A mudança nas regras migratórias anunciada em janeiro pelo
governo brasileiro para ordenar o fluxo de imigrantes do Haiti ao Brasil não
está contendo a vinda de novas levas de haitianos sem vistos.
Cerca de 150 imigrantes do país caribenho estão no município
peruano de Iñapari, na divisa com Assis Brasil (AC), à espera de autorização
para atravessar a fronteira.
O grupo começou a se formar no fim de abril, alguns dias
após o governo brasileiro permitir o ingresso de 245 haitianos que estavam na
mesma cidade havia três meses.
Segundo Altenord Roomeluf, um dos porta-vozes dos
imigrantes, a situação do grupo é "desesperadora". "Não temos
mais comida, só sobraram alguns sacos de farinha", diz ele à BBC Brasil.
Roomeluf, mestre de obras de 27 anos, afirma que a nova
leva é formada em sua maioria por haitianos que viviam na República Dominicana,
país que faz fronteira com o Haiti. Eles não se enquadram, portanto, na
resolução do Conselho Nacional de Imigração (CNIg) que, a partir de janeiro,
passou a autorizar a emissão de cem vistos de trabalho mensais para que
haitianos residentes no Haiti se mudassem ao Brasil.
Após a resolução do CNIg, a Polícia Federal passou a
barrar nas fronteiras haitianos sem vistos. As medidas buscavam ordenar a
migração do grupo ao Brasil. Segundo o CNIg, desde o terremoto que arrasou o
país caribenho, em 2010, cerca de 6 mil haitianos migraram para o Brasil.
No início de abril, porém, o governo decidiu acolher os
haitianos que estavam em trânsito quando editou a resolução. A medida
beneficiou os 245 imigrantes que estavam em Iñapari e centenas de outros que já
haviam ingressado no território brasileiro, mas ainda não tinham tido seu
status migratório regularizado.
Desinformação
Segundo Roomeluf, os 150 haitianos atualmente em Iñapari
não souberam da alteração nas regras migratórias brasileiras. "A
informação não chegou à República Dominicana e nem ao interior do Haiti."
O grupo, integrado por cerca de 25 mulheres (uma grávida)
e duas crianças, tem dormido em escritórios cedidos por um empresário local.
Cada cômodo é dividido por ao menos 20 pessoas.
Apesar das condições, Roomeluf diz que não pretende
voltar. "Viemos de muito longe e aqui aguardaremos. Esperamos que o Brasil
nos receba, queremos trabalhar."
O mestre de obras diz ter gasto US$ 4 mil (R$ 8 mil) para
se deslocar da República Dominicana ao Brasil. A viagem incluiu dois
deslocamentos aéreos (da República Dominicana ao Panamá e, de lá, ao Equador) e
um longo percurso de ônibus de Guayaquil (Equador) até Iñapari.
Além dos gastos com passagens e hospedagem, haitianos
contatados pela BBC Brasil dizem ter desembolsado cada um uma "taxa
extra" de US$ 250 para atravessar a fronteira do Equador com o Peru. O
dinheiro, segundo eles, foi repartido entre atravessadores e autoridades
peruanas.
Desde que passou a exigir vistos dos haitianos, o governo
brasileiro pediu ao Peru - principal porta de entrada do grupo para o Brasil -
que adotasse a mesma postura.
No entanto, segundo haitianos que não quiseram ser
identificados, a exigência do visto (incorporada pelo Peru no fim de janeiro)
tem sido burlada por meio do pagamento da "taxa extra" aos
atravessadores.
Segundo o Itamaraty, o Brasil concedeu 295 vistos de
trabalho a haitianos entre 18 de janeiro, quando passou a vigorar a resolução
do CNIg, e 18 de junho. O número equivale a 59% da cota de vistos que a
embaixada brasileira em
Porto Príncipe poderia ter emitido no período (500, ou cem
por mês).
No entanto, o órgão diz que, nos últimos dois meses,
emitiu a cota máxima de vistos, o que atribui à disseminação no Haiti da
informação sobre os novos procedimentos.
Para se candidatar ao visto, além de pagar US$ 200, o
postulante deve ter passaporte em dia, ser residente no Haiti (o que deve ser comprovado
por atestado de residência) e apresentar atestado de bons antecedentes.
Caso novo
Em audiência na Câmara dos Deputados nesta quarta-feira
que tratou da migração de haitianos ao Brasil, o chefe de gabinete da
Secretaria Nacional de Justiça, João Guilherme Lima Granja, afirmou que o caso
do novo grupo em Iñapari seria tratado pelo Ministério da Justiça em reunião
extraordinária nos próximos dias.
Também presente à audiência, o presidente do CNIg, Paulo
Sério de Almeida, disse que não estava a par da nova leva.
"É uma informação nova e um caso diferente, porque
aparentemente esse grupo viajou para o Brasil após a resolução. Precisamos
estudar a situação antes de tomar uma decisão."
Para Almeida, é preciso investigar se há redes de
aliciadores atuando na República Dominicana.
O diretor do Departamento de Imigração e Assuntos
Jurídicos do Itamaraty, Rodrigo do Amaral Souza, também não se manifestou sobre
o destino do grupo, mas disse que o órgão tem buscado "valorizar o novo
canal oficial criado para os haitianos" pela resolução do CNIg e
"direcionar o fluxo para esse canal".
Souza afirmou ainda que, se constatado que a cota mensal
de vistos aos haitianos se mostrar inferior à demanda, o número poderá ser
elevado.
A deputada federal Erika Kokay (PT-DF), vice-presidente da
Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara, afirmou à BBC Brasil que
apresentaria um requerimento ao órgão para que parlamentares visitem Iñapari e
confiram a situação dos haitianos.
"Nossa política não tem sido suficiente para atender
à demanda desses imigrantes haitianos", diz. "Vamos intermediar o
contato deles com o governo para que se chegue a uma solução satisfatória,
afinal eles vieram ao Brasil atrás de trabalho e de uma vida digna."
"Nossa política não tem sido suficiente para atender à demanda desses imigrantes haitianos", diz. "Vamos intermediar o contato deles com o governo para que se chegue a uma solução satisfatória, afinal eles vieram ao Brasil atrás de trabalho e de uma vida digna."
Nenhum comentário:
Postar um comentário