Sem batina nem colarinho
romano, Paolo Parise só é identificado como padre ao ser chamado
pelos imigrantes haitianos que chegam ao
pátio da igreja Nossa Senhora da Paz, no centro de São Paulo. Com sandálias de couro, calça jeans e
camiseta, o padre passa onze horas diárias de um lado para o outro atendendo às
mais diferentes demandas dos estrangeiros que chegam ao Brasil e, desde início
de abril, são despachados para
São Paulo pelo governador do Acre, Tião Viana (PT). Funções triviais, como
dirigir a Kombi que leva os imigrantes à sede regional do Ministério do
Trabalho para tentar uma carteira de trabalho, são intercaladas por
articulações políticas.
O padre nascido na
cidade de Maróstica, na região de Vêneto, no norte da Itália, representa uma das principais lideranças de entidades ligadas à Igreja Católica que
têm se dedicado a cuidar desses imigrantes e, assim, aplacar a ausência de
iniciativas do poder público nesse sentido. De 11 de abril a 7 de maio, a Missão Paz
recebeu 650 haitianos e conseguiu dar emprego a 535 deles. Nesta semana, o
padre divulgou um texto defendendo mudanças na lei de imigração e afirmou que pretende entregá-lo a senadores e deputados
federais nas próximas semanas. “Essa crise que tivemos com a vinda dos
haitianos é consequência de uma contradição imposta pelo governo que divulga a
imagem de um país com portas abertas aos imigrantes mas, na verdade, não tem
mecanismo para recebê-los”, diz.
Ser a voz dos
estrangeiros pobres que chegam todos os dias à sua igreja – na última
quarta-feira, ele recebeu 44 haitianos e senegaleses – já levou o padre a
perseguir o ministro do Trabalho, Manoel Dias, na entrada de um show organizado
pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) no feriado do Dia do Trabalho. Ele
conta que tinha poucos minutos para fazer suas reivindicações ao ministro no
trajeto até o palco. “Segurei o seu braço e pedi um esquema mais eficiente de
emissão de carteiras de trabalho e também um efetivo maior da Polícia Federal
para dar os protocolos de entrada no país”, conta.
A
iniciativa deu certo. Na semana seguinte, o Ministério do Trabalho montou uma
estrutura no pátio na igreja para atender os imigrantes e a Polícia Federal fez
um mutirão no mesmo período.
A chegada em massa dos
imigrantes haitianos a São Paulo faz padre Paolo lembrar de outra onda, em
2009, que levou mais de 11.000 imigrantes de países vizinhos, principalmente de
Bolívia e Peru, ao pátio da igreja Nossa Senhora da Paz. Na ocasião, a atenção
da imprensa foi menor, se comparada à chegada dos haitianos. Por isso, afirma
que neste ano conseguiu vitórias perseguidas desde então, como a criação
de um abrigo municipal voltado apenas a imigrantes, inexistente na maior cidade do Brasil. O padre acredita que a repercussão foi determinante
para a prefeitura se mobilizar e destacar um espaço para recebê-los. Por
enquanto, a acolhida tem sido feito de maneira provisória em uma igreja evangélica situada a poucos metros da Missão Paz, no Centro de São Paulo,
que deve ser desocupada nos próximos três meses. “Estamos em contato com a
prefeitura para ajudar e encontrar um espaço definitivo. Eles dizem ter
dificuldades em disponibilizar um imóvel público, por isso, prometeram alugar
algo em breve.”
Padre Paolo corre para
atingir a meta mais importante: mudar a lei de imigração brasileira, datada da
década de 1980, que privilegia mais a soberania nacional do que o caráter humano que o assunto demanda. “Se a imigração
continuar aumentando, corremos o risco de ter uma lei discriminatória, baseada
no medo.”
São Francisco - A simplicidade no exercício sacerdotal o aproxima da filosofia e
modo de encarar o catolicismo adotada por papa Francisco. No Brasil há 16 anos,
entre idas e vindas a Roma para fazer mestrado e doutorado em Teologia, padre
Paolo é integrante da congregação scalabrinianos, fundada pelo Beato João
Batista Scalabrini, em 1887, dedicada à formação religiosa de migrantes. O
propósito evangelizador, porém, parece ser a menor das preocupações do padre
que escolheu a causa dos imigrantes ainda no seminário. “O ser humano mede seu nível de civilização de acordo com a relação que estabelece com o estrangeiro, aquele que é
diferente.”
Paolo ocupa uma dos quartos da casa paroquial localizada dentro da Casa do Migrante, no Centro de
São Paulo. Por isso, é comum ele participar ativamente do cotidiano dos cerca
de cem estrangeiros que vivem no abrigo mantido pela Missão Paz. “Um dia,
estava andando pelo pátio e vi um senegalês muçulmano fazendo seu ritual
religioso em um tapete estendido no pátio. O contato com o transcendente é
igual para todos, independente da religião.”
Veja
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