As práticas diferentes daquelas
existentes na Bolívia — ou mesmo desconhecidas — e a ausência de
domínio do idioma português são algumas das limitações para as imigrantes
bolivianas no acesso aos cuidados nos serviços de saúde em São Paulo, especificamente
na gravidez, no parto e no pós-parto. Esse é um dos resultados apontados pela
enfermeira peruana Rosario Avellaneda Yajahuanca em sua tese de doutorado,
recentemente defendida na Faculdade de Saúde Pública (FSP) da USP.
O estudo, que teve a orientação da professora
Carmen Simone Grilo Diniz, teve início em 2011 e objetivou compreender as
experiências vividas por essas mulheres durante a assistência à saúde na sua
gravidez, parto e pós-parto em São Paulo. A enfermeira observou imigrantes
bolivianas grávidas durante e após a sua estadia em um hospital da zona leste
da capital.
Atualmente, os bolivianos representam
o grupo mais numeroso entre os hispano-americanos que vivem na cidade, com
grande contingente de mulheres em idade reprodutiva. Neste processo migratório,
elas trazem consigo costumes de tradições culturais. Segundo a Rosário, “é
importante abordar a temática porque há necessidades de ações mais afirmativas
no âmbito da saúde para se criar políticas públicas com adequação
intercultural”.
“Na cultura da maioria das mulheres
bolivianas, a valoração de normas tradicionais relaciona-se com poder atuar de
forma autônoma no cuidado da saúde, de forma menos invasiva”, explica a
pesquisadora. Em contrapartida, Rosario aponta que, no Brasil, os cuidados em relação
a gravidez, parto e pós-parto, são vivenciados com dificuldades e sofrimentos
porque há uma certa imposição em adaptar-se aos protocolos institucionais que
primam a tecnologia. Muitas vezes, essas novas práticas podem ser violentas e
traumatizantes, aumentando a vulnerabilidade e a angústia destas mulheres de
cultura e tradições diferentes.
Contato com pacientes
A pesquisa de Rosario é um estudo qualitativo de base etnográfica. De segunda a sexta-feira pela manhã, ela observava as pacientes do hospital, além de realizar plantões noturnos. “Também participei como intérprete de português para espanhol, auxiliando as mulheres que não entendiam ou falavam língua portuguesa”, relata. Isso lhe possibilitou ganhar a confiança das bolivianas, as quais expunham suas dúvidas e preocupações pelos seus filhos que ficaram em casa e pelo retorno ao trabalho depois da alta hospitalar.
De um total de 106 mulheres
acompanhadas durante a coleta de dados, foram selecionadas 10 para serem
entrevistadas. Passadas duas semanas da alta hospitalar, eram realizadas
entrevistas em espanhol na casa das mulheres, sempre aos sábados e domingos
pela tarde. “A escolha das casas como local para a entrevista se deu por
considerar um espaço com maior tranquilidade e privacidade”, explica a
doutoranda. Os maridos acompanhavam a maior parte das entrevistas. Durante
essas visitas, Rosario também sentiu a necessidade de conhecer espaços como a
Praça Kantuta-Pari e a Rua Coimbra, locais frequentados pelas famílias
bolivianas.
Divergências culturais
Além da dificuldade de comunicação devido ao pouco conhecimento de português, as diferenças culturais são as maiores adversidades na gravidez, no parto e no pós-parto apontadas pelo estudo de Rosario. “Muitas das mulheres dizem que gostariam que não fossem vistas como ‘bichos raros’, tratadas com descaso e inferioridade pelo fato de serem estrangeiras”, releva. A pesquisadora explica que, mesmo que hajam profissionais bons os quais se esforçam para compreender e auxiliar as pacientes, grande parte da equipe dos hospitais apenas se indigna de precisarem atender essas mulheres.
A exposição do corpo durante o parto
também mostrou colocar a parturiente em mais uma situação de vulnerabilidade e
os cuidados acabam sendo rejeitados pelo incômodo e o pouco respeito à sua
privacidade, sendo práticas consideradas anormais. Há, ainda, o uso de técnicas
inapropriadas à cultura boliviana, como episiotomias, manobras de Kristeller e
toques vaginais. A utilização de fórceps e da cesárea são vistos como práticas
agressivas para seus corpos, já que as parturientes bolivianas esperam por um
parto natural.
Considerando tais resultados, Rosario
concluiu que seu doutorado permitiu conhecer o contexto social e cultural de
algumas práticas tradicionais das mulheres bolivianas e, principalmente, suas
diferenças em relação à cultura existente no Brasil. A adaptação da assistência
às especificidades culturais, a oferta de um ambiente mais acolhedor e a
garantia do direito ao acompanhante no parto podem reduzir os medos e desconfianças
pelos quais passam as pacientes, contribuindo para uma melhor assistência.
Rosario é formada pela Universidad
Nacional de la Amazonía Peruana, na cidade de Iquitos, Peru. Durante sua
pesquisa, intitulada de A experiência da gravidez, parto e pós-parto das
migrantes bolivianas e seus desencontros na cidade de São Paulo, teve bolsa
concedida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior
(CAPES) no Programa de Estudantes-Convênio de Pós-Graduação (PEC-PG).
Foto: Marcos Santos / USP Imagens
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