Um emprego no oeste
catarinense é o destino final de um percurso difícil, que inclui travessia
clandestina por três países e vários dias em um abrigo superlotado, com
precárias condições de higiene, na cidade de Brasileia (AC). Dos 25.000
haitianos que vivem no Brasil, cerca de 15.000 passaram pelo galpão de 4.500
metros quadrados disponibilizado pelo governo do Acre. Lá, são oferecidas
refeições e emissão de documentos aos haitianos que chegam ao país. No caminho,
os haitianos dizem ter sido achacados por policiais peruanos e os chamados
"coiotes", que cobram até 2.000 dólares por pessoa para cruzar a
fronteira do Peru com o Brasil. Colchões espalhados pelo chão servem de camas,
e os dez banheiros improvisados são insuficientes; há relatos de esgoto a céu
aberto.
O abrigo tem lotação máxima para 400 pessoas, mas, desde a segunda
semana de dezembro, está superlotado. Nesta semana, foram contados 1.244
imigrantes. “As empresas entraram em recesso no fim do ano e passaram dias sem
vir buscar haitianos para trabalhar”, diz Damião Borges, funcionário da
secretaria de Justiça e Direitos Humanos do Acre que cuida do abrigo.
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A situação fez o
secretário de Justiça e Direitos Humanos do Acre, Nilson Mourão, sugerir ao
governo federal fechar a fronteira do Brasil com o Peru, principal porta de
entrada dos haitianos, mas a ideia foi refutada. “Estamos à beira de uma
tragédia no abrigo, mas o governo decidiu manter a tradição brasileira de
manter as fronteiras abertas”, diz o secretário.
O Ministério
Público Federal do Acre instaurou uma ação civil pública para exigir do governo
brasileiro melhor tratamento aos haitianos. “É preciso uma definição da
política brasileira para os imigrantes haitianos”, diz o procurador da
República Pedro Henrique Kenne.
A haitiana
Philomise Saint-Fleur, de 37 anos, diz que ficou horrorizada quando viu que
teria que passar alguns dias no abrigo até regularizar a documentação no
Brasil. “Não acreditava que sai da minha casa para passar vergonha em outro
país. Não tinha privacidade nenhuma, nem para tomar banho.”
Alguns que chegam com um pouco mais de dinheiro em Brasileia ficam em pensões, que cobram de
20 a 30 reais a diária. A maioria dos imigrantes toma banho no banheiro público
da rodoviária de Brasileia ao preço de um real.
Mas, até cruzar a fronteira do Brasil, os haitianos viajam dias a
partir da República Dominicana, país vizinho ao Haiti. De lá, embarcam para o
Panamá e para o Equador, que não exige visto de entrada. Alguns permanecem no
país por algum tempo até juntar dinheiro para o resto da viagem. De Quito
(Equador), cruzam o Peru até a cidade de Puerto Maldonado, onde atravessam
de carro a fronteira do Brasil e chegam à cidade de Assis Brasil (AC). A
corrida de táxi até Brasileia custa 20 reais.
Ao longo de todo o
percurso, há relatos de achaques de policiais peruanos, que exigem propina para
não denunciar a condição irregular no país – peças de roupa e tênis viram
pagamento de propina. Os "coiotes" exigem altas somas para
atravessá-los pelas fronteiras e também criam uma taxa de câmbio clandestina para
trocar os dólares por soles (moeda peruana) ou reais.
A haitiana Velouse
Dominique, de 30 anos, teve que deixar na mão de policiais corruptos boa parte
do dinheiro que o marido Gustave Michel demorou mais de um ano para juntar como
pedreiro em Chapecó (AC) para que ela viesse morar com ele. “Eles nos ameaçam e
temos que dar o dinheiro.”
Vistos – De acordo com Paulo Sérgio de Almeida, presidente do Conselho
Nacional de Imigração do Ministério do Trabalho e Emprego, não há motivos para
os haitianos se submeterem a tantos perigos para entrar no Brasil. Desde
janeiro de 2012, uma resolução normativa permitiu a emissão de até 1.200 vistos
por ano a haitianos. Em 2013, a resolução foi modificada e determinou a emissão
ilimitada de vistos até janeiro de 2014. No fim do ano passado, o prazo foi
prorrogado pelo Ministério do Trabalho até janeiro de 2015. “Vamos estender os
postos de emissão de visto até Quito para ver se diminui a vulnerabilidade dos
imigrantes durante o trajeto.”
Apesar de os
haitianos não cumprirem os requisitos de refugiados, como as vítimas de
perseguição política, por exemplo, eles são tratados como tal quando chegam ao
Brasil. A Polícia Federal emite um protocolo que lhes dá direito a um número de
CPF e uma carteira de trabalho. Desde janeiro de 2010, foram emitidas 12.352
carteiras de trabalho e, atualmente, 5.670 estão ativas, segundo dados do
governo federal.
Alguns haitianos,
no entanto, reclamam da demora no processo de emissão do visto e, por
isso, se arriscam na rota clandestina. Outros conseguem o visto apenas
para viabilizar a imigração para outros países, como Estados Unidos e Canadá.
“Com a permissão de morar no Brasil é bem mais fácil ser aceito nesses países”,
diz Joseph Falsa, de 28 anos, que planeja se juntar ao pai e ao irmão que moram
nos Estados Unidos.
OALTOACRE.COM
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