terça-feira, 27 de maio de 2014

A batina a favor dos imigrantes

Sem batina nem colarinho romano, Paolo Parise só é identificado como padre ao ser chamado pelos imigrantes haitianos que chegam ao pátio da igreja Nossa Senhora da Paz, no centro de São Paulo. Com sandálias de couro, calça jeans e camiseta, o padre passa onze horas diárias de um lado para o outro atendendo às mais diferentes demandas dos estrangeiros que chegam ao Brasil e, desde início de abril, são despachados para São Paulo pelo governador do Acre, Tião Viana (PT). Funções triviais, como dirigir a Kombi que leva os imigrantes à sede regional do Ministério do Trabalho para tentar uma carteira de trabalho, são intercaladas por articulações políticas.
O padre nascido na cidade de Maróstica, na região de Vêneto, no norte da Itália, representa uma das principais lideranças de entidades ligadas à Igreja Católica que têm se dedicado a cuidar desses imigrantes e, assim, aplacar a ausência de iniciativas do poder público nesse sentido. De 11 de abril a 7 de maio, a Missão Paz recebeu 650 haitianos e conseguiu dar emprego a 535 deles. Nesta semana, o padre divulgou um texto defendendo mudanças na lei de imigração e afirmou que pretende entregá-lo a senadores e deputados federais nas próximas semanas. “Essa crise que tivemos com a vinda dos haitianos é consequência de uma contradição imposta pelo governo que divulga a imagem de um país com portas abertas aos imigrantes mas, na verdade, não tem mecanismo para recebê-los”, diz.
Ser a voz dos estrangeiros pobres que chegam todos os dias à sua igreja – na última quarta-feira, ele recebeu 44 haitianos e senegaleses – já levou o padre a perseguir o ministro do Trabalho, Manoel Dias, na entrada de um show organizado pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) no feriado do Dia do Trabalho. Ele conta que tinha poucos minutos para fazer suas reivindicações ao ministro no trajeto até o palco. “Segurei o seu braço e pedi um esquema mais eficiente de emissão de carteiras de trabalho e também um efetivo maior da Polícia Federal para dar os protocolos de entrada no país”, conta.
A iniciativa deu certo. Na semana seguinte, o Ministério do Trabalho montou uma estrutura no pátio na igreja para atender os imigrantes e a Polícia Federal fez um mutirão no mesmo período.
A chegada em massa dos imigrantes haitianos a São Paulo faz padre Paolo lembrar de outra onda, em 2009, que levou mais de 11.000 imigrantes de países vizinhos, principalmente de Bolívia e Peru, ao pátio da igreja Nossa Senhora da Paz. Na ocasião, a atenção da imprensa foi menor, se comparada à chegada dos haitianos. Por isso, afirma que neste ano conseguiu vitórias perseguidas desde então, como a criação de um abrigo municipal voltado apenas a imigrantes, inexistente na maior cidade do Brasil. O padre acredita que a repercussão foi determinante para a prefeitura se mobilizar e destacar um espaço para recebê-los. Por enquanto, a acolhida tem sido feito de maneira provisória em uma igreja evangélica situada a poucos metros da Missão Paz, no Centro de São Paulo, que deve ser desocupada nos próximos três meses. “Estamos em contato com a prefeitura para ajudar e encontrar um espaço definitivo. Eles dizem ter dificuldades em disponibilizar um imóvel público, por isso, prometeram alugar algo em breve.”
Padre Paolo corre para atingir a meta mais importante: mudar a lei de imigração brasileira, datada da década de 1980, que privilegia mais a soberania nacional do que o caráter humano que o assunto demanda. “Se a imigração continuar aumentando, corremos o risco de ter uma lei discriminatória, baseada no medo.”
São Francisco - A simplicidade no exercício sacerdotal o aproxima da filosofia e modo de encarar o catolicismo adotada por papa Francisco. No Brasil há 16 anos, entre idas e vindas a Roma para fazer mestrado e doutorado em Teologia, padre Paolo é integrante da congregação scalabrinianos, fundada pelo Beato João Batista Scalabrini, em 1887, dedicada à formação religiosa de migrantes. O propósito evangelizador, porém, parece ser a menor das preocupações do padre que escolheu a causa dos imigrantes ainda no seminário. “O ser humano mede seu nível de civilização de acordo com a relação que estabelece com o estrangeiro, aquele que é diferente.”
Paolo ocupa uma dos quartos da casa paroquial localizada dentro da Casa do Migrante, no Centro de São Paulo. Por isso, é comum ele participar ativamente do cotidiano dos cerca de cem estrangeiros que vivem no abrigo mantido pela Missão Paz. “Um dia, estava andando pelo pátio e vi um senegalês muçulmano fazendo seu ritual religioso em um tapete estendido no pátio. O contato com o transcendente é igual para todos, independente da religião.”


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