"É preciso distinguir imigrantes humildes e os novos “imigrantes” que chegam de nariz em pé, diploma debaixo do braço
O senhor Marcelo Neri, ministro de Assuntos Estratégicos da Presidência
da República, precisa deixar claro a que se refere, quando diz que o Brasil
pretende reformular suas leis de imigração, para possibilitar a entrada de
profissionais estrangeiros.
A cada vez que ele toca no assunto, a imprensa internacional faz grande
estardalhaço — principalmente em países que estão em crise — dando a
impressão de que há milhões de empregos de alta remuneração não ocupados
por aqui, e ressalta a “incompetência” brasileira nos campos da educação e da
formação técnica de mão-de-obra especializada.
Primeiro, há que considerar que a necessidade de mão de obra estrangeira
qualificada é pontual, e localizada, e não generalizada.
Assim como ocorre com o Programa Mais Médicos — e
essa deveria ser a primeira missão da secretária de Assuntos Estratégicos
da Presidência da República nesse contexto — é preciso identificar,
claramente:
a) Em que áreas, estados, cidades, estamos dependendo de profissionais
estrangeiros. Se vamos construir um porta-aviões, por exemplo, busquemos
profissionais — até mesmo aposentados — que já tenham participado desse tipo de projeto,
para que nos repassem essa tecnologia.
Precisamos acelerar nosso programa espacial? Vamos recrutar
especialistas no exterior para dar aulas no ITA (Instituto Tecnológico da
Aeronáutica) para trabalhar junto à AEB (Agência Espacial Brasileira), ou no
Instituto de Aeronáutica e Espaço.
O mesmo pode ser feito na área de nanotecnologia, de novos materiais, da
ótica, da mecatrônica, da biotecnologia, da física quântica, na identificação
de pesquisas de ponta das quais o Brasil pode participar, financiando projetos de alta
tecnologia no exterior ou trazendo professores e pesquisadores de fora para
montar equipes específicas com cientistas brasileiros.
b) Como encontrar e recrutar especialistas estrangeiros. — O
processo de seleção não tem que ser feito aqui mas, previamente, no exterior.
Para isso, pode-se contar com a estrutura de nossos consulados e embaixadas em
outros países, e realizar esse trabalho por intermédio de nossos adidos
comerciais ou militares, ou de programas públicos de seleção, sempre
levando em consideração a origem, formação e experiência anterior dos
candidatos, para se evitar a mera importação de espiões.
c) De que forma esses profissionais irão trabalhar no Brasil. — Se
a contratação será temporária e renovável, como no Programa Mais Médicos, se
haverá possibilidade de obtenção da nacionalidade brasileira depois de certo
período e de cumpridos determinados requisitos, etc.
É preciso
distinguir imigrantes humildes e os novos “imigrantes” que chegam de nariz em
pé, diploma debaixo do braço
O Brasil recebeu, quase sempre de braços abertos, principalmente
nos séculos 19 e 20, imigrantes das mais variadas origens e culturas.
Libaneses e sírios do Oriente Médio, portugueses e espanhóis, italianos,
ucranianos, russos, alemães, japoneses.
Temos, no Brasil, bairros e cidades inteiras construídas a partir de
outras culturas, como Blumenau, em Santa Catarina, onde se comemora a segunda
maior Oktoberfest do mundo; o bairro da Liberdade, na capital paulista, de
marcante presença oriental; a região de Curitiba, onde há a única Escola do
Balé Bolshoi fora da Rússia; Garibaldi, de colonização italiana, no Rio Grande
do Sul; ou as cidades de Americana, fundada por confederados sulistas, que para
cá vieram depois de serem derrotados na Guerra de Secessão e de Holambra,
estabelecida por colonos holandeses em São Paulo.
Apesar disso, quando tivemos, forçados pela crise dos anos 90,
de proceder à nossa própria diáspora — pequena, quase
insignificante, para nossas dimensões demográficas — não podemos
dizer que tenhamos sido tratados com a mesma generosidade, mesmo em países
que foram, e agora voltam a ser, tradicionais emissores de emigração para o
Brasil.
É preciso, no entanto, distinguir o imigrante ou refugiado pobre,
humilde, que traz na sola do sapato seu passado e sua esperança, para agregá-lo
ao nosso destino e forjar futuro, e os novos “imigrantes” que chegam de nariz
em pé, com diploma debaixo do braço, achando que podem nos dar lições de
qualquer espécie, ou nos olhar com arrogância, por cima do ombro, como se
dependêssemos deles, e não ocorresse o contrário.
Para ilustrar, basta o exemplo, cristalino, do embaixador da Espanha no
Brasil, Manuel de La Camara, em recente entrevista à agência EFE, publicada
pela imprensa de seu país. Nela, o sutil diplomata, jogando para a
plateia — uma Espanha quebrada, com 27% da população
desempregada — dá um empurrãozinho à autoestima ibérica, explicando
que os engenheiros espanhóis que estão trabalhando em nosso país “prestam
um duplo serviço ao Brasil. Oferecem mão de obra qualificada, graças ao
investimento em educação do Estado espanhol, e, além disso, formam os
engenheiros brasileiros”.
As declarações de Sua Excelência o embaixador da Espanha — que
mereceriam alguma reação da comunidade acadêmica nacional e do Clube de
Engenharia — mostram que a Secretaria de Assuntos Estratégicos da
Presidência da República — também notícia no país de
Cervantes — não está sabendo se fazer entender em alguns
países, quando trata da política brasileira de imigração de mão de obra
especializada.
Ou somos uma nação que tem um projeto claro e consequente para a
importação de trabalhadores qualificados, para setores e projetos estratégicos
— como os EUA, a URSS, a China, a Austrália e o Japão já o fizeram no
passado —, ou somos um paraíso tropical para arquitetos e decoradores
estrangeiros recém-formados — e uma república de bananas.
Mauro Santayana
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