A grife de roupas e acessórios Zara, que foi implicada
em caso de escravidão contemporânea flagrado na confecção de roupas
da marca, está suspensa doPacto Nacional
pela Erradicação do Trabalho Escravo. O Comitê de Coordenação e
Monitoramento da iniciativa, que reúne empresas comprometidas em agir
contra a exploração de mão de obra escrava, decidiu pela suspensão da
companhia têxtil espanhola em decorrência do posicionamento no sentido da
inconstitucionalidade da "lista
suja" do trabalho escravo, assumido pela mesma empresa
em ação judicial apresentada à Justiça do Trabalho.
De acordo com comunicado assinado
pelos membros do Comitê, o comportamento
da Zara, ao colocar em xeque o cadastro de empregadores envolvidos em
casos de trabalho escravo, "afronta" e "enseja a
violação" dos princípios basilares
e formadores do Pacto Nacional, que mantém
atividades desde 2005. Ressalte-se que, mesmo após pedido prévio de
esclarecimento, a empresa - que faz parte do grupo Inditex, com sede na
Espanha, considerado o mais valioso conglomerado empresarial do setor têxtil em
todo o mundo - informou que mantém inalterada a sua posição.
"A ´lista suja´ é uma referência internacional, inclusive citada em relatórios globais sobre o tema", comentou Luiz Machado, coordenador do Programa de Erradicação do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão que integra o Comitê de Coordenação e Monitoramento do Pacto Nacional. "A suspensão [em vigor desde a última sexta (17)] não tira a importância de outras ações e investimentos de responsabilidade social que estão sendo realizadas no combate ao problema, que é muito grave". Além da OIT, fazem parte do Comitê o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, o Instituto Observatório Social (IOS) e a ONG Repórter Brasil.
A Zara tornou-se signatária do Pacto Nacional em novembro de 2011, ocasião em que também incentivou a adesão de 48 de suas fornecedoras. Desde que uma fiscalização coordenada pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP) encontrou 15 pessoas produzindo peças de vestuário da marca em condições análogas à escravidão em meados de 2011, a grife assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e vem anunciando uma série de medidas direcionadas ao enfrentamento do trabalho escravo. Acabou, porém, sendo punida por pregar no Judiciário a inconstitucionalidade de um instrumento considerado central nos esforços para a erradicação deste tipo de crime.
A Justiça do Trabalho concedeu liminar para que a Zara Brasil Ltda. não seja incluída na "lista suja" do trabalho escravo, mas, valendo-se do princípio da publicidade, negou o pedido para que o processo corra em segredo de Justiça. A ação, que contesta ainda os 48 autos de infração emitidos contra a empresa e a atuação dos auditores-fiscais do trabalho, corre na 3ª Vara do Trabalho de São Paulo (SP). Uma audiência relativa ao imbróglio judicial está marcada para o próximo dia 13 de setembro.
Contactada pela Repórter Brasil, a Zara Brasil informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que prefere não se pronunciar a respeito da suspensão por tempo indeterminado - que, segundo o Comitê, tem sua vigência "condicionada à existência e tramitação do processo e às eventuais decisões judiciais sobre os pedidos constantes da Ação Anulatória".
Responsabilidades
Em sua defesa, a Zara se sustenta basicamente em dois argumentos complementares. O primeiro deles é a de que a empresa espanhola não poderia ter sido autuada por submeter pessoas a condições análogas à escravidão, pois mantinha apenas uma relação comercial (compra e venda de produtos) com a fornecedora AHA. Esta última teria, para a Zara, decidido terceirizar a produção para oficinas de costura menores por sua própria conta e risco.
O segundo argumento é o de que, mesmo supostamente não tendo responsabilidade jurídica pelo ocorrido, a grife teria demonstrado reiterado compromisso com padrões de trabalho decente em sua cadeia produtiva, com ações concretas de responsabilidade social.
O argumento inicial é contestado frontalmente pela fiscalização trabalhista responsável pela libertação das 15 vítimas, realizada na capital paulista em meados de 2011. Na visão dos coordenadores da inspeção, não há dúvidas de que o esquema prestava-se exclusivamente "para encobrir o real empregador e esconder a alocação de trabalhadores em atividades permanentes e essenciais ao objeto do negócio da autuada [no caso, a Zara Brasil Ltda.] - atividade de confecção das peças que comercializava".
