quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Trabalho escravo: churrascarias e confecções, crianças e estrangeiros




As investigações revelaram que há trabalhadores em condições análogas à escravidão em centros urbanos, como São Paulo, por exemplo, onde trabalhadores enfrentam jornadas extenuantes em ambientes comparados a pocilgas, sem direito à folga semanal, horário para alimentação – entre outros direitos trabalhistas e humanos flagrantemente desrespeitados.
O empenho dos agentes de estado no combate ao trabalho escravo dos últimos quatro anos, período em que dobrou o número de autuações, também trouxe ao conhecimento público outra realidade: o trabalho escravo não é mais uma chaga social exclusiva dos grotões mais afastados do País, mas também das cidades. A exploração desumana do trabalho, hoje, está presente também em várias das grandes metrópoles brasileiras e nas cidades que as cercam.
A maioria dos escravos da maior cidade brasileira, em geral, são tecelões estrangeiros – a maioria, bolivianos – confinados em ambientes dos quais não podem sair, por se encontrarem irregularmente no Brasil. Presos pelo empregador criminoso, também são obrigados a pagar dívidas inexistentes e têm seus documentos retidos.
Outro grande grupo de vítimas, detectado mais recentemente, é a de trabalhadores haitianos mantidos em condições desumanas nos canteiros de obras de grandes construtoras.
Fora da grande cidade e de suas periferias, o trabalho escravo também se expande para cidades próximas. No caso de São Paulo, uma das mais recentes operações, a polícia descobriu, na região de Bragança Paulista, a menos de 100 quilômetros da capital, homens e crianças sendo explorados para a produção de carvão destinado às grandes churrascarias. Foi essa a realidade encontrada durante uma megaoperação de fiscalização realizada nos dias 21 e 22 de janeiro passado, nos municípios paulistas de Piracaia, Joanópolis e Pedra Bela, com a identificação de 34 pessoas em condição análoga à escravidão sendo exploradas pelas carvoarias locais. Pior: três dos doze estabelecimentos fiscalizados utilizavam trabalho infantil, num total de sete crianças e adolescentes, todos imediatamente afastados do trabalho.
Gato Preto
Cada uma dessas operações custa caro aos cofres públicos. No caso paulista, a operação mobilizou dezenas de agentes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) da região de Atibaia (SP), quatorze auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), procuradores do Ministério Público do Trabalho (MPT), técnicos do Instituto Florestal, representantes da Advocacia Geral da União (AGU) e da Justiça do Trabalho.
No total, em dois dias foram fiscalizadas doze carvoarias. Todos os trabalhadores explorados em regime de escravidão foram encontrados em Piracaia, em cinco estabelecimentos. As sete crianças e adolescentes afastadas estavam trabalhando em três carvoarias das três cidades onde a fiscalização aconteceu: quatro em Joanópolis, duas em Piracaia e uma em Pedra Bela.
Batizada de “Operação Gato Preto”, a investigação teve início em 28 de novembro de 2013, quando agentes da PRF do apreenderam, num posto próximo à cidade de Atibaia, um caminhão contendo carvão. A nota apresentada era falsa. Após meses de trabalho conjunto entre Polícia Rodoviária Federal e MPT, foram constatados fortes indícios de trabalho escravo, infantil e crimes ambientais em quase duas dezenas de carvoarias da região.
Em três carvoarias de Piracaia, os fiscais encontraram trabalhadores sem proteção, luvas, botas e diversas pessoas trabalhando sem registro em carteira e que dormiam em alojamentos em péssimas condições.
“É inadmissível existir trabalho escravo na periferia de São Paulo”, disse aos repórteres o superintendente do Ministério do Trabalho Luiz Antônio de Medeiros, que acompanhou a operação.

