ADITAL
Paolo Parise é diretor do Centro Scalabriniano de Estudos Migratórios
(CSEM), uma das quatro instituições que compõem a Missão Paz, uma das
principais organizações de ajuda ao migrante no país. Já são 15 anos os quais
Parise dedica ao trabalho social no Brasil. "Vim como estudante de
Teologia, voltei para Roma, fiz meu Mestrado. Voltei para o Brasil, fui para o
Grajaú [extremo sul da cidade de São Paulo]. Voltei a Roma para fazer meu
doutorado, em "Cristologias da América Latina”. Voltei em 2010, quando, desde
então, estou aqui, na Missão Paz”.
Além de receber as pessoas que chegam sem um teto para passar a noite, a
Missão Paz oferece cursos de português para os internos, atendimento em saúde,
além de orientação quanto à emissão da documentação e intermediação com
empresas. Uma brinquedoteca busca dar um ar mais lúdico aos frios corredores da
Casa que os abriga.
Apesar da atual desatenção dos grandes veículos de comunicação do país,
a questão migratória continua desafiando os scalabrinianos da Missão Paz. Além
das 110 vagas oferecidas, a Casa do Migrante continua tendo que se valer de
alojamentos improvisados. "E isso constantemente, todos os dias”, frisa
Parise.
Migrar é um direito universal do homem, entretanto ainda está longe de
ser colocado completamente em prática. "A gente assiste a essas contradições,
o capital, o mundo das finanças tem uma imensa facilidade em migrar, mas o ser
humano encontra muito mais dificuldade”, reflete o sacerdote.
Confira a entrevista exclusiva de Padre Paolo Parise à Adital.
Adital: Quais as principais nacionalidades que estão chegando hoje à
cidade de São Paulo?
Pe. Paolo Parise: Hoje, ainda são os bolivianos, só que ‘não
fazem mais notícia’, por assim dizer. Quem está chamando a atenção [da mídia]
são os haitianos e os sírios [por causa do conflito]. Dos países africanos
temos o Congo, e em um número um pouco menor os angolanos. Da América Latina,
além da Bolívia, vem chegando um grande grupo do Paraguai, todos jovens, e do
Peru. O Equador é um grupo novo que vem chegando. Bangladesh é um grande grupo
que está solicitando refúgio no Brasil, mas aqui [na Casa do Migrante] não
passa muito.
Adital: Como se dá a recepção aos estudantes que vêm para o Centro de
Estudos (CSEM)?
PP: Aqui, nós temos uma biblioteca especializada em migração, com
bibliografia em vários idiomas. Revistas atualizadas do mundo inteiro só sobre
migração – Nova York, Paris, Roma, Buenos Aires, vários lugares. Temos a
Revista Travessia [1], que nós publicamos, uma das primeiras ou se não a
primeira no Brasil sobre migração. Fazemos ainda pesquisas, oferecemos um curso
à distância, sobre "Teologia das Migrações”. Recebemos estudantes de
várias universidades do Brasil, em especial São Paulo, mas também de vários
outros lugares.
Adital: Como aquela jovem? Ela é pesquisadora, estudante? [Antes de
começarmos nossa conversa uma mulher interceptou Pe. Paolo em inglês]
PP: Sim, é uma doutoranda, cujo objeto de pesquisa são os bolivianos.
Já está aqui há um mês e meio acompanhando os eventos da comunidade boliviana.
Igreja Nossa
Senhora da Paz, na rua do Glicério, zona central da cidade de São Paulo.
Crédito: saopaulo.sp.gov.br
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Adital: Como se acontece a comunicação institucional com esses
imigrantes em São Paulo?
PP: Temos uma web-rádio com programação em espanhol. Temos ainda um
programa ao vivo, seis e meia da tarde [18h30] na rádio 9 de julho, aos
domingos, onde falamos sobre questões migratórias, como documentação, tráfico
de pessoas, serviços. A [rádio] 9 de julho abriu esse espaço há vários anos, já
se tornou um veículo para passar informações à comunidade de língua espanhola.
Adital: Vocês oferecem uma série de serviços, como ajuda com a
documentação...
PP: O CPMM [Centro Pastoral e de Mediação dos Migrantes] possui cinco
grandes eixos. O jurídico-documentação, no qual ajudamos com a Carteira de
Trabalho, com o agendamento na Polícia Federal, a preparar toda a
documentação... O segundo, [o eixo] Trabalho, que começou há quase três anos, é
o carro-chefe ao lado da documentação. O terceiro eixo [do CPMM] são as
centenas de cursos parceiros que temos na cidade de São Paulo, como o Sesc
(Serviço Social do Comércio), em que a pessoa pode fazer curso de eletricista,
disso, daquilo, a gente encaminha. Já temos essa rede montada, oferecemos uma
carta de apresentação, conseguimos bolsas... Outro eixo é saúde. E, por fim, o
eixo Educação, com toda a questão das crianças, escolas, creches, e o eixo
Família-Comunidade. Por dia, ultrapassamos os 70, 80 atendimentos.
