terça-feira, 20 de setembro de 2011

Açores acolheram maior fórum mundial sobre migrações


Dezoito as cidades em todo o mundo acolhem mais de um milhão de estrangeiros entre os seus habitantes e são cerca de 40 aquelas onde residem mais de 250 mil emigrantes. Há ainda pouco mais de quatro dezenas de cidades em todo globo onde vivem mais de 100 mil estrangeiros. Lisboa integra esse grupo. O maior fórum mundial sobre migrações «aterrou» em Ponta Delgada, nos Açores, na passada semana, para debater o futuro das migrações - os problemas, os direitos e a importância à escala global dos emigrantes (do ponto de vista do país de origem) e imigrantes (quanto ao país de acolhimento). Uma realidade que não pode ser ignorada, já que “um em cada seis de nós” vive a realidade da emigração, como frisou o director-geral da Organização Internacional para as Migrações (OIM), William Swing, na sessão de abertura da 16.ª Conferência Internacional Metropólis.
Foi para debater o futuro das migrações num mundo em mudança que cerca de 600 dos maiores especialistas de todo o globo, além de responsáveis sectoriais da União Europeia e da Organização das Nações Unidas (ONU), se reuniram em Ponta Delgada, ilha de São Miguel, nos Açores, no arquipélago dos Açores, entre 12 e 16 de Setembro, para 16ª edição do maior fórum mundial sobre migrações.
O director-geral da Organização Internacional para as Migrações, William Swing, o ex-comissário europeu António Vitorino, o primeiro-ministro de Cabo Verde, José Maria Neves, foram alguns dos oradores presentes.
A globalização e as migrações, o envelhecimento dos migrantes, a relação dos países de partida com as suas diásporas, as relações dos migrantes com os naturais nas grandes cidades e os efeitos da emigração em larga escala nos países de origem foram são alguns dos principais temas em debate na conferência.

Açores: terra de partida e de chegada

Realizada pela primeira vez fora de uma grande cidade, a conferência deu especial atenção às ligações dos países de origem com as suas comunidades emigradas.
E foi a importante realidade da emigração açoriana que pesou na escolha do arquipélago - por parte da organização internacional Metrópolis - para acolher o evento.
Uma importância destacada pelo presidente do Governo Regional, na abertura do encontro.
“A história dos Açores é marcada por fluxos migratórios significativos, desde o seu povoamento, as ilhas constituem-se ora lugares de partida, ora de chegada”, afirmou.
Nesse sentido, Carlos César realçou que tanto as comunidades açorianas no estrangeiro como os imigrantes que residem no arquipélago, são “capital imprescindível na constituição dos Açores que fomos e somos”.
O governante destacou a importância da enorme diáspora açoriana ao considerar que estas “são parte da nossa história e extensão da nossa condição contemporânea”.
E sublinhou o facto dos açorianos espalhados pelo mundo manterem “fortes laços com os Açores”, lembrando que nos últimos 60 anos “200 mil açorianos foram afastados da sua terra natal, por causa de atrasos estruturais e falta de perspectivas de um futuro melhor”.

Mais “dignidade”

É a perspectiva de um futuro melhor que continua a dominar o desejo de emigrar, numa altura em que há mais pessoas em movimento migratório do que em qualquer outra época da História, revelou o director-geral da Organização Internacional para as Migrações (OIM), William Swing, na abertura da conferência.
O diplomata norte-americano reiterou que as migrações são uma realidade importante que pedem decisões “mais sensíveis do ponto de vista político”.
Este é um fenómeno “necessário, inevitável e desejável se tivermos políticas próprias”, defendeu o responsável, lamentando que estes são “tempos de turbulência política, económica e social extrema” que alimentam “sentimentos anti-migratórios”, já que parte desse “mal social” é atribuído aos emigrantes. Uma “ironia” num mundo mantido “pela interdependência social e económica”, acrescentou.
E como exemplo, lembrou os fluxos de capital gerados pelos estrangeiros, revelando que os migrantes são responsáveis pela circulação “de 150 mil milhões de dólares”.
“Em alturas de crise não nos podermos dar ao luxo de impedir as migrações”, afirmou o director-geral da OIM, defendendo a importância de assegurar condições de “dignidade” aos emigrantes sem qualificação. “Eles transferem mais dinheiro do que os seus pares com maiores conhecimentos profissionais”, sublinhou.

