terça-feira, 12 de junho de 2012

México: ameaças a migrantes é desafio para próximo presidente



Notícias sobre o aumento dos perigos enfrentados pelos migrantes quecruzam o México em busca do sonho americano dividem espaço com manchetes sobre a violência no país. Os dois temas têm mais em comum do que o destaque na imprensa mexicana: com a intensificação do controle americano na fronteira, os migrantes passaram a buscar novas rotas menos vigiadas, que coincidem com as usadas para o transporte de drogas pelo crime organizado, combatido com força pelo atual governo mexicano. O resultado foi o aumento dos riscos em um caminho já incerto para os migrantes, que passaram a ser usados até como fonte de renda para os delinquentes que extorquem suas famílias ou os obrigam a entrarem para seu bando. Ao lado da violência gerada pelo narcotráfico, as ameaças aos migrantes são uns dos maiores problemas do governo do presidente Felipe Calderón, e os candidatos às eleições presidenciais de julho parecem ainda não ter soluções para o caso.

Apesar da alardeada diminuição na migração de mexicanos rumo aos Estados Unidos, o número de pessoas que arriscam suas vidas nesse trajeto continua alto - e os perigos crescem. Segundo um estudo da Anistia Internacional, 20 mil migrantes são sequestrados por ano em sua passagem pelo México. A maioria é de centro-americanos que superam a débil vigilância na fronteira sul mexicana e sonham cruzar ilesos os 4,3 mil km que separam os extremos sul e norte do país. Estima-se que 400 mil centro-americanos tentem essa sorte por ano, mas muitos ficam pelo caminho. Em 2010, o caso dos 72 migrantes supostamente sequestrados pelo grupo Los Zetas em Tamaulipas, no norte mexicano, rodou o mundo. Eles teriam sido forçados a entrar para o bando e, ao recusar-se, foram fuzilados.
"O México sempre foi lugar de produção, consumo e distribuição de drogas. Mas há um aumento da insegurança em todo o país que fez com que a situação dos migrantes também piorasse. Sem contar que as rotas também estão mais complexas, principalmente devido à política migratória americana de maior vigilância. Há muitos acidentes e mortes ao longo do caminho, e um grande tráfico de pessoas por parte de grupos do crime organizado, com um alto número de desaparecidos buscados por associações de migrantes. É um problema ainda sem resolver", disse ao Terra Arturo Alvarado, diretor do Centro de Estudos Sociológicos do Colégio de México.
A Casa do Migrante San Juan Diego, em Tultitlán, no Estado do México, a pouco mais de uma hora da capital, recebe centenas de pessoas todos os dias, a maioria hondurenhos. Essas casas, normalmente dirigidas por Igrejas, são um oásis para os migrantes. Ficam a poucos metros das linhas de trens que trazem os migrantes do sul mexicano e oferecem três refeições diárias e um abrigo onde podem descansar até 48 horas antes de seguir caminho outra vez. Mas, além das dificuldades de apoiá-los, muitas vezes sem a ajuda de autoridades, algumas casas costumam ser hostilizadas por vizinhos que associam os migrantes ilegais a uma ameaça, e os acusam de cometer crimes como roubos. Na Casa do Migrante de Tultitlán, não são raros os atritos com os vizinhos que querem expulsá-los. E há outros perigos: os chamados "coiotes", pessoas contratadas para ajudar os migrantes na travessia, rondam o local em busca de clientes, e não são poucos os casos escutados de migrantes sequestrados por delinquentes na região. Há meses, autoridades locais prometeram transferir a casa para outro lugar, mas até agora se trata apenas de uma promessa.
"Nas últimas semanas, recebíamos de 250 a 400 pessoas por dia, e muita gente acabava ficando na rua, o que não agradava os vizinhos. Passamos a diminuir o tempo permitido de estadia para 24 ou até 12 horas. O tema é complicado. Escutávamos casos de assaltos e sequestro de migrantes em áreas próximas, em histórias em que muitas vezes se denunciava o envolvimento de autoridades", alerta o padre Hugo Raudell, que foi diretor da Casa do Migrante de Tultitlán até maio deste ano.
A migração se transformou em um negócio no México. De acordo com um estudo de 2010 do Escritório da ONU sobre Drogas e Crimes (UNODC), o transporte ilegal de migrantes pela fronteira do país com os Estados Unidos rende US$ 6,6 bilhões por ano ao crime organizado. É mais do que recebe com o tráfico de cocaína ao mercado americano, estimado em US$ 2,9 bilhões anuais. Além disso, as extorsões às famílias de migrantes também geram lucros para os delinquentes, muitas vezes apoiados por autoridades corruptas que encontram aí uma grande oportunidade de negócio. "Existe uma confluência 0020de interesses entre autoridades migratórias, policiais federais e grupos de tráfico de pessoas. Essa não é uma exclusividade do atual governo, mas ele não tem sido efetivo para combater o problema, nem capaz de proteger os migrantes", afirma Arturo Alvarado, do Colégio de México.
"Há uma recessão muito forte nos EUA, que é o principal empregador de migrantes sem documentos. O Canadá está mais restritivo, o México tem muitos problemas internos para aceitar mais migrantes centro-americanos, e a recessão econômica mundial afeta a todos. Por isso, é de se esperar que no futuro as condições continuem sem ser favoráveis aos trabalhadores migrantes. O que não sabemos é quais seriam as novas políticas de proteção do governo e os acordos migratórios entre diferentes países para resolver esses problemas", explica Alvarado.
Na atual campanha presidencial para as eleições que ocorrem em 1º de julho, os candidatos não tratam a migração como um tema de importância nacional. Assim como a sugestão de novas estratégias para combater a violência, o tema não tem influenciado a briga por votos. Em comum, o líder na carreira presidencial, Enrique Peña Nieto, do PRI, o esquerdista Andrés Manuel López Obrador, do PRD, a governista Josefina Vázquez Mota, do PAN, e o novato Gabriel Quadri, do Panal, falam da importância de reforçar a colaboração com os Estados Unidos e de criar mais empregos no México para evitar a saída de mexicanos.
Porém, os candidatos ainda não apresentaram propostas concretas para garantir aos migrantes que cruzam o México a mesma proteção que os migrantes mexicanos esperariam receber nos Estados Unidos. A Lei de Migração, aprovada ano passado pelo governo mexicano, foi criada para garantir os direitos dos migrantes e aumentar a responsabilidade dos agentes migratórios sobre sua segurança, sem considerar um delito a condição irregular do migrante. Na ocasião, a lei foi recebida com otimismo, mas atualmente organizações civis afirmam que ela protege os direitos dos migrantes de maneira limitada, e que seria insuficiente se não for realmente aplicada pelas autoridades. O desafio do próximo presidente que será eleito em menos de um mês é encontrar o equilíbrio entre o que a lei propõe na teoria e o respeito que se espera na prática por aqueles que cruzam o México, uma verdadeira terra de migrantes.

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