A sina dos emigrantes é
sempre difícil, especialmente no princípio. Durante vinte anos, a minha missão
de padre foi trabalhar com os emigrantes em Washington. Havia muitos
portugueses que tinham deixado as antigas colónias, depois da Revolução, e que
procuravam uma nova vida na América. Mas a maioria eram refugiados hispânicos,
que tinham escapado da América Central, onde as guerras civis tudo devastavam.
Um dia, veio ter comigo um
homem. Entregou-me uma carta da mulher, sentou-se e começou a chorar. A mulher
estava zangada com ele por a ter deixado à fome, a ela e aos oitos filhos, no
devastado El Salvador. Ela escrevia que tinha esperado mais de oito meses e que
ele ainda não tinha mandado notícias nem dinheiro.
O homem contou-me. então,
que tinha deixado a sua aldeia em El Salvador e ido, ilegalmente, para
Washington, porque se tinha tornado impossível fazer agricultura, com a guerra.
Estava a viver num quarto que partilhava com mais seis homens e trabalhava em
dois restaurantes a lavar pratos. Disse-me que ia a pé para o trabalho, para
não gastar dinheiro no autocarro, e que não comprava comida, mas que comia os
restos dos pratos sujos que lavava.
Todas as semanas mandava a
mulher o dinheiro todo que ganhava, mas ela não tinha recebido as suas cartas.
Perguntei-lhe se mandava cheque ou dinheiro. Ele respondeu-me que mandava em
dinheiro e que o metia, juntamente com a carta, num envelope, que punha no
marco de correio azul ali da esquina. Olhei pela janela e vi o marco de correio
azul da esquina: era um daqueles caixotes do lixo todos chiques!
Mais uma vez pude
constatar quantos sacrifícios os emigrantes fazem pelas suas famílias e quantas
provações e humilhações passam, numa terra estrangeira, onde se fala uma língua
estranha, com costumes diferentes e, não poucas vezes, um ambiente hostil.
Na Missa, abraçamos todos
os emigrantes. Os que foram abençoados pelo sucesso, nas suas novas terras de
acolhimento, e os que ainda sofrem e lutam. O nosso Deus não vê a cor da pele
nem faz diferenças entre línguas ou costumes. Ele apenas vê um filho seu, e quer
que nós nos amemos e nos ajudemos.
Fazemos parte da família
de Jesus, quando pomos em prática os seus ensinamentos. Jesus veio para revelar
a face misericordiosa do Pai e para nos ensinar o mandamento de amor de Deus.
Nos Evangelhos Sinóticos,
lemos muito sobre as pregações de Jesus a propósito do «maior mandamento». Não
é a grande sugestão, o grande conselho, a grande linha diretiva, mas um
mandamento.
Primeiro, temos de amar a
Deus com todo o coração e com toda a nossa força, sobre todas as coisas. Ao
trabalhar com os pobres camponeses da América Central, que não sabiam ler nem
escrever, a frase que eu sempre ouvia era: «Primero, Dios». Deus tem de ser o
primeiro nas nossas vidas, depois, todas as nossas prioridades estão
corretamente ordenadas. Não amaremos menos as pessoas, mas mais, por amar a
Deus.
A segunda parte do «maior
mandamento» é amarmos o próximo como a nós mesmos. E Jesus ensina-nos, na
parábola do Bom Samaritano, que o nosso próximo é esse estrangeiro, esse homem
ferido, essa pessoa esquecida, aquele que sofre e, por isso, tem um direito
acrescido sobre o meu amor.
Jesus manda-nos amar os
estranhos. Se só saudamos os nossos, não fazemos mais do que os pagãos e os não
crentes.
Card. Seán O'Malley, ofm
cap
Arcebispo de Boston, EUA
Arcebispo de Boston, EUA
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