Pe. Alfredo J. Gonçalves, CS
No clima da Copa
do Mundo, vale lembrar que bola na rede é o objetivo máximo de qualquer partida
de futebol. Jogadores e torcedores,
gramado e arquibancada, concentram-se todos nesse objetivo. E quando o alcançam,
vem a euforia, os aplausos, a provocação do adversário, as bandeiras
desfraldadas, a festa do gol! Para isso, porém, a cada passe, a cada drible e a
cada jogada, é preciso evitar que o outro time chegue também à meta cobiçada.
Só assim o placar pode continuar positivo. Daí a tensão e a atenção, na defesa
ou no ataquele, durante os 90 minutos de disputa.
Transportando a
imagen para o âmbito da sociedade brasileira atual, como conciliar os
interesses de atores e plateia (=
governo e conjunto dos cidadãos) para chegar a um verdadeiro “gol de placa” no
que diz respeito ao bem-estar da população. Por “gol de placa”, neste caso,
entendemos uma política econômica que responda positivamente às necessidades
básicas e prementes dos extratos mais pobres, excluídos e de baixa renda? Em
outras palabras, como diminuir a distância entre os habitantes do andar de cima
e aqueles do andar de baixo da pirâmide social?
Semelhantes
perguntas e inquietudes estão nas ruas e praças de várias cidades do país, em
diversas manifestações e movimentos sociais. Mais do que gritar contra a Copa
do Mundo em si, o protesto de tais mobilizações, ao que tudo indica, visa
combater o abismo entre os mais ricos e os mais pobres, entre o pico e a base
da pirâmide, entre o padrao Fifa para a infraestrutura do evento internacional,
por um lado, e a precariedade dos servicos públicos, por outro. Se o esporte
tem e merece sua importância, mais ainda a vida e a dignidade do cidadão.
Mas, como bem o
sabemos, “gol de placa” é coisa rara, contando muitas vezes com a sorte
eventual. Vez por outra, e em circunstâncias favoráveis, algum atleta colhe a
oportunidade e carimba as redes adversárias com uma manobra espetacular. No
caso da administração pública, a oportunidade para um “gol de placa”,
inesquecível pelo seu brilho, tem a ver com três aspectos complementares:
primeiro, é necessário que o fruto esteja maduro para a colheita; segundo, a
avaliação de que o momento é oportuno requer um olhar perspicaz e agudo, uma
visão de gênio; terceiro, a colheita é sempre um trabalho coletivo, feito em
mutirão.
No primeiro
caso, a sociedade brasileira está mais do que madura para uma série de mudanças
necessárias e urgentes. Múltiplos progetos de reforma (agrária e agrícola,
tributária, política, eleitoral... só para citar algumas) permanecem
engavetadas por falta de empenho e de interesse dos atores privilegiados do
Congresso Nacional. Esses parecem desfilar pelo cenário iluminado da Câmara e
do Senado como se fossem seres extraterrestres, alheios aos anseios e apelos
que se erguem do solo inculto do planeta terra, num cotidiano de penúria e
precariedade. Se é verdade que a prática política nacional encontra-se
sobrecarregada por uma porção de entraves históricos e estruturais às mudanças
reais e profundas, também é certo que estas encontram-se atrasadas de décadas,
para não dizer de séculos.
Em segundo
lugar, no palco da administração pública não faltaram gênios que intuiram que o
fruto estava maduro e o momento se revelava oportuno para a mudança. Em vez de
falar de nomes, cabe a pergunta: por que não o colheram? A resposta, entre
outras, tem duas faces marcantes. Por um lado, os nós já citados de nossa
histórica política são difíceis de desatar, dado o caráter acentuadamente
retrógrado e conservador das classes dominantes do país; por outro, não poucos
líderes nacionais, mesmo conhecendo de perto os dramas da Senzala ou até tendo
aí suas raízes, quando chegam ao Planalto Central parecem trocar de time.
Passam a jogar segundo os interesses da Casa Grande, em particular os grandes
monopólios da propriedade da terra, das comunicações e do setor financeiro.
Isso para sequer falar do vírus da corrupção, do tráfico de influência, do
corporativismo, entre tantas outras mazelas conhecidas e notórias.
Por fim, a colheita
não é tarefa dos políticos de plantão, mas da sociedade como um todo. Isso
exige duas coisas indispensáveis. Antes de mais nada, a criação de canais,
instrumentos e mecanismos eficazes de participação popular, no sentido de
construir políticas públicas voltadas para as carências mais notáveis da
população, tais como os serviços de infra-estrutura, de apoio ao pequeno e
médio produtor e empreendedor, associados a uma distribuição de renda que não
seja mera compensação provisória, mas tenha alicerces sólidos na política
econômica. Desnecessário acrescentar a necessidade de investir nos serviços
públicos de primeira necessidade, como saúde e educação, trabalho e relações
trabalhistas, segurança e transporte, e assim por diante. As Semanas Sociais
Brasileiras, os Plebiscitos e Assembleias Populares e outras iniciativas do
gênero apontam nessa direção.
A segunda
exigência nos leva ao campo da ética na política, tema tão alardeado e, em
termos concretos, tão pouco considerado. Aqui faltam as ações e sobram os
discursos e promessas. Uma verdadeira postura moral na administração pública
pressupõe um deslocamento do eixo sobre o qual ela se move. No Brasil das
últimas décadas (para não retroceder até 1500) prevalecem as medidas de curto e
médio prazo. Carecemos de um projeto de nação com horizontes mais largos. A
razão disso é que, não raro, os candidatos aos cargos públicos, e mesmo os já
eleitos, parecem ter olhos não para as próximas
gerações, e sim para as próximas
eleições. Como corrigir essa miopia crônica e contagiosa?
A festa
internacional do futebol – centrada na Copa do Mundo/2014 – constitui uma
ocasião sem igual para um “gol de placa” nos gramados da política nacional.
Jogadores, treinadores, ábitros, bandeirinhas, torcedores, enfim, todos que
atuam nesse campo têm a oportunidade de colher o momento para balançar as redes
adversárias da injustiça, da concentração de riqueza e renda, da exclusão social
e da desigualdade crescente. Padrão Fifa não somente para os estádios e
infra-estrutura da Copa, para para a população como um todo! Só assim a festa
do futebol pode se converter também numa festa da cidadania!
Roma, Itália, 21 de
maio de 2014
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