Reclamar seus
direitos, cobrar deveres daqueles em quem bem mais que um voto, se depositou
confiança. Quantos no mundo podem fazer isso e não fazem? Quantos não podem e
nem sabem o porquê? Contar com a ignorância do povo sempre foi ferramenta
fundamental de opressão política. Júlio César já sabia disso.
O
que ele talvez não imaginasse é que essa lógica perduraria por tanto tempo.
Enquanto houver capitalismo – enquanto o tacão pesado do imperialismo continuar
a definir agendas – aqui, no Paraguai ou em Shangrilá, a voz da elite
permanecerá sendo a voz de Deus. Povo, para eles, não tem voz.
“Nunca
ganharam nada no voto!” Foi isso o que já ouvi de vários entrevistados meus,
quando os perguntei sobre a extrema direita brasileira. Deve ser triste ter
sempre que recorrer a tramóias pela incompetência de conquistar a confiança da
população.
Pergunte
a um líder de uma grande potência se quando ele (ou ela) olha para uma criança,
em época de eleição, enxerga alguma coisa além do voto que os pais dela poderão
dar. Pergunte ao Sr. Federico Franco, que se deixou contaminar pelo sobrenome e
tomou o poder no Paraguai, se há alguma relação entre povo e democracia. Você
nunca irá ouvi-los dizer esses nãos, mas nem é preciso.
A
ambição desenfreada não aceita que o povo – que só presta manipulado – enxergue
com seus próprios olhos. Na hora em que enxergar, acabarão os privilégios da
casa grande. Assim, sempre que a democracia procura se fortalecer por meio de
conquistas sociais, os sinhozinhos de paletó sentem-se ameaçados e, tendo
chance, dão o bote. Rápidos, rasteiros, covardes.
Assim
foi no recente golpe no Paraguai e não duvido que nas conspirações de
bastidores ainda repouse o sonho dourado das raposas políticas do Brasil. Os
que ontem apoiaram o chumbo e que hoje continuam espalhados pelo nosso
Congresso, até podem fingir apoiar a paz, mas essa máscara não lhes segura.
Isso
sem falar “naqueles meninos que queriam mudar o mundo e hoje assistem a tudo em
cima do muro”. Como Cazuza definiu os que ontem lutaram contra canhões e hoje
balançam suas pernas, cada uma de um lado. Esses talvez sejam os mais
perigosos. Já não usam armas nem tangas, já não se sabe de que lado estão.
Igualam-se à mídia ao tentarem se passar por imparciais.
Nesta
semana, em que a democracia foi apunhalada no Paraguai, com um presidente sendo
deposto em pouco mais de 24 horas, pelo ”crime” de tentar promover a Reforma
Agrária – o mesmo cometido por João Goulart – de que lado se colocou a nossa
“grande” imprensa? Não perdeu o hábito. Brincou com os fatos a seu bel prazer.
“Militantes
do PT e do MST protestam em frente à Embaixada do Paraguai”, matéria do Globo.
Por que esse título? Porque o Globo acha que isso desqualifica o ato. Mas
e os outros militantes? Ok, não havia muitos. Mas havia. E por que não havia
muitos? Porque é um círculo vicioso: a própria imprensa não se esforça para que
haja. Quando se esforçou, colocou milhares de “caras pintadas” nas ruas. Já lá
se vão 20 anos.
Hoje,
o Brasil é outro, claro. Apesar de ainda termos que conviver com uma corja de
congressistas e com um judiciário que não sabe o que é justiça, conseguimos
elevar à cadeira mais alta do planalto central uma mulher de fibra. Que, tenho
certeza, defenderá a usina binacional de Itaipu, cuja metade foi entregue de
mão beijada para o Paraguai durante a ditadura brasileira. Além disso, o
Mercosul e a Unasul ameaçam expulsar nosso país vizinho de seus quadros. Medida
que não parece ser temida pelos golpistas.
Até
porque eles têm o respaldo dos EUA, que já legitimaram o golpe, reconhecendo o
novo presidente. Presidente este que vem sendo acusado de ser “frouxo” por não
ter reagido. Mas não é ele quem tem que ser defendido pelo mundo. É ela. A
democracia.
Tantos
homens de gabinete usam essa palavra de dez letras jogando promessas ao vento à
espera que o vento se reforme por si… Para que servem? Que papel eles exercerão
na história? Virarão estátuas e nomes de rua ou “habitarão o coração do povo”,
como Fernando Lugo? Sairão do palácio de cabeça erguida ou pedindo para que o
esqueçam, como Figueiredo? Terão suas casas pichadas ou visitadas?
Fica
o recado para os golpistas: é humanizar e ser livre, ou autodestruir sua
imagem. Se não têm competência para chegar ao poder pelo voto, desistam. Seus
descendentes terão menos motivos para se envergonhar.
Ana Helena Tavares
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