sexta-feira, 12 de dezembro de 2025

Trabalho e segurança são os principais motivos da migração interna no País


Os fluxos migratórios internos do País começaram a ganhar força na virada do século 19 para o século 20 – Foto: MJSP/www.gov.br

 Segundo dados do Censo de 2022 do IBGE, 29 milhões de brasileiros vivem fora do Estado em que nasceram. Além disso, 19,2 milhões de brasileiros vivem fora da sua região de nascimento, sendo que, desses, 10,4 milhões nasceram na região Nordeste. Os processos de mobilidade entre diferentes regiões do País e de um mesmo Estado são conhecidos como migrações internas e impactam diretamente a cultura e os modos de produção econômicos de um país.

Para além dos êxodos rurais e da imagem marcante dos retirantes, os processos migratórios internos são complexos e distribuídos ao longo do tempo. Embora no passado tenham se consolidado redes de fluxos migratórios rumo à região Sudeste do País, é importante considerar os fatores que levaram a essas redes migratórias e qual o cenário atual.

Destaques do Censo 2022

São Paulo se mantém como o Estado que concentra o maior contingente de migrantes, com 8,6 milhões de pessoas vindas de outras unidades federativas. Em contrapartida, 2,9 milhões de paulistas moram em outros Estados. Mesmo sendo o principal centro migratório do País, recebendo 736 mil imigrantes entre 2017 e 2022, o Estado perdeu 826 mil emigrantes e apresentou seu primeiro saldo negativo desde o início da coleta de migração por data fixa, com menos 90 mil pessoas, e com uma taxa líquida de imigração de -0,2%.

Santa Catarina apresentou o maior saldo e a maior taxa líquida em 2022. O Estado teve um ganho populacional de 354 mil pessoas, uma contribuição de 4,66% à sua população total, marcando uma mudança histórica nos Censos demográficos. Um outro destaque vai para a Paraíba que, pela primeira vez, registrou um saldo positivo e ganhou 31 mil habitantes.

Do lado das negativas, o Rio de Janeiro registrou o pior saldo migratório do Brasil, com os emigrantes tendo seus destinos principais dentro da própria região. Foi o primeiro saldo negativo do Estado, com menos 61 mil habitantes, desde que o indicador começou a ser pesquisado.

Carlos de Almeida Toledo – Foto: Leonor Calasans/IEA-USP

Fundamento histórico

Segundo Carlos de Almeida Toledo, professor do Departamento de Geografia da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da USP, os fluxos migratórios internos do País começaram a ganhar força na virada do século 19 para o século 20. “Mas eu diria que a migração rural-urbana significativa tem a ver com nacional desenvolvimentismo, com projeto de industrialização. Portanto, acho que estabelecer um marco de 1930 para essa virada é importante, porque o Estado é muito relevante para esse processo de industrialização”, complementa o professor. Ele ainda diz que a partir da década de 50 é possível observar uma intensificação desse processo, com seu período mais significativo até a década de 80.

Outro processo destacado pelo professor é a criação de redes migratórias. Por meio dessas redes, os migrantes encontram apoio e caminhos possíveis para se estabelecer numa nova região. Ao longo do tempo, algumas redes se consolidam, tornando certos destinos ou regiões mais atraentes dentro desses fluxos, seja pelo apoio de parentes, conterrâneos ou por outros setores da sociedade. “A gente sempre vai ver nesses processos essas redes migratórias que vão acolher, que vão sinalizar possibilidades.”

Destinos do passado

Dentro dos processos migratórios, a região Sudeste teve destaque como um dos principais destinos migratórios, especialmente o eixo Rio-São Paulo, devido ao processo de industrialização. Sobre a industrialização, o professor Paulo Feldmann, do Departamento de Administração da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) explica: “Começou com setores bem elementares, têxtil, calçados, brinquedos. Mas teve um impulso muito grande quando Juscelino Kubitschek virou presidente, em 1956. Porque o Juscelino conseguiu trazer para o Brasil as mais importantes fábricas de automóveis da época, a maioria para São Paulo. Foi um avanço que a indústria teve muito grande. Cresceu e se espalhou pelo Brasil todo, mas o início foi realmente no ABC, no Estado de São Paulo”.

Embora a maior parte das migrações do século passado tenha acompanhado o crescimento da indústria e consequentemente se dirigido à região Sudeste, é importante pensar em outros destinos que surgiram nesse momento. Brasília, por exemplo, passou por um processo de industrialização que não condiz necessariamente com a criação de indústrias na região, mas sim em torno dos serviços que se organizaram em torno da capital. Além disso, dentro de suas próprias regiões, Salvador, Recife e Fortaleza são exemplos de cidades que também tiveram crescimento significativo, sendo destinos migratórios e concentrando até hoje setores industriais importantes.

Paulo Feldmann – Foto: FEA-USP

Sobre os retirantes nordestinos, imagem marcante no imaginário nacional quando o assunto é migração, Toledo comenta: “A seca cria condições difíceis de reprodução, mas nós não estamos falando de um movimento que é só seca, porque seca houve em outros momentos históricos, e ele implicou, certamente, movimentos populacionais do semiárido. Eles não tinham ainda esse destino rural-urbano tão estabelecido, e acho que se ater à condição do retirante da seca, para explicar as migrações internas, soa um pouco caricato. Foi muito mais amplo do que isso. Acho que a existência do processo de urbanização, de industrialização é relevante para que não se restrinja a um momento de seca e as redes migratórias se estabeleçam e solidifiquem”.

Destinos do presente

Com as mudanças na divisão do trabalho e os processos de desindustrialização do País, o perfil das atividades econômicas mudou e hoje se concentra no setor de serviços. Segundo Feldmann, hoje os destinos econômicos estão mais descentralizados, “Mas, em geral, as capitais mais importantes estão, sem dúvida, no Sudeste ou no Sul. Setores mais avançados, que envolvem uso de alta tecnologia, inteligência artificial, continuam aqui, principalmente em São Paulo. Muita gente vem de fora, de outros Estados para cá por causa disso.”

Embora ainda seja o destino com maior número de migrantes, a região Sudeste teve seu primeiro saldo migratório negativo desde 1991, com as regiões Sul e Centro-Oeste sendo as únicas regiões com saldo migratório positivo (mais migrantes chegando do que emigrantes saindo). Desde 1991, o Centro-Oeste tem apresentado o segundo maior saldo migratório regional; essa tendência da região pode ser explicada por fatores estruturais como a expansão agrícola, investimentos em infraestrutura e o fortalecimento dos polos urbanos da região.

Saldos migratórios e principais fluxos migratórios

Fonte de dados : agenciadenoticias.ibge.gov.br

 

Sobre os motivos das imigrações, Feldmann completa: “Eu diria que trabalho, sem dúvida, é muito importante, qualidade de vida também. Mas tem um outro componente que deveria entrar agora, que é a segurança. Eu acho que as pessoas também migram, principalmente do Rio de Janeiro, saem do Rio de Janeiro, por medo dos assaltos, roubos e etc., da violência. Você tem pessoas que saem de algumas cidades, de algumas capitais, principalmente nordestinas e do Rio de Janeiro, por medo da violência. Eu diria que esse é um motivo importante”.

Censo 2022: 19,2 milhões de pessoas vivem fora de sua região de nascimento

*Sob supervisão de Paulo Capuzzo e Cinderela Caldeira

https://jornal.usp.br/radio-usp

www.miguelimigrante.blogspot.com


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