A embarcação tinha 13 metros de comprimento e nela viajavam "aproximadamente 300 pessoas", segundo as entrevistas dos funcionários da Organização Internacional das Migrações (OIM) aos sobreviventes. Entre os resgatados há uma grávida. Um homem contou ter perdido o filho no mar.
Não são jovens tunisinos, como a maior parte dos cidadãos extracomunitários que têm desembarcado na pequena ilha italiana desde a queda do Presidente Ben Ali, a 14 de Janeiro. São subsarianos, fugidos de países em convulsão, que há muito aguardavam na Líbia uma oportunidade para cruzar o Mediterrâneo e ter uma vida na Europa. "Por que não os deixam vir de avião, se têm direito a asilo? Parece que há uma selecção natural", indigna-se Paola, advogada de 44 anos.
"O barco vinha com refugiados da Somália, Nigéria, Bangladesh, Costa do Marfim, Chade e Sudão, incluindo 40 mulheres e cinco crianças", disse a OIM em comunicado.
Tinham saído da Líbia dois dias antes. Por volta da meia-noite de ontem, o estado do tempo alterou-se. Ventos fortes de nordeste atrapalharam a condução da embarcação, que vinha pesada, rasa. A Guarda Costeira foi alcançá-los a perto de 70 quilómetros da costa de Lampedusa, ainda em águas maltesas. O resgate fez-se no meio da tempestade. O barco virou. As autoridades recuperaram 48 pessoas com vida - outras três foram resgatadas por pescadores algumas horas depois. E são essas que Paola espera.
Quando os náufragos chegam, com impermeáveis fluorescentes vestidos, são metidos em duas ambulâncias e num autocarro. Seis precisam de assistência médica e há que verificar o estado de saúde de uma mulher grávida de oito meses. Todos os outros seguem para a antiga base militar de Loran, a 12 quilómetros do porto. A estrutura está a ser usada para acolher quem aqui desembarca desde que a nova vaga migratória assolou Lampedusa.
Os náufragos passam cabisbaixos, no autocarro. Apenas um rapaz olha quem espera: faz o sinal da cruz. A tristeza propaga-se, apodera-se até de membros da Guarda Costeira, habituados a lidar com quem arrisca tudo para aqui chegar. "Daqui a pouco, já ninguém se lembra", diz Paola.
O drama traz outro drama à memória da advogada. Em Agosto de 2009, uma embarcação andou à deriva 21 dias. Morreram 73 pessoas, salvaram-se cinco - uma mulher, dois homens, dois menores. "Quem é que ainda se lembra disso?", pergunta. "Passavam pescadores e davam-lhes água e pão, mas não os socorriam, porque dias antes tinha saído a lei que criminaliza a imigração ilegal. Tinham medo de os ajudar e de serem acusados de auxílio à imigração ilegal. Quando aqueles cinco foram salvos, ninguém queria acreditar. O Governo de Itália dizia que contavam aquela história para suscitar pena, solidariedade."
Paola não esqueceu aqueles rostos. Convidou os rapazes, instalados na Sicília, para passarem cinco dias em Lampedusa. Habtom e Bemnet aceitaram o convite. "Eles telefonam de vez em quando. Eu e o meu companheiro somos dos poucos amigos italianos que têm. Talvez porque quisemos ouvir a sua história." Uma história de luta desesperada pela sobrevivência. Como esta que hoje tanto a comove.
O Parlamento Europeu fez um minuto de silêncio pelos mortos de ontem. Na véspera, adoptara um relatório apelando à "solidariedade" entre os Estados-membros. A Comissão Europeia escreveu aos 27 propondo-lhes que activem um procedimento excepcional de protecção temporária para oferecer "protecção imediata" aos refugiados que chegam da Líbia.
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