A cada um dos últimos
dez anos, cerca de 200.000 homens mexicanos deixaram o país em direção aos
Estados Unidos.
O
resultado tem sido uma reformulação contínua da cultura e da rotina daqueles
que são deixados para trás, muitas vezes obrigando as mulheres a se tornar o
chefe da família. À medida que essa mudança se aprofunda, está abalando um dos
pilares mais tradicionais da cultura local: o machismo mexicano.
Quando
os preços do café despencaram há mais de uma década, o companheiro de Leonor
Fernández saiu de casa e a deixou com cinco filhos nesta região montanhosa do
sul do México para trabalhar na Carolina do Norte. No começo, ele enviava
remessas, mas depois o dinheiro e os telefonemas pararam de chegar.
"Acho
que ele começou outra vida lá. E esqueceu completamente da gente", diz
Fernández.
Para
sobreviver, Fernández passou a administrar a propriedade cafeeira de um hectare
da família. Logo, ela organizou mais de cem produtores locais de café e começou
a viajar sete horas em um táxi compartilhado para a cidade mais próxima,
Oaxaca, pelo menos uma vez por mês para vender seu café. Finalmente, ela foi
nomeada supervisora-chefe do Conselho Estadual de Café de Oaxaca. "No
começo, você se sente como se o mundo tivesse desabado na sua cabeça, mas pouco
a pouco você vai se abrindo e achando tranquilidade", diz ela.
Como os preços do café
subiram no ano passado, Fernández aproveitou para comprar outro hectare de
terra para cultivar café e melhorou seu guarda-roupa, que até então consistia
principalmente de roupas indígenas tradicionais. Também em 2011, de surpresa,
seu ex-companheiro, Dario Pereda, voltou e pediu perdão. Mas Fernández disse
que não. "Eu me sinto muito mais livre."
Pereda
diz que ele não se esqueceu da família, mas muitas vezes não podia enviar
dinheiro para casa porque seu trabalho não era estável.
Os
papéis tradicionais dos sexos no México não estão desaparecendo e é improvável
que desapareçam. Os homens permanecem no comando na zona rural do México, onde
pelo menos 6,6 milhões deles trabalhavam na agricultura durante o censo de
2010, em comparação com cerca de 1,6 milhão de mulheres. Muitas mulheres
dependem das remessas dos maridos emigrantes, que voltam a assumir a liderança
dos negócios da família quando regressam. Mas em muitos casos, as relações
mudam permanentemente.
O
caso de Fernández não é raro. A maioria dos homens que migram do México nunca
mais volta, segundo o Conselho Nacional de População do país. Muitos param de
enviar dinheiro a suas mulheres, dizem elas. Quase 80% das remessas dos
migrantes vêm dos filhos, não dos maridos, diz Antoinette Barron, professora de
economia da Universidade Nacional Autônoma do México.
As
mulheres são agora as principais provedoras de 1,19 milhão das 6,2 milhões de
famílias que, calcula-se, vivem na zona rural do México, um salto de mais de
30% em comparação a dez anos atrás. Mais da metade dos produtores que
participam de todos os programas agrícolas do Ministério da Agricultura é de
mulheres, contra apenas 30% cerca de quatro anos atrás.
E
nos poucos casos em que os homens voltam dos EUA, muitas vezes assumem uma
maior participação nos deveres da casa, pelo menos temporariamente, como lavar
pratos e cozinhar, que foram obrigados a aprender enquanto viviam no exterior,
dizem os pesquisadores.
Mesmo
quando a migração líquida do México caiu para zero, segundo um estudo divulgado
em abril pelo centro de estudos Pew Hispanic Center, graças a mudanças
demográficas e nas condições econômicas em ambos os lados da fronteira, as
mulheres continuam a manter seu papel de liderança recentemente conquistado na
economia rural.
As
mulheres são responsáveis pelas culturas de milho em San José del Rincón, uma
comunidade rural pobre no maior Estado do país, também chamado México. A
Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, ou FAO, diz que
80% das famílias no programa de segurança alimentar são chefiadas por mulheres,
devido à migração.
As
mulheres estão mudando a economia rural lentamente. Fernández, a cafeicultora,
disse acreditar que a produção de café orgânico do México está crescendo à
medida que as mulheres — que, segundo ela, tendem a ter mais consciência
ambiental — entram no negócio.
Depois
que seu companheiro desapareceu, ela obteve certificações de "Comércio
Justo" e de café orgânico e sua organização está ajudando outros
produtores e produtoras a obter a certificação.
O
governo mexicano, através do seu programa de transferência popular de crédito,
o Oportunidades, e bancos privados especializados em microcrédito para a zona
rural dão tratamento especial às mulheres.
O
Compartamos, um banco de microcrédito, diz que 98% de seus clientes são
mulheres. Os homens, o banco descobriu, são mais propensos a gastar o dinheiro
em coisas como o consumo de álcool.
"Está
comprovado que as mulheres, quando recebem dinheiro, dedicam seus esforços às
suas famílias, enquanto que com os homens há o problema dos vícios", diz
Daniel Manrique, gerente de relações públicas do Compartamos.
Rita
Casimiro de la Cruz ,
uma produtora de café no Estado de Guerrero, ganhou um concurso nacional de
qualidade da colheita de café um ano depois que seu marido mudou para o Arizona
para encontrar trabalho. Quando ele ficou sabendo sobre o prêmio, voltou à
pequena comunidade rural para comemorar.
"Eu
disse a ele: 'ganhamos um prêmio', lembra Casimiro. Ele respondeu: 'Não. Você
ganhou". Com um sorriso tranquilo, ela acrescentou: "A mulher também
pode."
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