Os advogados da Zara sustentam que a AHA era uma empresa independente que produzia para outras marcas além da Zara. A auditoria da SRTE/SP constatou, no entanto, que as peças da grife correspondiam a 91% do total confeccionado pela AHA no período de três meses que antecederam a operação. E que, além da dependência econômica, não pairaram dúvidas acerca do gerenciamento da produção por parte da Zara. Entre os atos típicos de poder diretivo, os agentes ressaltaram "ordens verbais, fiscalização, controle, e-mails solicitando correção e adequação das peças, controle de qualidade, reuniões de desenvolvimento, cobrança de prazos de entrega etc." No entendimento da SRTE/SP, portanto, a Zara constitui "pessoa jurídica que de fato dirige o processo produtivo e se beneficia dessa mão de obra".
Em adição, a Zara busca sublinhar, em seu segundo argumento, a sua conduta "socialmente responsável" perante a Justiça. Para tanto, apresenta uma série de ações, como a própria adesão ao Pacto Nacional, a assinatura do TAC (dos R$ 3,4 milhões de indenização por dano moral coletivo acordados, a empresa alega já ter desembolsado pelo menos R$ 1,3 milhão), parcerias com entidades da sociedade civil e a realização de centenas de auditorias completas (como parte do monitoramento do Código de Conduta imposto a parceiros comerciais) após a repercussão internacional gerada pela divulgação do caso de trabalho escravo contemporâneo.
Monitoramento
Ocorre que levantamento realizado pela Repórter Brasil com base em informações divulgadas em relatórios anuais do grupo Inditex revela uma contradição relacionada às auditorias do Código de Conduta. Em matéria publicada na sequência do polêmico episódio de escravidão, chamou-se a atenção para o fato de que somente nove auditorias iniciais foram promovidas em toda a cadeia produtiva brasileira a pedido da Zara no ano de 2010. Não foi possível obter detalhes sobre essas averiguações junto à grife. Em posição inicial encaminhada à reportagem, a companhia alegou apenas que "a base fixa de fornecedores atende a níveis de qualidade tanto no que se refere a seus produtos, quanto às condições em que são fabricados, como revela nosso sistema de auditoria regular" e que 75% dos fornecedores vinham obtendo as qualificações máximas no monitoramento.
Questionada a respeito de possíveis auditorias prévias à fiscalização com foco na AHA, a Zara tem optado pelo silêncio. Em duas ocasiões, porém, deixou escapar que a confecção vinha trabalhando com a grife "há muito tempo" (Regiane Machado, diretora de compras da Zara Brasil) e detinha "muito boa fama" (Jesus Echevarría, diretor global de comunicação da Inditex). A informação a respeito de possíveis visitas da Zara à AHA antes do flagrante é crucial, pois evidencia o nível de "compromisso" da empresa com sua cadeia produtiva: se esteve na fornecedora, seria importante que abrisse os resultados da checagem; se não esteve, é preciso justificar por qual motivo não o fez, já que a AHA era a principal fornecedora de tecidos planos da Zara Brasil.
A comparação dos dados de 2010 com os 2011 também é reveladora. Em contraste com as parcas nove auditorias (todas elas iniciais, ou seja, nenhuma delas de acompanhamento) executadas em 2010, a Inditex/Zara patrocinou 439 auditorias em 2011 - 67 iniciais, 14 de acompanhamento e nada menos que 358 "especiais" -, em grande mobilização que envolveu equipes próprias internas e três consultorias externas contratadas (SGS, Intertek e Apcer).
Enquanto houve uma média de uma auditoria a cada 40 dias em 2010; em 2011, foram uma média de cinco auditorias a cada quatro dias, isto é, mais de uma auditoria por dia. Chamada a responder sobre a disparidade do volume de monitoramentos entre os dois anos, a Zara escolheu mais uma vez o silêncio. Permanece, portanto, a dúvida: como uma empresa tão empenhada em fazer valer o seu Código de Conduta realiza tão raras auditorias anuais, por menor que seja a amostragem, em um universo (cadeia produtiva da marca no Brasil) que comporta até 48,77 vezes mais verificações?
