segunda-feira, 12 de setembro de 2011

EUA atropelam lei da deportação



Por volta de 150 mil pessoas detidas em centros de imigração nos Estados Unidos foram deportadas nos últimos sete anos, sem terem sequer tido a oportunidade de consultar um advogado. A maioria dessas pessoas era hispânica e tampouco viram um juiz, revelou um estudo divulgado na semana passada. No total, foram deportadas mais de 160 mil pessoas entre 2003 e 2010 por meio do programa chamado "deportação estipulada", afirmou Jayashri Srikantiah, professora de direito da Universidade de Stanford.

Alguns desses imigrantes eram jovens e pessoas com deficiência mental, diz o documento "Deportação sem o devido processo legal", preparado pela escola de Direito da Western State University College, a faculdade de Direito da Universidade de Stanford e pelo Centro Nacional de Direitos Migratórios. "Deveria haver regras claras que dizem que não se pode aplicar a 'deportação estipulada' a jovens e deficientes", disse à AP Karen Tumlin, uma das três autoras do estudo e advogada do Centro Nacional de Direito Migratório. "Isso é chocante".

Do total de deportados, 36% foram enviados de volta a seus países de origem sem representação legal e "a grande maioria" foi deportada sem sequer ver um juiz, segundo Jennifer Lee Koh, professora da Western State e coautora do estudo.

A grande maioria era composta por mexicanos e latino-americanos que aceitaram ser deportados enquanto estavam detidos e 80% foram expulsos não por terem cometido delitos graves, mas apenas por viverem ilegalmente no país, diz o documento. De acordo com Lee Koh, a execução do programa "foi concentrada nos mais vulneráveis". "O que nos preocupa é que se leve a cabo o devido processo legal nesses casos", disse Srikantiah.

As pessoas que aceitaram e assinaram documentos que permitiram sua "deportação estipulada" ficaram sujeitas a uma proibição para reingressar aos Estados Unidos legalmente, geralmente por dez anos, e se infringem essa regra podem enfrentar sanções importantes tanto por delitos civis quanto por delitos graves.

Esta é a principal diferença no que diz respeito a outros procedimentos de deportação, como a chamada "deportação voluntária" que não estipula castigos aos deportados, caso regressem ao país clandestinamente, nem limita a ação dos que tentam ingressar nos Estados Unidos por via legal.

A maioria dos processos de deportação analisados pelo estudo foram iniciadas por agentes do Serviço de Imigração e Controle de Aduanas (ICE, pela sigla em inglês), embora haja processos que vieram da Agência Federal de Aduanas e Proteção Fronteiriça e do Escritório Executivo para Avaliações de Imigração, agência federal encarregada dos juízes de imigração, disseram as autoras do documento. "Para se ter uma ideia da quantidade de pessoas, no ano fiscal de 2008 quase todas as deportações foram feitas por meio deste programa", afirmou Lee Koh.

"A decisão de aceitar uma deportação estipulada é totalmente voluntária. Antes que um imigrante aceite tal ordem, os procedimentos do ICE indicam que sejam explicados todos os processos para a pessoa, através de um intérprete, se necessário", afirmou a porta-voz do ICE, Virginia Kice, em comunicado. "Além disso, uma deportação estipulada não pode ocorrer sem que um juiz de imigração revise completamente o caso e assine a ordem de deportação".

Em muitos casos, agentes mal treinados do ICE forneciam informações confusas aos detidos e não esclareceram todas as opções e direitos disponíveis, dentre elas a possibilidade de sair com o pagamento de fiança ou ver um advogado ou um juiz, mostrou a investigação.

Agentes usam traduções confusas

Agentes do sul da Califórnia, por exemplo, usaram um documento mal traduzido para o espanhol para informar aos detentos sobre seus direitos. O documento não fala sobre o direito de ver um advogado, apurou o estudo. Como resultado, muitos imigrantes não compreenderam seus direitos e aceitaram ser deportados pelo programa "deportação estipulada" que os proíbe de reingressar legalmente ao país, no geral por dez anos, diz o documento.

O ICE informou que ainda não havia lido o relatório da investigação, mas reiterou que "mantém-se comprometido com o método de aplicação das leis migratórias de maneira sensível e efetiva, enfocada primeiro nos imigrantes com antecedentes de delitos graves que são uma ameaça para a segurança pública, pessoas que acabam de cruzar a fronteira e aqueles que burlam o sistema de imigração".

Tumlin disse em comunicado que "o relatório confirma o que os advogados que trabalham em centros de detenção vêm escutando há anos: imigrantes, especialmente os que não sabem muito inglês, são pressionados a assinar documentos sem serem informados das consequências que podem ter suas ações".

O programa em questão foi criticado por alguns juízes, que demonstraram preocupação sobre o devido processo legal envolvendo os casos e pediram para ver os detidos e assegurar que eles entendiam seus direitos e o processo, esclarece o relatório. Segundo Srikantiah, "o ICE pede às pessoas que assinem sua deportação (estipulada) para resolver seu problema de espaço nos centros de detenção".

Outro motivo do uso do programa seria o cumprimento de alguma cota, sugere o estudo, citando um caso em Atlanta, Georgia, onde um funcionário disse que as deportações voluntárias não contam estatisticamente e que por isso preferia as "deportações estipuladas".

Além disso, as informações recolhidas também sugerem que "deportações estipuladas" poderiam ser apreciadas pelos juízes, pois esses casos aparecem como encerrados perante uma audiência regular. O relatório com concebido a partir de cerca de 20 mil páginas de documentos internos de agências do governo, às quais das especialistas tiveram acesso pela Lei de Liberdade de Informação.

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