Há duas semanas, mais seis imigrantes bolivianos
flagrados em condição análoga à escravidão foram resgatados pelo Ministério do
Trabalho e Emprego (MTE), de uma oficina clandestina de costura na cidade de
São Paulo. Com mais essa abordagem do MTE, no ano de 2013, contabiliza-se
quarenta imigrantes resgatados na capital paulista
submetidos à mesma forma de exploração no trabalho. Procedentes geralmente do
Peru, Bolívia e Paraguai, os imigrantes trabalham
em locais insalubres, trancafiados e sem ventilação na região central da
cidade, principalmente nos bairros do Pari, Brás e Bom Retiro.
A jornada de trabalho diária alcança de 14 a 16 horas sem acesso aos
direitos trabalhistas vigentes no Brasil. Segundo o MTE, a cidade de São Paulo
possui entre 8 e 10 mil oficinas de costura clandestinas, ocupadas em média por
entre quinze e vinte costureiros. Os casos que se tornaram recorrentes na mídia
somente nos últimos anos fazem parte de uma contínua exploração, que existe há
mais de vinte anos na capital paulista.
Para especialistas ouvidos pela reportagem do Brasil de Fato, a prática exploratória ganhou outro
artifício nos dias atuais, envolvendo o crime de tráfico de pessoas para
abastecer uma rede de exploração, beneficiária a famosas grifes de moda e do
varejo nacionais e internacionais instaladas no Brasil.
Retornando de uma viagem recente à Bolívia, onde discutiu o assunto com
parlamentares bolivianos, o deputado Claudio Puty (PT-PA), presidente da
Comissão Parlamentar de Inquérito do Trabalho Escravo, revela que investigações
apontam o envolvimento de grandes empresas da moda na exploração trabalhista
ilegal de imigrantes no país.
- Apuramos em São Paulo que empresários brasileiros, bolivianos e
coreanos estão à frente das oficinas que exploram esses trabalhadores, no
entanto, seriam os intermediários de grandes empresas que pagam R$ 0,20 pela
confecção de uma peça de roupa e vendem em grandes lojas de marcas por R$ 100
ou mais – destaca.
Esquema
Na Bolívia, Peru e Paraguai, empresas de costura que atuam de fachada
seriam as principais aliciadoras para fornecer mão de obra à rede de exploração
nas oficinas clandestinas em São Paulo. “Essas empresas ministram cursos de
costureiro preparando as pessoas para serem trazidas ao Brasil”, revela Roque
Renato Pattussi, coordenador do Centro de Apoio ao Migrante (Cami).
Um contrato verbal no país de origem, entre aprendizes e donos das
firmas de costura, acordaria um salário de US$ 150 por mês em São Paulo, além
da garantia de alimentação e moradia sem custo ao trabalhador. Assim, uma vez
instalados nesses locais de trabalho na chegada em São Paulo, os imigrantes
estariam contidos à cadeia de produção de grandes marcas da moda e do ramo do
varejo.
- Na maior parte dos casos, os maiores beneficiários são os grandes
magazines – acusa Elias Ferreira, advogado e secretário- geral do Sindicato das
Costureiras de São Paulo. Elias relata que muitas dessas companhias de moda,
que usufruem da indústria têxtil, sabem da existência do trabalho escravo na
cadeia de produção de seus produtos.
- Fazendo o papel investigativo, localizamos as oficinas clandestinas,
informamos ao Ministério Público, Ministério do Trabalho e Polícia Federal e
muitas vezes averiguamos que as empresas sabem, porém há casos em que há o
desconhecimento do fato – constata.
Para Pattussi, não há duvida: a legião de imigrantes vindos dos países
fronteiriços com o Brasil tem endereço certo. “São trazidos às oficinas
clandestinas de costura em São Paulo, que em sua grande maioria estão ligadas à
cadeia de produção das grandes lojas”, enfatiza.
Tráfico de pessoas
Além do trabalho análogo à escravidão nas oficinas de costura
clandestinas, a rede de exploração forja ainda outro crime: o tráfico de
pessoas. Aliciados com a promessa de moradia, alimentação e salário, os
imigrantes contraem dívidas com passagens, visto e toda permanência em São
Paulo, sendo muitas vezes mantidos nesses espaços em decorrência de servidão
por dívida.
Diante dessas circunstâncias, o tráfico de pessoas seria o alicerce para
garantir um contingente de bolivianos, peruanos e paraguaios para mão de obra
nas oficinas envolvidas no esquema de exploração.
- O crime de traficar pessoas nesse caso se constitui como uma condição,
um meio que serve ao contexto de exploração do trabalhador no ramo têxtil de
São Paulo – elucida Juliana Armede, advogada e coordenadora dos programas de
enfrentamento ao Tráfico de Pessoas e do Combate ao Trabalho Escravo da
Secretaria de Justiça do Estado de São Paulo.
Os diversos casos acompanhados pela advogada na Secretaria de Justiça
apontam que o esquema de exploração de imigrantes costureiros na cidade fomenta
o delito. “De maneira concreta, nós identificamos na cidade de São Paulo que o
tráfico de pessoas, no âmbito latino-americano, sobretudo envolvendo os
bolivianos, está destinado diretamente às oficinas clandestinas”, assegura
Juliana.
Os responsáveis
Daslu, Sete Sete Cinco, GEP, Zara, Marisa, C&A, Pernambucanas,
Collins, são algumas das empresas famosas nacionais e internacionais do ramo da
moda que já tiveram seus nomes atrelados ao trabalho escravo.
O grupo espanhol Inditex, proprietário da marca Zara, registrou lucro
recorde em 2012. Apesar da crise econômica na Europa, a empresa faturou 2,361
bilhões de euros. No ano passado, a companhia de moda espanhola abriu 482 novas
lojas espalhadas em diversos países. Seu dono, Amancio Ortega, está entre os
cinco homens mais ricos do mundo.
Segundo Juliana, as empresas cuja cadeia de produção esteja envolvida
com trabalho escravo também teriam que ser responsabilizadas pelo tráfico de
pessoas, como componente do processo de exploração trabalhista ilegal. “É
necessário que responsabilize a empresa que ratifica a exploração, sobretudo,
de um tráfico de pessoas do ponto de vista trabalhista”, menciona.
Todavia, não se pode garantir que mesmo as empresas já flagradas com
trabalhadores em condição análoga à escravidão, em sua cadeia de produção, não
repita mais o crime. A fiscalização constante do Ministério do Trabalho e
Emprego (MTE), Polícia Federal e do Sindicato das Costureiras de São Paulo, tem
feito as oficinas clandestinas mudarem para outras localidades, não garantindo
sua eliminação.
- Devido à inspeção do poder público e de entidades de classe, muitas
dessas oficinas migraram para Carapicuíba, Osasco, Itaquaquecetuba e Campinas.
Ir para o interior de São Paulo é uma maneira de se esconder melhor e
dificultar possíveis denúncias dos trabalhadores envolvidos, além de dificultar
o contato dos imigrantes com outras pessoas, como acontece facilmente no centro
de São Paulo – denuncia Pattussi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário