Notícias sobre o aumento dos perigos enfrentados pelos
migrantes quecruzam o México em busca do sonho
americano dividem espaço com manchetes sobre a violência no país. Os
dois temas têm mais em comum do que o destaque na imprensa mexicana: com a
intensificação do controle americano na fronteira, os migrantes passaram a buscar
novas rotas menos vigiadas, que coincidem com as usadas para o transporte de
drogas pelo crime organizado, combatido com força pelo atual governo mexicano.
O resultado foi o aumento dos riscos em um caminho já incerto para os
migrantes, que passaram a ser usados até como fonte de renda para os
delinquentes que extorquem suas famílias ou os obrigam a entrarem para seu
bando. Ao lado da violência gerada pelo narcotráfico, as ameaças aos migrantes
são uns dos maiores problemas do governo do presidente Felipe Calderón, e os
candidatos às eleições presidenciais de julho parecem ainda não ter soluções
para o caso.
Apesar da alardeada diminuição na migração de mexicanos rumo
aos Estados Unidos, o número de pessoas que arriscam suas vidas nesse trajeto
continua alto - e os perigos crescem. Segundo um estudo da Anistia
Internacional, 20 mil migrantes são sequestrados por ano em sua passagem pelo
México. A maioria é de centro-americanos que superam a débil vigilância na
fronteira sul mexicana e sonham cruzar ilesos os 4,3 mil km que separam os
extremos sul e norte do país. Estima-se que 400 mil centro-americanos tentem
essa sorte por ano, mas muitos ficam pelo caminho. Em 2010, o caso dos 72
migrantes supostamente sequestrados pelo grupo Los Zetas em Tamaulipas, no
norte mexicano, rodou o mundo. Eles teriam sido forçados a entrar para o bando
e, ao recusar-se, foram fuzilados.
"O México sempre
foi lugar de produção, consumo e distribuição de drogas. Mas há um aumento da
insegurança em todo o país que fez com que a situação dos migrantes também
piorasse. Sem contar que as rotas também estão mais complexas, principalmente
devido à política migratória americana de maior vigilância. Há muitos acidentes
e mortes ao longo do caminho, e um grande tráfico de pessoas por parte de
grupos do crime organizado, com um alto
número de desaparecidos buscados
por associações de migrantes. É um problema ainda sem resolver", disse ao Terra Arturo Alvarado, diretor do Centro de
Estudos Sociológicos do Colégio de México.
A Casa do Migrante San Juan Diego, em Tultitlán, no Estado
do México, a pouco mais de uma hora da capital, recebe centenas de pessoas
todos os dias, a maioria hondurenhos. Essas casas, normalmente dirigidas por
Igrejas, são um oásis para os migrantes. Ficam a poucos metros das linhas de
trens que trazem os migrantes do sul mexicano e oferecem três refeições diárias
e um abrigo onde podem descansar até 48 horas antes de seguir caminho outra
vez. Mas, além das dificuldades de apoiá-los, muitas vezes sem a ajuda de
autoridades, algumas casas costumam ser hostilizadas por vizinhos que associam
os migrantes ilegais a uma ameaça, e os acusam de cometer crimes como roubos.
Na Casa do Migrante de Tultitlán, não são raros os atritos com os vizinhos que
querem expulsá-los. E há outros perigos: os chamados "coiotes",
pessoas contratadas para ajudar os migrantes na travessia, rondam o local em
busca de clientes, e não são poucos os casos escutados de migrantes
sequestrados por delinquentes na região. Há meses, autoridades locais
prometeram transferir a casa para outro lugar, mas até agora se trata apenas de
uma promessa.
"Nas últimas semanas, recebíamos de 250 a 400 pessoas por dia, e
muita gente acabava ficando na rua, o que não agradava os vizinhos. Passamos a
diminuir o tempo permitido de estadia para 24 ou até 12 horas. O tema é
complicado. Escutávamos casos de assaltos e sequestro de migrantes em áreas
próximas, em histórias em que muitas vezes se denunciava o envolvimento de
autoridades", alerta o padre Hugo Raudell, que foi diretor da Casa do
Migrante de Tultitlán até maio deste ano.
A migração se transformou em um negócio no México. De
acordo com um estudo de 2010 do Escritório da ONU sobre Drogas e Crimes
(UNODC), o transporte ilegal de migrantes pela fronteira do país com os Estados
Unidos rende US$ 6,6 bilhões por ano ao crime organizado. É mais do que recebe
com o tráfico de cocaína ao mercado americano, estimado em US$ 2,9 bilhões anuais.
Além disso, as extorsões às famílias de migrantes também geram lucros para os
delinquentes, muitas vezes apoiados por autoridades corruptas que encontram aí
uma grande oportunidade de negócio. "Existe uma confluência 0020de
interesses entre autoridades migratórias, policiais federais e grupos de
tráfico de pessoas. Essa não é uma exclusividade do atual governo, mas ele não
tem sido efetivo para combater o problema, nem capaz de proteger os
migrantes", afirma Arturo Alvarado, do Colégio de México.
"Há uma recessão muito forte nos EUA, que é o
principal empregador de migrantes sem documentos. O Canadá está mais
restritivo, o México tem muitos problemas internos para aceitar mais migrantes
centro-americanos, e a recessão econômica mundial afeta a todos. Por isso, é de
se esperar que no futuro as condições continuem sem ser favoráveis aos
trabalhadores migrantes. O que não sabemos é quais seriam as novas políticas de
proteção do governo e os acordos migratórios entre diferentes países para
resolver esses problemas", explica Alvarado.
Na atual campanha presidencial para as eleições que
ocorrem em 1º de julho, os candidatos não tratam a migração como um tema de
importância nacional. Assim como a sugestão de novas estratégias para combater
a violência, o tema não tem influenciado a briga por votos. Em comum, o líder
na carreira presidencial, Enrique Peña Nieto, do PRI, o esquerdista Andrés
Manuel López Obrador, do PRD, a governista Josefina Vázquez Mota, do PAN, e o
novato Gabriel Quadri, do Panal, falam da importância de reforçar a colaboração
com os Estados Unidos e de criar mais empregos no México para evitar a saída de
mexicanos.
Porém, os candidatos ainda não apresentaram propostas
concretas para garantir aos migrantes que cruzam o México a mesma proteção que
os migrantes mexicanos esperariam receber nos Estados Unidos. A Lei de
Migração, aprovada ano passado pelo governo mexicano, foi criada para garantir
os direitos dos migrantes e aumentar a responsabilidade dos agentes migratórios
sobre sua segurança, sem considerar um delito a condição irregular do migrante.
Na ocasião, a lei foi recebida com otimismo, mas atualmente organizações civis
afirmam que ela protege os direitos dos migrantes de maneira limitada, e que
seria insuficiente se não for realmente aplicada pelas autoridades. O desafio
do próximo presidente que será eleito em menos de um mês é encontrar o
equilíbrio entre o que a lei propõe na teoria e o respeito que se espera na
prática por aqueles que cruzam o México, uma verdadeira terra de migrantes.
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