Outra explicação pedida pela Repórter Brasil que não obteve resposta da Zara diz respeito ao Disque-Denúncia (0800-7709242), mais uma medida implementada após a ampla divulgação do caso de escravidão. O número de telefone está ativo, mas a reportagem identificou vários problemas com o serviço. O atendimento não está devidamente preparado para receber possíveis denúncias de forma efetiva e segura: não há, por exemplo, a opção para coleta de informações em espanhol e prevalece a confusão quanto às formas de encaminhamento das denúncias. A empresa não quis confirmar sequer o número de casos colhidos e repassados pelo serviço e nem ofereceu mais detalhes sobre os procedimentos que estão sendo utilizados.
"A ´lista suja´ é uma referência internacional, inclusive citada em relatórios globais sobre o tema", comentou Luiz Machado, coordenador do Programa de Erradicação do Trabalho da Organização Internacional do Trabalho (OIT), órgão que integra o Comitê de Coordenação e Monitoramento do Pacto Nacional. "A suspensão [em vigor desde a última sexta (17)] não tira a importância de outras ações e investimentos de responsabilidade social que estão sendo realizadas no combate ao problema, que é muito grave". Além da OIT, fazem parte do Comitê o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, o Instituto Observatório Social (IOS) e a ONG Repórter Brasil.
A Zara tornou-se signatária do Pacto Nacional em novembro de 2011, ocasião em que também incentivou a adesão de 48 de suas fornecedoras. Desde que uma fiscalização coordenada pela Superintendência Regional do Trabalho e Emprego de São Paulo (SRTE/SP) encontrou 15 pessoas produzindo peças de vestuário da marca em condições análogas à escravidão em meados de 2011, a grife assinou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) e com o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) e vem anunciando uma série de medidas direcionadas ao enfrentamento do trabalho escravo. Acabou, porém, sendo punida por pregar no Judiciário a inconstitucionalidade de um instrumento considerado central nos esforços para a erradicação deste tipo de crime.
A Justiça do Trabalho concedeu liminar para que a Zara Brasil Ltda. não seja incluída na "lista suja" do trabalho escravo, mas, valendo-se do princípio da publicidade, negou o pedido para que o processo corra em segredo de Justiça. A ação, que contesta ainda os 48 autos de infração emitidos contra a empresa e a atuação dos auditores-fiscais do trabalho, corre na 3ª Vara do Trabalho de São Paulo (SP). Uma audiência relativa ao imbróglio judicial está marcada para o próximo dia 13 de setembro.
Contactada pela Repórter Brasil, a Zara Brasil informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que prefere não se pronunciar a respeito da suspensão por tempo indeterminado - que, segundo o Comitê, tem sua vigência "condicionada à existência e tramitação do processo e às eventuais decisões judiciais sobre os pedidos constantes da Ação Anulatória".
Responsabilidades
Em sua defesa, a Zara se sustenta basicamente em dois argumentos complementares. O primeiro deles é a de que a empresa espanhola não poderia ter sido autuada por submeter pessoas a condições análogas à escravidão, pois mantinha apenas uma relação comercial (compra e venda de produtos) com a fornecedora AHA. Esta última teria, para a Zara, decidido terceirizar a produção para oficinas de costura menores por sua própria conta e risco.
O segundo argumento é o de que, mesmo supostamente não tendo responsabilidade jurídica pelo ocorrido, a grife teria demonstrado reiterado compromisso com padrões de trabalho decente em sua cadeia produtiva, com ações concretas de responsabilidade social.
O argumento inicial é contestado frontalmente pela fiscalização trabalhista responsável pela libertação das 15 vítimas, realizada na capital paulista em meados de 2011. Na visão dos coordenadores da inspeção, não há dúvidas de que o esquema prestava-se exclusivamente "para encobrir o real empregador e esconder a alocação de trabalhadores em atividades permanentes e essenciais ao objeto do negócio da autuada [no caso, a Zara Brasil Ltda.] - atividade de confecção das peças que comercializava".
Os advogados da Zara sustentam que a AHA era uma empresa independente que produzia para outras marcas além da Zara. A auditoria da SRTE/SP constatou, no entanto, que as peças da grife correspondiam a 91% do total confeccionado pela AHA no período de três meses que antecederam a operação. E que, além da dependência econômica, não pairaram dúvidas acerca do gerenciamento da produção por parte da Zara. Entre os atos típicos de poder diretivo, os agentes ressaltaram "ordens verbais, fiscalização, controle, e-mails solicitando correção e adequação das peças, controle de qualidade, reuniões de desenvolvimento, cobrança de prazos de entrega etc." No entendimento da SRTE/SP, portanto, a Zara constitui "pessoa jurídica que de fato dirige o processo produtivo e se beneficia dessa mão de obra".
