de
São Paulo (Estado em São Paulo), que atua na defesa dos diretos dos cidadãos
com o objetivo de reduzir o encarceramento], realiza visitas semanais à
Penitenciária Feminina da Capital, que concentra a maior parte das estrangeiras
privadas de liberdade em prisão provisória e em regime fechado no país, e
visitas mensais ao Centro de Progressão Penitenciária Feminino do Butantã, onde
está a maior quantidade de estrangeiras em regime semiaberto.
Nessas visitas, são realizados atendimentos diretos, tanto individuais
como coletivos, a fim de levantar as demandas destas mulheres, dar encaminhamento
para resolvê-las e dar o devido retorno a elas sobre a nossa atuação com
relação a cada caso.
Uma das maiores demandas é de atendimentos que chamamos de sociais, que
se referem tanto à facilitação do contato delas com seus familiares no país de
origem e com órgãos responsáveis pelo acompanhamento dos seus casos
(Defensorias Públicas, representações diplomáticas, rede sócio-assistencial,
entre outros), assim como à assistência em situações específicas que exigem
mais atenção. É o caso, por exemplo, de mulheres gestantes em privação de
liberdade, mulheres puérperas, que ficam com seus bebês recém-nascidos dentro
da unidade prisional, e mulheres cujas crianças necessitam serem repatriadas ao
país de origem ou se encontram em acolhimento institucional, por não terem
pessoas que possam manter seus cuidados no período de encarceramento da mãe.
Além dos atendimentos sociais, prestamos orientação jurídica a essas
mulheres com relação às diversas dúvidas que apresentam sobre seus processos
criminais e sobre seus direitos. O ITTC realiza contatos com as famílias das
presas, os consulados e terceiros para ajudarem a resolver os problemas
apresentados. Também orienta as presas sobre seus direitos.
ADITAL – Qual o crime mais comum
atribuído às presas estrangeiras?
MMN – Tráfico internacional de
drogas. A maior parte das mulheres que acompanhamos foi presa como “mulas” do
tráfico, na tentativa de embarcarem com drogas para o exterior. Em alguns
casos, sem sequer terem a consciência sobre a presença de drogas em suas bagagens.
ADITAL – As presas estrangeiras têm
atendimento jurídico satisfatório?
MMN – A maior parte das
estrangeiras em conflito com a justiça é assistida em seus casos pelas
Defensorias Públicas da União e do Estado, que se esforçam para prestarem
atendimento jurídico satisfatório. Devido à grande quantidade de casos em que
atuam e à quantidade insuficiente de profissionais que trabalham nesses órgãos,
existe certa dificuldade em realizar atendimentos pessoais com frequência, mas
a defesa nos processos criminais é sempre garantida.
Em maio de 2014, o Projeto
Estrangeiras firmou um acordo com a Defensoria Pública da União, que
permitiu o destacamento de pessoas estagiárias desse órgão para atuação direta
e permanente com o Projeto Estrangeiras, o que aprimora a atuação
tanto do projeto como da Defensoria. Além disso, semanalmente, somos acompanhadas
por defensores e defensoras, que auxiliam com os atendimentos jurídicos. Sim,
tanto a Defensoria Pública da União quanto a defensoria estadual prestam um
excelente atendimento jurídico.
ADITAL – Qual a principal queixa das
presas?
MMN – Uma das principais queixas
diz respeito à negação de direitos e à discriminação que alegam sofrerem em
seus processos criminais por serem estrangeiras. Em muitos casos, benefícios de
execução de pena (progressão de regime e livramento condicional, sobretudo) são
negados às estrangeiras somente com base nesse fato, apesar da legislação não
prever tal discriminação e, pelo contrário, pregar a igualdade entre pessoas
brasileiras e estrangeiras.
Outras queixas recorrentes são relativas à dificuldade de acesso à saúde
dentro do sistema prisional, à dificuldade com o idioma na rotina dentro do
estabelecimento e no processo criminal e à ausência de assistência de um modo
geral.
Mesmo quando saem da prisão, as estrangeiras seguem enfrentando uma
série de adversidades, a começar pela dificuldade de encontrarem espaços de
acolhimento que as aceitam, pelo fato de serem estrangeiras e egressas do
sistema prisional. Além disso, a maioria das mulheres é solta sem levar nenhum
documento de identificação consigo, o que as coloca em situação irregular e
entrava a busca por emprego e o acesso a políticas públicas.