Cartaz com
informação de cursos gratuitos. Crédito: Paulo Emanuel Lopes
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Adital: Neste ano, a Casa do Migrante sofreu uma grande pressão por
conta da demanda de haitianos chegados a São Paulo vindos do Estado do Acre.
Essa situação se normalizou?
PP: Infelizmente, não. Além das 110 vagas de que dispomos, precisamos
abrigar de 30 a 60 pessoas nos salões da igreja. E isso constantemente, todos
os dias. Já chegamos a albergar [além da capacidade] 83 pessoas, depois
diminuiu para 40, 15... e, então, voltou a subir. Nós recebemos essas pessoas,
mas é necessário que haja uma ação efetiva do Estado receptor no oferecimento
de abrigos adequados [2] e também na Barra Funda! [Muitos desses haitianos
chegam a São Paulo pela rodoviária do bairro Barra Funda, sem nenhum apoio e
sem ter lugar para onde ir. Acabam chegando à Missão Paz, no bairro da
Liberdade, com ajuda de funcionários do Metrô ou de cidadãos que conhecem a
situação e se dispõem a ajudar.]
Adital: Quais são os principais problemas encontrados?
PP: A aprendizagem do idioma e encontrar uma casa, eu arriscaria. Eles
vão procurar na região periférica da cidade por ser mais barato, mas é uma via
sacra encontrar, porque, se para brasileiro é difícil, pede isso, pede aquilo,
pra eles, é ainda mais complicado. Outro problema, eu diria, é o trabalho.
Infelizmente, há alguns casos que nos chocam envolvendo racismo. Por exemplo,
serviços que eles têm direito, como saúde, muitas vezes, encontram funcionários
que não têm sensibilidade. ‘Vocês estão vindo aqui atrapalhar o serviço que já
é precário para os brasileiros...’, a gente vê coisas desse tipo acontecerem.
Bairro da
Liberdade, em São Paulo, abriga a maior colônia japonesa no Brasil. Crédito:obairrodaliberdadesp.blogspot.com
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Adital: Como o Brasil, um país tradicionalmente receptor de imigrantes,
japoneses, italianos, entre outros, está se comportando diante dessa nova onda
migratória?
PP: O Brasil foi formado pelas migrações. Desde aquela terrível, que
foi a escravidão, e, depois da abolição da escravidão, toda a imigração
europeia, além de outras migrações, como a chinesa, a japonesa. Eu diria que o
que é urgente, hoje, é termos sensibilidade. O Brasil, nesse momento, não tem
um grande número de imigrantes. A mídia, às vezes, apresenta como invasão, que
é um termo errado. Se a gente ver o caso dos haitianos, 35 mil pessoas não é
nada em relação à população do Brasil. Os números [de imigrantes] não chegam a
um por cento da população [brasileira]. Temos a Suíça, cujos imigrantes são
mais de vinte por cento da população local, por exemplo. Na Itália, são oito,
nove por cento. O Brasil está com uma pequena percentagem, é fácil administrar.
O Brasil é ainda chamado a mudar a Lei Migratória, que é da época da ditadura
militar, 1980, que olha para o imigrante como uma ameaça. Mas não é só isso,
tem que ser criadas estruturas de acolhida, não é simplesmente dizer
‘bem-vindo’. Quem está fazendo isso, hoje, no Brasil, é a Igreja Católica.
Olhando por São Paulo, [tem] a Missão Paz, Arsenal da Esperança, Casa da
Mulher, Cáritas, quatro estruturas da Igreja Católica. O Estado ainda está
deixando a desejar, mas está começando a se movimentar.
Adital: Estamos vivenciando a crise das crianças migrantes, a questão
dos refugiados da guerra civil Síria... Como você entende esses novos
movimentos migratórios no mundo?
PP: Infelizmente, estamos em uma época em que não só as questões
econômicas estão motivando a migração, mas ainda continua a questão das
guerras, dos conflitos. Só da Síria saíram mais de 2 milhões de pessoas.
Infelizmente, nisso, o mundo não mudou. Agora o fato é que, na época atual,
existe uma grande facilidade por conta dos meios de transporte, o que faz com
que a migração seja muito mais rápida. Ao mesmo tempo, temos as barreiras,
blocos ou países que tentam se proteger das migrações. A gente assiste a essas
contradições, o capital, o mundo das finanças tem uma imensa facilidade em
migrar, mas o ser humano encontra muito mais dificuldade. Uma outra questão que
percebo é que, no mundo inteiro, o migrante tem uma situação semelhante. Se a
gente olha, 10 anos atrás, os brasileiros saíam. Lembro os amigos [brasileiros]
que conheci na Itália, eles eram babás, cuidadores de idosos, trabalhos que os
italianos não queriam fazer. Agora, estão procurando babás aqui [na Casa],
porque o brasileiro não quer mais. Os empresários de frigoríficos dizem ‘não
encontramos mais brasileiros’. Não digo que dá para generalizar, mas uma boa
parte [dos imigrantes no mundo] vai fazer o trabalho que o nativo não quer mais
fazer, e isso está acontecendo nesse momento no Brasil.
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