segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Para Deus não há migrantes nem estrangeiros, apenas filhos que precisam de ajuda

A sina dos emigrantes é sempre difícil, especialmente no princípio. Durante vinte anos, a minha missão de padre foi trabalhar com os emigrantes em Washington. Havia muitos portugueses que tinham deixado as antigas colónias, depois da Revolução, e que procuravam uma nova vida na América. Mas a maioria eram refugiados hispânicos, que tinham escapado da América Central, onde as guerras civis tudo devastavam.
Um dia, veio ter comigo um homem. Entregou-me uma carta da mulher, sentou-se e começou a chorar. A mulher estava zangada com ele por a ter deixado à fome, a ela e aos oitos filhos, no devastado El Salvador. Ela escrevia que tinha esperado mais de oito meses e que ele ainda não tinha mandado notícias nem dinheiro.
O homem contou-me. então, que tinha deixado a sua aldeia em El Salvador e ido, ilegalmente, para Washington, porque se tinha tornado impossível fazer agricultura, com a guerra. Estava a viver num quarto que partilhava com mais seis homens e trabalhava em dois restaurantes a lavar pratos. Disse-me que ia a pé para o trabalho, para não gastar dinheiro no autocarro, e que não comprava comida, mas que comia os restos dos pratos sujos que lavava.
Todas as semanas mandava a mulher o dinheiro todo que ganhava, mas ela não tinha recebido as suas cartas. Perguntei-lhe se mandava cheque ou dinheiro. Ele respondeu-me que mandava em dinheiro e que o metia, juntamente com a carta, num envelope, que punha no marco de correio azul ali da esquina. Olhei pela janela e vi o marco de correio azul da esquina: era um daqueles caixotes do lixo todos chiques!
Mais uma vez pude constatar quantos sacrifícios os emigrantes fazem pelas suas famílias e quantas provações e humilhações passam, numa terra estrangeira, onde se fala uma língua estranha, com costumes diferentes e, não poucas vezes, um ambiente hostil.
Na Missa, abraçamos todos os emigrantes. Os que foram abençoados pelo sucesso, nas suas novas terras de acolhimento, e os que ainda sofrem e lutam. O nosso Deus não vê a cor da pele nem faz diferenças entre línguas ou costumes. Ele apenas vê um filho seu, e quer que nós nos amemos e nos ajudemos.
Fazemos parte da família de Jesus, quando pomos em prática os seus ensinamentos. Jesus veio para revelar a face misericordiosa do Pai e para nos ensinar o mandamento de amor de Deus.
Nos Evangelhos Sinóticos, lemos muito sobre as pregações de Jesus a propósito do «maior mandamento». Não é a grande sugestão, o grande conselho, a grande linha diretiva, mas um mandamento.
Primeiro, temos de amar a Deus com todo o coração e com toda a nossa força, sobre todas as coisas. Ao trabalhar com os pobres camponeses da América Central, que não sabiam ler nem escrever, a frase que eu sempre ouvia era: «Primero, Dios». Deus tem de ser o primeiro nas nossas vidas, depois, todas as nossas prioridades estão corretamente ordenadas. Não amaremos menos as pessoas, mas mais, por amar a Deus.
A segunda parte do «maior mandamento» é amarmos o próximo como a nós mesmos. E Jesus ensina-nos, na parábola do Bom Samaritano, que o nosso próximo é esse estrangeiro, esse homem ferido, essa pessoa esquecida, aquele que sofre e, por isso, tem um direito acrescido sobre o meu amor.
Jesus manda-nos amar os estranhos. Se só saudamos os nossos, não fazemos mais do que os pagãos e os não crentes.

Card. Seán O'Malley, ofm cap
Arcebispo de Boston, EUA



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