Congresso

Ministério do Trabalho já detectou o trabalho
escravo em diversas confecções no País
(resistenciaverde.blogspot.com.br)
Enquanto a escravidão de adultos e crianças se alastra pelo País e chega bem perto das elites, os ruralistas se mobilizam no Congresso para tentar convencer deputados e senadores que a situação não é tão grave. Isso, apesar de dados da ONG Walk Free Foundation revelarem que o Brasil tem cerca entre 170 mil e 217 mil pessoas em situação de trabalho análogas à escravidão, o que nos coloca no 94º lugar no ranking dos 162 países com registro de trabalho escravo no mundo.
Aqui, esse tipo de trabalho se concentra nas indústrias carvoeira, madeireira, de mineração, construção civil, e nas lavouras de cana, algodão e soja. O relatório também revela que, entre 2003 e 2011, foram libertados 2,7 mil trabalhadores em condições degradantes.
Os parlamentares da bancada ruralista, que pretendem relativizar o conceito de trabalho escravo, argumentam que desrespeito à legislação trabalhista é muito diferente de escravidão. Atualmente, eles se mobilizam para alterar a Proposta de Emenda Constitucional (PEC 57-A/1999), que tramita há quase duas décadas no Congresso Nacional, cujo eixo central é a expropriação de propriedades que exploram trabalho forçado, sem qualquer indenização aos proprietários.
Os parlamentares ruralistas querem mudar justamente a possibilidade de punição econômica aos que praticam o trabalho escravo. Dessa forma, deixariam de receber a mesma punição prevista hoje para outros crimes considerados de alta gravidade, como o cultivo de drogas para o narcotráfico. Em todos os casos, as terras são expropriadas e destinadas à reforma agrária ou a programas de habitação popular.
Aprovada em segundo turno pela Câmara, a PEC voltou para o Senado para ser votada, com intensa mobilização dos ruralistas na Comissão Mista. A alegação central contrária à atual penalidade é a de que o conceito de trabalho escravo fixado pelo Código Penal é ‘muito vago’.
Não é bem assim. O artigo 149 definir claramente o que determina a condição de trabalho análogo ao de escravo: condições degradantes de trabalho (situações que colocam em risco a saúde e a vida do trabalhador); jornada exaustiva; trabalho forçado e servidão por dívida. Os ruralistas também reclamaram que a atual legislação ‘dá muito poder’ aos fiscais do Ministério do Trabalho.
A comissão apresentou então uma proposta que determina que o Congresso deve definir o conceito de trabalho escravo antes de se aprovar a PEC. Relator da proposta, o senador Romero Jucá (PMDB-RR) definiu que o simples descumprimento da legislação trabalhista não pode ser considerado trabalho escravo. Ele também retirou da definição de trabalho escravo a sujeição do trabalhador a jornadas exaustivas e a condições degradantes de trabalho, como prevê o Código Penal.
A ideia é que somente seja considerado trabalho escravo quando for caracterizado que houve coação para trabalhos forçados, restrição da liberdade ou coação por dívida ou apropriação de objetos pessoais.
Hoje 90% das ocorrências de trabalho escravo no Brasil são casos de jornada exaustiva e trabalho degradante.

Lideranças petistas

A senadora Ana Rita já se manifestou com
veemência contra as mudanças no projeto
que regulamenta a definição de trabalho escravo
O trabalho escravo continua sendo uma mancha no Brasil, como comprova o crescente trabalho da Justiça, como mostra a série de reportagens que o PT no Senado publica desde a semana passada. (Veja os links abaixo)
As lideranças do PT no Senado estão comprometidas com o texto original da PEC. A senadora Ana Rita (ES), presidenta da Comissão de Direitos Humanos (CDH) já se manifestou com veemência contra as mudanças pretendidas, justamente na regulamentação proposta pelo projeto de lei que regulamenta a definição de trabalho escravo (PLS 432/2013).
 “O mais evidente retrocesso é a retirada do conceito de trabalho escravo, as condições degradantes e a jornada exaustiva, ambas já consagradas no artigo 149 do Código Penal, o qual traz, de maneira explícita, a conceituação do trabalho em condições análogas à de escravo”, afirma a senadora.
Outro problema apontado por Ana Rita é o trecho do PLS que estabelece para expropriação apenas as propriedades onde a exploração for identificada diretamente pelo proprietário. Para Ana Rita, essa redação abre “um precedente inaceitável” no combate ao trabalho análogo ao de escravidão.
“É extremamente desnecessária a inserção no ordenamento jurídico de outra conceituação. Pior ainda, quando esta se propõe mais restritiva e cerceadora de direitos fundamentais, já historicamente garantidos”, ressaltou.
A senadora ainda explicou que, na grande maioria dos casos, os trabalhadores que vivem em situação análoga à de escravidão são contratados por intermediários, contratadores de empreitadas, conhecidos como “gatos”, que aliciam trabalhadores, servindo de fachada para que os proprietários não sejam responsabilizados pelo crime.
“Manter esta redação significará que o Senado está intentando, claramente, no sentido de restringir as possibilidades de expropriação e de responsabilização do proprietário. A regulamentação poderá não servir como instrumento para pôr fim a essa vergonhosa prática, uma vez que exclui do rol de propriedades passíveis de expropriação aquelas onde o crime é cometido pelos indicados pelo empresário para comandar a atividade econômica, a exemplo dos empreiteiros, arrendatários e intermediários”, argumentou.
Os ruralistas tentaram uma manobra no final do ano passado. A manobra tenta inverter a ordem natural da discussão e votação das matérias. Ou seja, antes de votar o principal, votar primeiro o detalhe que está previsto no PLS 432 - a definição do que é trabalho escravo antes de deliberar sobre a Proposta que trata do tema e estabelece sanções para quem pratica o crime.

Giselle Chassot, com informações do site Trabalho Escravo, do Repórter Brasil e de agências de notícias.


PT SENADO

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