ADITAL – Qual o principal motivo
alegado pelas presas para terem entrado no mundo do crime?
MMN – Na grande maioria dos casos,
que são relacionados ao tráfico de drogas, as mulheres não chegam a “entrarem
do mundo do crime”, já que não se tornam parte de organizações, sendo apenas
aliciadas para carregarem determinada quantidade de drogas para o exterior em
troca de certa quantia em dinheiro.
O aliciamento e a aceitação da realização desse serviço ocorrem,
sobretudo, devido a dificuldades financeiras e situações de necessidade vividas
por essas mulheres que, geralmente, provêm de famílias numerosas e pobres das
quais são as principais provedoras.
Entendemos que, em alguns casos, as pessoas aliciadas como “mulas” do
tráfico de drogas são vítimas do tráfico de pessoas, por ocorrer o
aproveitamento de sua situação de vulnerabilidade por parte de aliciadores, que
recorrem a ameaças, fraude e outros mecanismos para a aceitação da realização
do carregamento das drogas por parte dessas “mulas”. Entendemos que é a
vulnerabilidade das mulheres que leva a maioria a entrarem nesse empreendimento.
Entendemos que muitas são vítimas do tráfico humano.
ADITAL – Quem são os parceiros do
ITTC?
MMN – As defensorias públicas,
alguns consulados e pessoas que se interessam pela questão.
ADITAL – Do momento da acusação até o
encarceramento, quais as violações dos direitos humanos que as presas mais
sofrem?
MMN – O próprio sistema prisional
do Brasil é uma violação de direitos. A política de encarceramento em massa
acarreta a superlotação das unidades prisionais, que se tornam espaços de
tortura permanente contra uma população marginalizada, que é, ao mesmo tempo,
ignorada pelo Estado, no que diz respeito a políticas sociais, e alvo da
seletividade do poder punitivo.
ADITAL – Há alguma mulher que foi
presa por engano e cumpriu pena mesmo assim?
MMN – Há alguns casos de mulheres
que ficaram presas provisoriamente e foram absolvidas em primeira instância, ao
fim do processo de conhecimento. Há um caso de uma mulher que foi condenada a
uma pena privativa de liberdade em primeira instância, cumpriu parte da pena e
foi absolvida em segunda instância em Apelação Criminal.
ADITAL – Qual a visão que o Instituto
possui a respeito da prática do encarceramento? É uma prática fracassada?
MMN – O Instituto é a favor do
desencarceramento por entender que a política de encarceramento em massa é
fracassada e injusta ao ser seletiva e direcionada à parte da população que,
historicamente, sofre com a exclusão social e a invisibilidade no Estado de
direito; que é o caso da população jovem, pobre, negra, moradora das regiões
mais periféricas da cidade ou em situação de rua. Mais recentemente, as
mulheres nestas condições também têm se tornado alvo desta política e da
seletividade por parte do poder punitivo. Entendemos que é uma pratica
fracassada e injusta.
ADITAL – O sistema prisional
brasileiro consegue proporcionar alguma atividade de recuperação social para as
detentas?
MMN – Não. O cárcere é incapaz de
funcionar como “recuperador” ou “ressocializador” de pessoas por ser
reconhecidamente um espaço de violação de direitos.
ADITAL – A política social com
relação aos presos funciona? Quais são as soluções possíveis para mudar essa
política?
MMN – Não existe política social
com relação a pessoas privadas de liberdade, a não ser a política do
encarceramento em massa, permeada pela política de guerra às drogas e pela
criminalização da pobreza. A solução está no combate a todas essas políticas de
exclusão e no desencarceramento.
ADITAL – O ITTC tem outros projetos
que aparam as presas? Quais?
MMN – Em parceria com uma
missionária voluntária, membro da Pastoral Carcerária, o ITTC tem desenvolvido
ciclos de oficinas de saúde, direitos sexuais e gênero na Penitenciária
Feminina da Capital [São Paulo].
ADITAL – Como participar dos projetos
e atividades sociais do ITTC?
MMN – Frequentemente, abrimos
editais de contratação de novos integrantes para os diversos projetos
desenvolvidos pelo ITTC, todos disponibilizados acessíveis em nosso site e
em nossa página no Facebook.
(Colaborou Marcela Belchior)
Nenhum comentário:
Postar um comentário