Em adição, a Zara busca sublinhar, em seu segundo argumento, a sua conduta "socialmente responsável" perante a Justiça. Para tanto, apresenta uma série de ações, como a própria adesão ao Pacto Nacional, a assinatura do TAC (dos R$ 3,4 milhões de indenização por dano moral coletivo acordados, a empresa alega já ter desembolsado pelo menos R$ 1,3 milhão), parcerias com entidades da sociedade civil e a realização de centenas de auditorias completas (como parte do monitoramento do Código de Conduta imposto a parceiros comerciais) após a repercussão internacional gerada pela divulgação do caso de trabalho escravo contemporâneo.
Monitoramento
Ocorre que levantamento realizado pela Repórter Brasil com base em informações divulgadas em relatórios anuais do grupo Inditex revela uma contradição relacionada às auditorias do Código de Conduta. Em matéria publicada na sequência do polêmico episódio de escravidão, chamou-se a atenção para o fato de que somente nove auditorias iniciais foram promovidas em toda a cadeia produtiva brasileira a pedido da Zara no ano de 2010. Não foi possível obter detalhes sobre essas averiguações junto à grife. Em posição inicial encaminhada à reportagem, a companhia alegou apenas que "a base fixa de fornecedores atende a níveis de qualidade tanto no que se refere a seus produtos, quanto às condições em que são fabricados, como revela nosso sistema de auditoria regular" e que 75% dos fornecedores vinham obtendo as qualificações máximas no monitoramento.
Questionada a respeito de possíveis auditorias prévias à fiscalização com foco na AHA, a Zara tem optado pelo silêncio. Em duas ocasiões, porém, deixou escapar que a confecção vinha trabalhando com a grife "há muito tempo" (Regiane Machado, diretora de compras da Zara Brasil) e detinha "muito boa fama" (Jesus Echevarría, diretor global de comunicação da Inditex). A informação a respeito de possíveis visitas da Zara à AHA antes do flagrante é crucial, pois evidencia o nível de "compromisso" da empresa com sua cadeia produtiva: se esteve na fornecedora, seria importante que abrisse os resultados da checagem; se não esteve, é preciso justificar por qual motivo não o fez, já que a AHA era a principal fornecedora de tecidos planos da Zara Brasil.
A comparação dos dados de 2010 com os 2011 também é reveladora. Em contraste com as parcas nove auditorias (todas elas iniciais, ou seja, nenhuma delas de acompanhamento) executadas em 2010, a Inditex/Zara patrocinou 439 auditorias em 2011 - 67 iniciais, 14 de acompanhamento e nada menos que 358 "especiais" -, em grande mobilização que envolveu equipes próprias internas e três consultorias externas contratadas (SGS, Intertek e Apcer).
Enquanto houve uma média de uma auditoria a cada 40 dias em 2010; em 2011, foram uma média de cinco auditorias a cada quatro dias, isto é, mais de uma auditoria por dia. Chamada a responder sobre a disparidade do volume de monitoramentos entre os dois anos, a Zara escolheu mais uma vez o silêncio. Permanece, portanto, a dúvida: como uma empresa tão empenhada em fazer valer o seu Código de Conduta realiza tão raras auditorias anuais, por menor que seja a amostragem, em um universo (cadeia produtiva da marca no Brasil) que comporta até 48,77 vezes mais verificações?
Outra explicação pedida pela Repórter Brasil que não obteve resposta da Zara diz respeito ao Disque-Denúncia (0800-7709242), mais uma medida implementada após a ampla divulgação do caso de escravidão. O número de telefone está ativo, mas a reportagem identificou vários problemas com o serviço. O atendimento não está devidamente preparado para receber possíveis denúncias de forma efetiva e segura: não há, por exemplo, a opção para coleta de informações em espanhol e prevalece a confusão quanto às formas de encaminhamento das denúncias. A empresa não quis confirmar sequer o número de casos colhidos e repassados pelo serviço e nem ofereceu mais detalhes sobre os procedimentos que estão sendo utilizados.
Maurício Hashizume
Nenhum comentário:
Postar um comentário