sexta-feira, 9 de setembro de 2011
Fábricas do suor, escravidão contemporânea
Cerca de 300 mil oficinas clandestinas de costura operam na Argentina degradando aos seus trabalhadores. No Brasil, devido ao crescimento econômico, muitos empresários utilizam o trabalho escravo com a intenção de ser mais competitivos.
As oficinas do suor envolvem grandes marcas e famosos estilistas e atrás da maior parte das roupas que vestimos ocultam-se histórias manchadas de enganos, trabalho escravo e maltrato de pessoal. É o caso de histórias como as de José Luis, um boliviano que chegou à Argentina em busca de trabalho digno. Após vários dias de viagem até chegar à fronteira, as promessas se converteram em uma vida dentro de uma oficina clandestina de costura.
Jornadas intermináveis, salários ínfimos
Uma vez na Argentina, José Luis trabalhava e vivia em condições degradantes, “das oito da manhã à meia noite, com uma hora de descanso ao meio dia para poder comer”, explica emocionado. “Pagavam-nos por peça: 15 centavos a camiseta. E a comida que nos davam era muito ruim, inaceitável”.
Como José Luiz, milhares de bolivianos chegam àquele país em busca de um futuro melhor. Os proprietários das oficinas apoderam-se dos seus documentos e lhes impedem de deixar o trabalho até pagar o custo da viagem. Este boliviano conta como foi enganado por um chefe de oficina. “A partir dos seis meses alguns companheiros puderam pagar e voltar para a Bolívia. Eu pensava em voltar mas não podia acreditar que os bolivianos trabalhassem tantas horas e em ambientes fechados. O patrão também era boliviano e dizia que a Argentina estava economicamente bem porque os bolivianos trabalhavam dessa maneira”. Finalmente José Luis conseguiu sair da oficina clandestina e hoje trabalha legalmente em uma fábrica de costura.
O trabalho escravo às claras
Em 2006, uma tragédia na Argentina revelou as dimensões do trabalho escravo no país: seis funcionários morreram carbonizados em uma oficina têxtil clandestina onde viviam quinze famílias que trabalhavam até 18 horas por dia. Gustavo Vera, diretor da Fundação Alameda, organização que luta pela erradicação do trabalho escravo, acredita que o governo da Argentina ignora essa realidade. “O que há é basicamente uma política que reage frente aos escândalos, mas por pouco tempo, sem uma política de erradicação do trabalho escravo nem de gerar alternativas para uma digna reinserção trabalhista das vítimas”, garante.
Nem o sindicato do Vestido, que agrupa as grandes marcas de costura no país, possui uma política para combater as mais de 300 mil fábricas de suor que existem na Argentina, segundo a organização. “Existe uma forte conivência entre o sindicato, o poder político e os empresários”, afirma Vera.
Ainda que a Fundação Alameda denuncie essas oficinas ilegais com o objetivo de que sejam fechadas, baixar as portas não é o fim do problema, pois muitas empresas trasladam suas oficinas clandestinas para burlar as leis. Ezequiel Conde, delegado da União dos Trabalhadores Costureiros, cita como exemplo a empresa na qual trabalha, a argentina Soho. “Há uma denúncia penal aberta por utilização de oficinas clandestinas, mas ela as continua usando”, explica. “Só mudou de província, onde a legislação é diferente”.
Grandes marcas e estilistas de prestígio
Recentemente os estilistas argentinos Laurencio Adot e Jorge Ibañez estiveram envolvidos com essas práticas. Uma das clientes de Jorge Ibañez é a princesa holandesa Máxima. Segundo a Fundação Alameda, além de marcas nacionais como Kosiuko e Topper, também são adeptas dessa prática as internacionais Adidas, Puma, Levi’s e C&A.
No Brasil, a organização de jornalistas contra o trabalho escravo, Repórter Brasil, assegura que as marcas brasileiras Marisa, Pernambucanas e 775 são apenas alguns exemplos de empresas cúmplices das fábricas do suor. O último escândalo no país foi protagonizado pela empresa espanhola Zara. Três oficinas ilegais produziam para esta multinacional explorando os trabalhadores bolivianos. A Zara negou conhecer os fatos através da porta-voz da empresa no Brasil, Regiane Machado.
Sobre este tema, Leonardo Sakamoto, diretor da Repórter Brasil, considera “impossível que a empresa produza seu material, com suas etiquetas, obrigue as pessoas a seguir seus moldes, verifique a qualidade dos produtos, mas não se considere responsável pelos trabalhadores”. Além disso, Sakamoto destaca que a Zara pagava muito pouco aos seus trabalhadores, menos de dois reais por peça, pouco mais de um dólar, enquanto que as peças eram vendidas nas lojas a um preço 70 vezes mais alto.
Soluções a partir do Estado
Os tratados de Livre Comércio na região e o aumento da competição em um país que cresce rapidamente fizeram com que as empresas busquem diminuir os custos a qualquer preço. O governo brasileiro delega a responsabilidade aos próprios empresários. A secretária Nacional de Inspeção, Vera Albuquerque, acredita que os imigrantes “por falta de conhecimento e educação, ou por sua cultura, pensam que isso é normal. Eu creio que temos que lhes dar condições para que melhorem. Se o trabalho representa um lucro para o empresário, este tem que dar um exemplo decente”.
A Repórter Brasil destaca a necessidade de políticas governamentais que sejam centradas em três áreas: a fiscalização, a criminalização do trabalho escravo, tal e como diz a legislação brasileira, e a erradicação da pobreza, gerando oportunidades. Na maioria dos casos, é a miséria que obriga milhares de pessoas a aceitar essas condições trabalhistas. Para o economista argentino Marcelo Lascano, ainda que isso não se justifique, pode-se entender porque as pessoas aceitam a ilegalidade. “Há um direito natural a sobreviver e buscar as melhores condições para a família e esse direito é mais importante do que o direito escrito”.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário