Filmes que
colocam sentimentos como a vingança e a traição em primeiro plano não raras
vezes esbarram em clichês ou falsos moralismos e se aproximam facilmente do
lugar-comum. Corações sujos, longa-metragem de Vicente
Amorim, adaptado do livro homônimo de Fernando Morais, é exceção à regra. O filme é
baseado na real e inusitada situação vivida pelos imigrantes japoneses e seus
descendentes, que, morando no Brasil e sem notícias confiáveis da terra do Sol
Nascente, não acreditavam na derrota de seu país na Segunda Guerra Mundial. Aos
que duvidavam da verdade, restavam o ódio, a perseguição e até a morte.
Com
um ótimo roteiro de
David França Mendes, Corações sujos tem sua narrativa
ambientada no interior de São Paulo, nas origens daquela que viria a se tornar
a maior comunidade japonesa, no mundo, fora do Japão. Entre 1945 e 1946, quase
80% dos cerca de 200 mil imigrantes estavam em cidades do Oeste paulista e do Paraná, acreditando ainda na vitória de seu
país. Para eles, os japoneses que aceitavam a notícia da rendição eram
traidores. Uma desonra que só poderia ser lavada com sangue. Assim começaram os
ataques dos “vitoristas” (ou kachigumi) contra aqueles que aceitavam a derrota
(os “derrotistas”, ou makegumi), apelidados pejorativamente de “corações sujos”
pelos opositores.
Por
mais de um ano, dezenas de atentados ocorreram nos municípios que abrigavam as
comunidades japonesas em São Paulo, desafiando as autoridades policiais. Na
ficção, o recurso usado para recuperar o clima de vingança e traição foi
centrar os conflitos na história de um homem comum, o imigrante Takahashi, dono
de uma pequena loja de fotografia, casado com a professora primária Miyuki, que
se envolve nessa guerra e é afetada pela intolerância, o radicalismo, a
manipulação e o medo.
Filmado
em locações nas cidades de Paulínia e Campinas entre abril e maio do ano
passado, Corações sujos aposta em inovações de linguagem, como
o uso de câmera em movimento e imagens desfocadas para dar a sensação de
alucinação e cegueira nos personagens tomados pelo ódio. Os ótimos atores
japoneses escalados são outro trunfo. Tsuyoshi Ihara, protagonista de Cartas
de Iwo Jima, de Clint Eastwood, interpreta o protagonista
Takahashi; enquanto Takako Tokiwa faz o papel de Miyuki. Noboru
Watanabe,
líder do bando justiceiro que tenta convencer a todos da supremacia japonesa, é
o personagem de Eiji Okuda, um dos atores e diretores de cinema mais premiados
do Japão. Quando bom elenco, roteiro e direção consistente se juntam num
projeto como este, o resultado só poderia ser ótimo entretenimento.
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