Número de solicitações de refúgio ao governo brasileiro dobraram em um
ano. Para representante da agência da ONU responsável pelo tema, país ainda
está se preparando para receber esse perfil de estrangeiro.
Fugindo de ameaças e conflitos em seus países, milhares de estrangeiros têm visto o Brasil como um destino seguro e de oportunidades. No ano passado, o número de solicitações de refúgio chegou a 5.200, mais do que o dobro dos pedidos feitos em 2012.
Fugindo de ameaças e conflitos em seus países, milhares de estrangeiros têm visto o Brasil como um destino seguro e de oportunidades. No ano passado, o número de solicitações de refúgio chegou a 5.200, mais do que o dobro dos pedidos feitos em 2012.
Segundo o Comitê Nacional para Refugiados (Conare), órgão vinculado ao
Ministério da Justiça, o número de autorizações de permanência triplicou 649
pessoas tiveram o reconhecimento da condição de refugiado. Ao todo, cerca de
4.500 estrangeiros de 70 nacionalidades com esse perfil vivem hoje no Brasil.
O país, no entanto, caminha lentamente para oferecer a acolhida
necessária. Em entrevista à DW Brasil, Andrés Ramirez, representante do Alto
Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (Acnur) no Brasil, identifica as
falhas do Governo e aponta as iniciativas que têm sido traçadas para que o país
dê a assistência adequada a quem é forçado a deixar o país de origem.
DW Brasil: O Brasil tem atraído cada vez mais pessoas que fogem de
guerras e perseguições em todo o mundo. O país está preparado para esse
movimento crescente?
Andrés Ramirez: O Brasil vem se preparando, porque o aumento de
solicitações tem sido uma constante. Quando cheguei ao país como representante
do Acnur em 2010, havia 500 pedidos de reconhecimento de refúgio. No ano
passado, foram mais de 5 mil. O Ipea [Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada]
está traçando um perfil dos refugiados que estão no Brasil para entender melhor
as demandas e apresentar propostas para melhorar a integração dessas pessoas no
país. Para este ano, o Acnur planeja repassar fundos ao Conare para que o órgão
seja fortalecido e lide melhor com o atendimento aos refugiados, tendo em vista
a chegada crescente de solicitantes.
Não existe uma política de moradia para refugiados no Brasil. Há muitos
relatos de estrangeiros que, ao chegar, passaram vários dias na rua, sem
amparo. Quando encontram ajuda, ela sempre vem de entidades filantrópicas. Qual
seria o papel do governo?
Esse tem sido um problema. Para resolver ou pelo menos tentar diminuir
esse efeito negativo temos apostado nos Comitês Estaduais para Refugiados.
Nesses órgãos, autoridades locais podem pensar melhor em estratégias de ajuda.
A maioria dos solicitantes de refúgio chega a São Paulo. Lá, há muitos
moradores de rua, faltam espaços de acolhida, mas por meio dos nossos parceiros
temos conseguido apoio para algumas pessoas que têm dificuldade em encontrar
uma moradia decente. No final de 2013, abrimos um escritório do Acnur em São
Paulo para estabelecer uma articulação maior com os parceiros e as ONGs que
trabalham com direitos humanos e migração. O tema da moradia é uma preocupação.
E já se cogitou oferecer apoio às entidades filantrópicas que trabalham
com refugiados ou criar centros públicos de acolhida em parceria com os
governos estaduais?
Os comitês estaduais têm um limite de atuação. Por isso, a articulação
com as ONGs é importante. Como você está falando, são possibilidades que a
gente poderia cogitar. Nossa próxima ideia é estabelecer parcerias com os
municípios. Queremos criar um Comitê Municipal para Refugiados em São Paulo,
que tem sido o principal destino dos solicitantes.
O governo brasileiro se concentra na questão burocrática da
documentação. Ele também se responsabiliza pela integração dos refugiados no
país ou passa tudo isso para o Acnur?
A verdade é que a responsabilidade da integração é dos governos federal,
estadual e municipal. O Acnur trabalha na ponta. É preciso considerar que nosso
escritório é muito pequeno. Os recursos são muito limitados e o Brasil é um
país gigantesco. Os recursos do Acnur a nível mundial também são restritos.
Normalmente, os doadores internacionais destinam recursos para operações
humanitárias na África e no Oriente Médio, onde a situação é muito pior. Por
isso, precisamos delegar muito trabalho aos comitês estaduais e procurar ONGs.
O governo federal tem um limite também, mas, de qualquer maneira, está ajudando
a repassar recursos para fortalecer o Conare.
No cenário internacional, qual é o papel do Brasil quanto ao tema
refúgio? É um país de destaque?
O Brasil se destaca com uma legislação avançada. A Lei 9474/97
regulamenta a condição jurídica do refugiado e o Acnur, nesse sentido,
reconhece a importância do país. No final de 2014, o Brasil irá sediar o evento
Cartagena +30, que vai comemorar os 30 anos da Declaração de Cartagena. O
instrumento é um marco na garantia de proteção de refugiados e outros
deslocados forçados na América Latina e Caribe. A intenção é montar um plano de
trabalho a nível regional para encontrar as melhores estratégias de trabalho.
Muitos solicitantes não são vítimas de guerras ou perseguições, mas vêm
ao Brasil em busca de melhores condições de vida. Esse perfil tem crescido.
Essas pessoas têm conseguido reconhecimento de refugiado?
Não estão chegando apenas refugiados ao Brasil, mas também quem não tem
o perfil e solicita. A Lei 9474/97 permite que o pedido seja feito. A
solicitação é avaliada pelos membros do Conare. Os que pedem refúgio apenas
para conseguir documentos e regularizar sua situação no país acabam não
conseguindo, como a maioria dos senegaleses. É legítimo tentar uma vida melhor,
mas por claramente não serem refugiados, não são reconhecidos. No caso dos
sírios, 100% dos que estão chegando estão recebendo a autorização de
permanência.
Quanto aos sírios, é uma parcela pequena que procura o Brasil?
São poucos. Estamos falando de 333 refugiados sírios reconhecidos no
Brasil desde 2011, quando estourou o conflito. A maior parte foi reconhecida no
ano passado 283 pessoas. Esses números são pequenos em relação aos do Oriente
Médio. Dos mais de 2 milhões de sírios afetados pela guerra, 97% ficam nos
países vizinhos.
Os países desenvolvidos têm imposto barreiras para a entrada de
refugiados?
O Acnur sempre se preocupa com o mito de que os refugiados ficam em
países desenvolvidos. Na verdade, a maioria está em países em desenvolvimento.
Isso não é por acaso. A maioria não tem condições financeiras de sair do país e
acaba indo para países vizinhos, que também são pobres. A lógica propulsora que
movimenta os refugiados é diferente da do imigrante. O refugiado está em uma
fuga para poder sobreviver. É a vida que está em risco. Então, não há condições
de se ter uma política de restrição a refugiados que apenas estão fugindo por
causa de perseguições e guerras. Ninguém escolhe ser refugiado.
O povo
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