Migrantes são pessoas “excepcionais”

A mesma opinião foi expressada pelo ex-ministro dos negócios Estrangeiros do México.
Andrés Rozental, que moderou uma das sessões plenárias, apresentou os migrantes como “pessoas excepcionais”, por serem ambiciosas o suficiente para se mudarem para outro país onde terão “muito a oferecer”.
Defendeu que a mobilidade humana “permite a uma empresa empregar a pessoa certa na hora certa”, mas afirmou que “a verdade é que essa mesma mobilidade é perturbadora para políticos e instituições”.
O ex-comissário europeu da Justiça e Assuntos Internos, António Vitorino, foi mais longe e afirmou que a mobilidade encontra entraves na União Europeia por haver uma “forte tendência” para contratempos na “definição de uma política de migração europeia”.
António Vitorino ironizou a questão ao afirmar que “os únicos trabalhadores (estrangeiros) altamente qualificados reconhecidos pela União Europeia são os jogadores de futebol, porque são os únicos que se podem movimentar livremente” e defendeu que “não há uma política (de migrações) para os naturais do Terceiro Mundo”.
O ex-comissário europeu apresentou números revelados num relatório recente da Comissão Europeia para destacar o caso da França, o “país onde mais se fala sobre as expulsões de emigrantes” e que é ao mesmo tempo aquele onde há uma maior percentagem de expulsão: 21 por cento.
Revelou ainda uma sondagem na qual a maioria dos cidadãos da UE “acha que há muitos emigrantes (na Europa) e que quando ficarem desempregados devem ser mandados embora”, para lembrar que a questão é complexa, quando está em causa o mercado de trabalho. “Os que responderem que os emigrantes concorrem com eles, são os que exercem profissões mais básicas e recebem salários mais baixos”, revelou o ex-comissário, alertando porém para o factor dessa postura estar a “alastrar-se” à classe média.
António Vitorino defendeu que o aumento dos partidos extremistas está a contribuir para “criar esta visão” e lamentou a postura de outros partidos que “tendem a mudar os seus princípios quando estão em causa as eleições”.
A conferência foi encerrada por José Maria Neves, primeiro-ministro de Cabo Verde que sublinhou as semelhanças entre o seu país e o arquipélago dos Açores – que acolhe uma vasta comunidade cabo-verdiana.
“Esta 16ª Conferência Internacional Metrópolis tem para nós, cabo-verdianos, uma acuidade especial. Não apenas porque ela é realizada pela primeira vez num espaço insular, mas também porque, tal como os Açores, olhamos para a problemática com a perspectiva de origem, sem nos descuidarmos de ser hoje também sociedade migratória de destino”, afirmou o governante.
José Maria Neves defendeu que a emigração é a “resignificação da origem”, explicando que Cabo Verde “se resignifica, enquanto espaço de origem, pela sua condição diaspórica e a mobilidade no espaço-mundo dos seus homens”. “A figura do emigrante, que parte ou que regressa, impregna-se tanto na paisagem sociológica de Cabo Verde que quase se afirma como o alter-ego do modelo nacional”.

Temas da emigração portuguesa centraram vários workshops
Mas ao longo de três dias, as tardes foram dedicadas a reuniões de trabalho onde foram apresentados vários estudos elaborados sobre as diásporas. Dos cerca de 75 workshops cujos temas variam entre os estudantes internacionais e a sua transição no contexto da migração; as famílias e crianças desfragmentadas; estrangeiros no dia-a-dia das sociedades plurais; desafios de famílias transnacionais; segundas gerações; diásporas em diálogo; e a integração de refugiados, vários deles, estavam relacionados com a emigração açoriana para o Brasil, Estados Unidos e Canadá: as suas vivências, a integração em sociedades multi-culturais, a manutenção da identidade e as relações com as segundas e terceiras gerações.
Fernando Nunes, professor na Universidade Mount Saint Vincent, do Canadá, apresentou os resultados de um estudo sociológico realizado junto de luso-descendentes, cujo tema foram as barreiras e os factores de apoio a nível educacional e o seu contributo para o sucesso ou o insucesso escolar dos luso-canadianos.
As ligações dos emigrantes açorianos no Norte da América a Portugal centrou o trabalho apresentado por José Carlos Teixeira, professor na Universidade de British Columbia, no Canadá. Sandra Silva, Emanule da Silva e João Sardinha, comandaram o workshop sobre os luso-descendentes e a emigração, no qual foram apresentados estudos sobre as segundas gerações em França, no Luxemburgo e na Venezuela.
Ana Grácio Pinto

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