Dez meses após
terem aprovado uma restrição na entrada de imigrantes, os suíços recusam, desta
vez, uma iniciativa visando limitar o crescimento da população com medidas
radicais quanto ao número de estrangeiros permitidos no país. Os milionários
estrangeiros residentes no país também poderão continuar a desfrutar dos seus
privilégios fiscais.
No início do ano,
os suíços aprovavam, contra todas as expectativas, a iniciativa “contra a
imigração de massa” lançada pelo SVP, o “partido do povo suíço”. Uma iniciativa
que pretende travar a imigração no país introduzindo quotas e limites para a
entrada de estrangeiros que pretendem trabalhar na Suíça. A aprovação causou
grande constrangimento para o governo suíço nas suas negociações com a União
Europeia, principal visada pela iniciativa.
Desta vez, os
iniciantes tentaram camuflar o lobo com pele de cordeiro, ou melhor, o arame
farpado com folhas do outono, pois a iniciativa, chamada de “Ecopop”, foi
lançada por ecologistas preocupados com o crescimento populacional da Suíça e a
pavimentação desenfreada do território.
Segundo a proposta
levada a plebiscito neste domingo (30), a população residente na Suíça
"não deve exceder um nível compatível com a preservação sustentável dos
recursos naturais". Especificamente, os iniciantes queriam que a imigração
não excedesse 0,2% da população em uma média de três anos.
A iniciativa chegou
até a prever que 10% do orçamento total da ajuda ao desenvolvimento fossem
gastos na promoção do planeamento familiar nos países em desenvolvimento, para,
com isso, ajudar a diminuir o número de miseráveis nessas regiões, ou seja, o
número de imigrantes potenciais tentando fugir à pobreza.
Campanha do contra
A iniciativa do
Comitê Ecopop (Ecologia e População) enfrentou uma verdadeira campanha do
contra. Todos os partidos políticos, tanto de esquerda como de direita, denunciaram
o projeto.
Diversas
organizações (sindicatos, organizações empresariais, igrejas ou ONGs) foram
contra o texto. Em particular, a iniciativa foi muito criticada por ser radical
demais e “colonialista”, pondo em risco a tradição humanitária da Suíça, além
de tentar estrangular o desenvolvimento económico do país.
Até mesmo o SVP,
que impôs a iniciativa "Contra a imigração em massa", em fevereiro,
fez campanha contra. O mesmo vale para os movimentos ambientalistas
tradicionais, apesar destes terem mostrado um pouco de compreensão com a
finalidade da iniciativa Ecopop de reduzir a pegada ecológica da humanidade.
A rejeição popular
de mais de 73% foi bem clara e mostra que, apesar de se preocuparem com a
ecologia, os suíços estão preocupados com a manutenção da prosperidade do país,
que depende extremamente da mão de obra estrangeira.
Equidade contra atratividade
A segunda
iniciativa submetida à votação foi lançada pela esquerda. Ela pretendia acabar
com o sistema de privilégios fiscais para estrangeiros ricos.
Este sistema
permite que os estrangeiros ricos estabelecidos na Suíça, que não exercem uma
atividade lucrativa no país, sejam tributados apenas com base em seus gastos e
não sobre os seus rendimentos e os bens que possuem. Mais de 5.600 pessoas são
beneficiadas, incluindo grandes nomes do entretenimento e do desporto mundial,
como o ex-piloto de Fórmula 1 Michael Schumacher ou o tenista francês
Jo-Wilfried Tsonga.
O sistema é
praticado principalmente nos cantões de língua francesa, mas alguns cantões,
como Zurique, já aboliram a prática, enquanto outros, incluindo Berna,
recusavam-se a fazê-lo. Por isso, a iniciativa para “acabar com os privilégios
fiscais dos milionários” foi levada a plebiscito em nível federal.
A iniciativa criou
um confronto esquerda-direita bastante tradicional. Para a esquerda, os
privilégios, aliás bastante opacos, vão contra a equidade fiscal. Segundo os
iniciantes, não é normal que uma pessoa de classe média pague mais impostos na
Suíça do que um milionário estrangeiro que more no país. A esquerda também
criticou os prejuízos causados por esses exilados fiscais em seus países de
origem.
À direita, o
discurso foi muito mais pragmático. Para os adversários, a supressão dos
privilégios reduziria a atratividade fiscal e económica da Suíça. Vários
países, como a Bélgica e Portugal, também fazem o possível para atrair as
grandes fortunas. Para a direita, abolir os privilégios fiscais na Suíça não
mudaria em nada a situação no nível mundial, isso só equivaleria a "um
tiro no próprio pé".
Rejeitando com mais
de 62% a iniciativa, os suíços continuam mantendo abertas as portas do país aos
estrangeiros. Desta vez, não só aos que tentam fugir à pobreza em seus países,
mas àqueles adeptos daquela “lei” de se levar vantagem em tudo.
Mercados à espreita
A última questão
levada a plebiscito foi proposta pelo Partido do Povo Suíço. Com o apelo
“Salvem o Ouro da Suíça”, a iniciativa pretendia restaurar e preservar as
reservas de ouro do Banco Central Suíço (SNB, na sigla em alemão). No início de
2000, o SNB havia se separado de mais da metade das suas reservas de ouro. Na
verdade, o ouro já não serve como base para a moeda há muito tempo e, na época,
o metal amarelo parecia ter perdido a sua função de valor refúgio.
Aos olhos dos
iniciantes, essa política representa uma dilapidação do património nacional. Em
sua iniciativa, o partido de direita conservadora, pretendia proibir novas
vendas do metal, que os estoques de ouro ficassem armazenados no território
nacional e que as reservas de ouro representassem, pelo menos, 20% dos ativos
do SNB, contra os atuais 7,6%.
Os outros partidos,
tanto de direita como de esquerda, opuseram-se a esta iniciativa. Para eles,
isso diminuiria significativamente a flexibilidade do banco central suíço. Além
disso, os adversários consideraram que não se deveria dar tanta importância
assim ao ouro, já que o metal não gera juros e pode rapidamente perder seu
valor.
Os mercados
financeiros acompanharam de perto os desenvolvimentos da questão. Na verdade,
se a iniciativa fosse aceite, a Suíça deveria realizar uma grande aquisição de
ouro maciço, o que teria uma influência mundial. Os suíços preferiram, no
entanto, continuar apostando na política económica do governo e na opinião dos
especialistas, recusando em mais de 76% a iniciativa do SVP.
Por Fernando
Hirschy, swissinfo
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