Antes
mesmo de o Presidente Barack Obama ter acabado de explicar a sua ordem
executiva sobre a imigração, eles — os operários da construção, os seguranças,
os jardineiros, os pintores e os operários fabris que vivem no parque de
atrelados na zona sul de Richmond — já sabiam. Alguns vão ficar para trás. É a
história da vida deles — sempre que alguém traça uma linha, uns ficam do lado
de cá e outros do lado de lá.
Aqui, como noutros
enclaves de imigrantes por todo o país, eles juntaram-se em salas de estar, em
cafetarias, dentro de carros e, com os rádios ligados, ouviram o anúncio do
Presidente. E foi isto o que ouviram: Vou proteger muitos de vocês da
deportação, mas talvez não proteja todos os vossos vizinhos. Vou dar a muitos
de vocês segurança social, mas vou deixar os outros com os seus cartões falsos
e os pagamentos por baixo da mesa. Alguns vão ter cartas de condução legais,
outros têm que se desenrascar com o que têm. Uma mulher que teve um filho neste
país merece o mesmo do que a mulher que teve o filho noutro país ou do que um
homem sem filhos, mas isto é o melhor que eu consigo fazer agora.
A
linha divisória ecoou por todo o país. Nos dias que se seguiram, o anúncio de
Obama deixou um travo agridoce.
Dentro
e fora. Foi assim no tempo da Administração Reagan, nos anos 1980. É assim
hoje, apesar de o impacto desta decisão presidencial não ser tão grande. Obama
traçou uma linha divisória — temporária, condicional, mas uma linha. Vários
milhões de pessoas vão ficar de um lado. Muitos outros milhões ficarão do
outro.
O
operário da construção civil que tem a caravana verde desbotado, um homem
orgulhoso com um chapéu de cowboy que grita por Chihuahua e tem uma fivela no
cinto que parece uma pistola mas é na verdade um isqueiro, fica de fora. Não
tem qualquer hipótese. Vive aqui há 16 anos, mas não tem filhos nascidos nos
Estados Unidos, não tem filhos com direito a residência legal. Obama deixou
claro que só as pessoas com filhos cidadãos teriam direito a uma autorização de
trabalho, ficando temporariamente protegidos da deportação.
A
mulher das Honduras, essa fica dentro. Há 12 anos no país, tem duas crianças
nascidas nos EUA. E um cadastro limpo. Conta que está em pulgas para ter,
finalmente, uma carta de condução, e acrescenta que nunca perdeu a esperança no
Presidente.
Neste
bairro, a linha que Obama traçou anda em ziquezague: Eulogia de Jesus, mãe de
quatro jovens cidadãos americanos, residente nos EUA há 14 anos, está dentro. O
marido, com duas detenções por condução sob o efeito de álcool — a última das quais
o pôs na ala de detenção de imigrantes ilegais — não deverá conseguir ficar do
lado certo da linha.
A
linha volta a ziguezaguear pelo bairro: Tomas Policao, há dez anos no país, pai
de um americano de dois anos, está apto. Mas o seu jovem irmão, Bonifácio, há
oito anos na comunidade, mas que é solteiro e que dorme no quarto ao fundo do
corredor, está fora.
Gisela
Munguia, das Honduras, e Freddy Velasquez, de El Salvador, no país há 12 e 20
anos, respectivamente, e pais de dois filhos nascidos na América, estão dentro.
Mas esperam: quando saiu das Honduras, Gisela deixou um filho de quatro anos
que, no ano passado (11 anos depois) se juntou à mãe na América. Foi um dos
menores que atravessaram, sozinhos, a fronteira e se entregaram às autoridades.
Agora está à espera de ir a tribunal — de que lado está ele, está dentro ou
fora?, pergunta a mãe.Pedir reacções a esta realidade dividida é um exercício
complicado. Há generosidade e contentamento pela sorte dos outros, mas não
imunidade à inveja. A alegria e o alívio andam a par da desilusão e da
consternação.
Responda
a isto, dizem Luis Alberto Reyna, o homem de Chihuahua, Adrian Granados, de
Guanajuato, e Juan Robledo, de Guerrero (os três receberam a amnistia de Ronald
Reagan): como é que nós, que trabalhamos neste país há mais de cinco anos, mas
que não temos filhos, ficamos de fora?
“Nunca
tive apoio do Governo”, diz Reyna. “Não tenho cadastro. Nunca pedi nada, nunca
sobrevivi graças a subsídios. Quando os meus dentes se estragaram, arranquei-os
eu próprio”. “Eu fiz o mesmo”, diz Granados. “Foram os molares”. “Por que é que
estamos nesta situação?”, pergunta Reyna. “Por que é que isto acontece?”
Bonifacio
Policao, um operário fabril solteiro e sem filhos, encolhe os ombros a esta
discussão: “Nada disto me interessa. Fico contente pelos meus irmãos”.
Durante
o anúncio de Obama, a 20 de Novembro, todos se juntaram para ouvir o Presidente
— e agradeceram, e desejaram que mais gente pudesse ser abrangida pela ordem
presidencial. Velasquez ouviu o anúncio com o coração apertado, tentando
controlar-se. Mal Obama acabou de falar, telefonou à mãe, que estava a morrer
em El Salvador, aos 85 anos. “Espera por mim”, disse-lhe ele. “Chego muito em
breve, chego mal seja ‘aprovado’”. Mas a mãe respondeu-lhe que estava velha e
pronta para morrer, e morreu dois dias depois.
PPortugal
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