sexta-feira, 19 de abril de 2013

CRISE E MIGRAÇÕES



Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS

As migrações costumam figurar como um verdadeiro termômetro. Medem normalmente a temperatura socioeconômica e político-cultural de qualquer sociedade, seja em termos de ascendência do nível de vida seja em termos de decadência. Quando se acumulam as nuvens sombrias da tempestade e a crise bate à porta, as pessoas ou famílias partem em busca de novos raios solares que os possa aquecer e garantir um futuro mais promissor. Ao contrário, quando o céu brilha radiante com a retomada do crescimento econômico e do desenvolvimento social, chegam os forasteiros de outros países e regiões, como que guiados pela estrela diurna ou noturna de um novo bem estar. Uns e outros procuram fazer da “fuga” uma nova “busca”.
No imenso mar atual da economia globalizada, que atinge todos os continentes do planeta, os grandes deslocamentos humanos surgem como ondas aparentes que, ao mesmo tempo, revelam e escondem fenômenos de natureza real, mas invisível. Uma agitação de superfície que chama a atenção para as correntes subterrâneas das transformações históricas estruturais. Estas transformações, via de regra, são precedidas, acompanhadas ou sucedidas por movimentos humanos de grande porte. À medida que as mudanças causam turvas turbulências nas águas mais profundas, revelam uma espécie de enfermidade cuja febre se espalha e transparece na “pele” de todo o corpo oceânico.
Tanto nos momentos de ascenção quanto nos momentos de declício, a mobilidade humana representa essa febre aparente de uma agitação oculta e submersa. Ou seja, podem ser um sinal de mobilidade social ascendente nos países e regiões de florescimento e podem, inversamente, ser um sinal de mobilidade social descendente quando em determinada sociedade se instala uma crise geral. Para ilustrar semelhante contraste tomemos como exemplo, de um lado, o Brasil, representante do grupo dos países emergentes, chamado BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). O país vive um momento de certa prosperidade, sem esquecer suas profundas deigualdades sociais e injustiças, bem como a concentração de poder e riqueza ao lado da miséria e da fome. Devido à chamada “emergência econômica”, momentaneamente vem atraindo novos imigrantes. De outro lado, tomemos a Itália, representante da Comunidade Europeia e da zona do euro, hoje fortemente marcada pela crise do velho continente e que, por isso mesmo, vem sofrendo o que se poderia chamar de verdadeira “hemoragia de cérebros” ou “fuga de talentos”.
Contam-se aos milhares os jovens italianos de ambos os sexos que, apenas terminados os estudos superiores, migram para os Estados Unidos, a Alemanha, a Inglaterra, a Suiça... Esperam tão somente o diploma para fazer as malas e partirem em direção de horizontes mais arejados. Buscam um lugar ao sol que a própria pátria lhes nega, quer por motivos socioeconômicos quer por uma ingovernabilidade política que se arrasta e persiste. Alguns indicadores ajudam a entender o fenômeno. O Produto Interno Bruto Italiano (PIB) no decorer de 2012 caiu em 2,4%, enquanto a renda e o poder aquisitivo das famílias, no último trimestre do mesmo ano, recuaram em 5%. O desemprego geral chega à casa dos 17%, mas o sinal vermelho vem do desemprego juvenil, o qual no início de 2013 alcançou a marca inédita e alarmante de 38% (cifra que alacança 55% na Espanha e 60% na Grécia, em contraste com a Alemanha, onde o percentual não passa de 8%). O preço dos imóveis vem caindo de forma substancial, ao mesmo tempo que as famílias diminuem os gastos com produtos básicos, como também a capacidade de poupança.
Milhares de pequenos, micros e médios empreendedores decretam falência e fecham as portas. Estima-se em 160 a média de falimentos diários nos últimos 4 meses. Uma em cada 6 famílias é considerada pobre, aproximando-se de 7 milhões o número de pessoas no nível da pobreza. As demissões prosseguem em todo o território nacional. Em Milão e em ouras regiões, por exemplo, começam a florescer experiências como “supermercados populares” com o fim de socorrer os que caem na desgraça. Florescimento doentio que indica o grau de febre do paciente. Em alguns destes dados, o nível médio de vida na Itália retrocede à década de 1990.
O caso mais emblemático verificou-se em Civitanuova Marche, região de Ancona. Um casal de isosos – ele com 72 anos e ela com 68 – se suicidou um diante do outro, devido à impossibilidae de continuar pagando o aluguel, juntamente com as demais despesas cotidianas, pois viviam apenas com 450 euros de aposentadoria. O irmão da esposa, ao saber do fato, se atirou no mar e também morreu afogado. Três mortes, três suicídios por motivação claramente socioeconômica. Tanto que, na hora do sepultamento, a multidão enfurecida gritava tratar-se de um “homicídio de Estado”. A tragédia ganhou as páginas dos jornais e grande espaço nos telejornaias.
Constituem chagas vivas de um corpo enfermo. Enfermo e cada vez mais debilitado pela saída em massa dos jovens. Estes representam, na verdade, sangue novo e oxigênio primaveril que, aos custos dos cidadãos e contribuintes italianos, vão fortalecer outros países, deixando a própria terra natal à mercê da crise. Repete-se o fenômeno ocorrido nas últimas duas décadas do século XIX e início do século XX. Também naquela ocasião os camponeses italianos, em crise e abandonados à própria sorte, cruzaram em masa o oceano Atlântico, dirigindo-se aos Estados Unidos, Austrália, Brasil, Argentina, Nova Zelândia, numa tentativa de “far l’America”, expressão que se pode traduzir por “garantir o futuro”. Afinal de contas, como dizia J. B. Scalabrini nessa mesma época, “para os migrantes a pátria é a tera que lhes dá o pão”. Ao mesmo tempo, porém, a região sul da Itália continua recebendo ondas e ondas de fugitivos, refugiados da chamada “primavera árabe”, que, em alguns casos, mais parece um outono com cara de inverno.
O Brasil, por sua vez, sociedade em relativa embora desigual ascendência, tornou-se novamente país de imigração. Lugar de destino já consolidado para hispano-americanos dos países vizinhos (Peru, Bolívia, Equador, Paraguai), recebe agora novos grupos, tais como chineses, portugueses, haitianos e outros. Até mesmo boa parte dos 3 a 4 milhões de brasileiros que deixaram a pátria a partir dos anos de 1980, estão de volta, tratando de aproveitar a oportunidade que o país oferece. Uma vez mais, a mobilidae humana pode ser simultaneamente um caminho para a mobilidade social, tanto para cima como para baixo.

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