A crise mundial, o crescimento econômico brasileiro e o aumento
significativo de salários e da demanda por mão de obra qualificada têm atraído
para o Brasil cada vez mais estrangeiros com alto nível técnico. O número de
autorizações de trabalho concedidas pelo governo a pessoas vindas de fora
cresceu quase 26% em 2011, com cerca de 70 mil novos vistos.
De acordo com o Ministério do Trabalho e Emprego, mais da metade
das 66 mil autorizações temporárias concedidas em 2011 foram para profissionais
com nível superior completo. O número de mestres e doutores estrangeiros quase
triplicou, passando de 584 para 1.734. A estimativa do Ministério das Relações
Exteriores é que mais 2 milhões de estrangeiros legais tenham o Brasil como
morada, o que supera a população do Uruguai.
Ainda assim, o déficit de mão de obra especializada é alto e a
burocracia para a emissão de vistos de trabalho assusta o imigrante. O
engenheiro italiano Paolo Farnese diz que é preciso ter muita vontade e
perseverança para conseguir emprego no Brasil sendo estrangeiro. Ainda
estudante, após uma breve visita ao país, ele se apaixonou pela pequena cidade
de Camocim, no Ceará, e decidiu que ali viveria após se formar. Já com o
diploma nas mãos e casado, retornou ao Brasil disposto a ficar.
Durante cerca de seis meses, o casal tentou regularizar documentos
e conseguir vistos de trabalho. Sem sucesso, Farnese e a mulher foram obrigados
a voltar para a Itália, após o vencimento dos vistos de turistas. Voltaram para
o Brasil um ano depois, decididos a abrir uma empresa e solicitar um visto de
investidor, mas acabaram beneficiados pela Lei de Anistia de 2009 (n´ 11.961),
que concedeu vistos transitórios a todos os estrangeiros que viviam no país na
época.
O processo de tradução e legalização de documentos foi uma
maratona à parte. "Ao todo gastei, cerca de R$ 5 mil com traduções,
autenticações e revalidação do meu histórico acadêmico, que demorou mais de um
ano para ficar pronto." Quando todos os trâmites pareciam estar
concluídos, o italiano descobriu que, para exercer a profissão de engenheiro no
país, precisaria do registro do Conselho Regional de Engenharia Arquitetura e
Agronomia (Crea). "Depois de enviar toda a papelada para Brasília, o Crea
não concedeu o registro, porque meu visto era transitório e eles exigem o visto
permanente", contou.
O visto permanente chegou três anos depois. Recentemente, Farnese
recebeu um protocolo do Crea até que o registro definitivo seja emitido.
Atualmente, ele trabalha na ampliação do Porto do Itaqui, em São Luís, no
Maranhão, como funcionário da empresa Vale. "Algumas vezes pensei em
desistir, mas valeu a pena ter insistido", disse.
Residente no Brasil há oito anos, e há três no Rio de Janeiro, o
norte-americano Ryan Hemming reclamou da desinformação nos órgãos públicos que
lidam com estrangeiros. "Há sempre muita desinformação e a maioria trata o
estrangeiro com arrogância como se estivesse fazendo favor", queixou-se o
norte-americano. Após se mudar recentemente, ele precisou procurar a Polícia
Federal para informar o novo endereço.
"Liguei para o telefone central da Polícia Federal e me
informaram que bastava levar um documento comprovando meu novo endereço em
qualquer unidade do órgão. Fui ao posto mais perto de casa e lá descobri que
esse trâmite só poderia ser feito na Delegacia de Polícia de Imigração, no
aeroporto internacional. Liguei para a delegacia e me confirmaram que bastava
levar um documento confirmando o novo endereço. Quando cheguei lá, informaram
que não seria atendido, pois precisava agendar uma visita, e que também tinha
que levar foto e outros documentos. Faltei o trabalho à toa", contou ele,
que trabalha em uma escola de inglês.
No Rio há oito anos, o geógrafo alemão Wolfram Lange disse nunca
ter sido maltratado por funcionários públicos e ressaltou que alguns são muito
gentis e solícitos. No entanto, reclamou da falta de preparo para lidar com
imprevistos. "Às vezes, na Polícia Federal, eles nem sabem direito como
tratar os casos especiais, não sabem se tem que ter cópia autenticada, firma
reconhecida. Em geral, sempre é muita papelada e qualquer pequeno erro dá
problema". Ele disse que precisou ir a uma delegacia cinco vezes para
concluir o Registro Nacional de Estrangeiro. "E quase sempre, tem que
enfrentar fila, mesmo chegando às 6 horas."
Com a demanda por mão de obra cada vez maior devido aos grandes
projetos empresariais em curso no país, como os do pré-sal, a vinda de
estrangeiros qualificados é a única alternativa em curto prazo para suprir o
déficit de recursos humanos em setores estratégicos brasileiros. A constatação
é do economista André Sacconato, da associação Brain Brasil Investimentos e
Negócios, que coordena uma pesquisa para mapear os setores carentes de mão de
obra de alto nível. "O Brasil tinha, em 2010, 10 milhões de matriculados
em cursos superiores. É muito pouco, se compararmos ao Chile e à Argentina, que
têm quase o dobro, sem mencionar países como os Estados Unidos e outros da
Europa, ainda mais desenvolvidos. Além disso, parte desses recém-formados não é
absorvida pelo mercado", destacou.
Sacconato acredita que, assim como o Canadá, a Austrália e Cingapura,
o Brasil deve criar uma política direcionada de vistos, para suprir as
carências de alguns setores, como engenharia e serviços financeiros. "Para
isso, é necessário mudar toda a lógica de imigração que existe hoje e diminuir
a burocracia. Hoje três ministérios (do Trabalho, da Justiça e das Relações
Exteriores) estão envolvidos no processo de emissão de visto de trabalho para
estrangeiros. Se tiver algum erro nos vários formulários exigidos, o processo
volta para a estaca zero. São tantas etapas, que na prática o processo demora
muito mais", disse.
O Ministério do Trabalho informou, por e-mail , que tem feito o
maior esforço no sentido de orientar os interessados a apresentar corretamente
os documentos e criou um guia disponível na internet com o passo a passo sobre
os procedimentos. Até o fechamento desta matéria, a Polícia Federal não havia
respondido ao pedido de entrevista feito pela Agência Brasil ou às perguntas
enviadas por e-mail.
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