Núcleo de Estudos de População da Unicamp lança atlas sobre os 200 anos
de imigração em São Paulo
Ao longo de mais de 200 anos, o tecido social paulista foi moldado de
maneira singular pela chegada de mais de 5 milhões de migrantes de várias
nacionalidades e regiões do Brasil. As idas e vindas dessas comunidades
provocaram profundas alterações na dinâmica social e serviram como potentes
motores econômicos da indústria e da agricultura do estado. A capital paulista
foi espaço privilegiado deste movimento. Seus bairros mais tradicionais são
testemunhos vivos do desenvolvimento urbano pautado por influxos italianos,
japoneses, portugueses e, mais recentemente, bolivianos, coreanos, senegaleses
e haitianos. A qualidade cosmopolita e empreendedora de São Paulo tem como raiz
a herança imigrante. Com o objetivo de mapear a dinâmica migratória de 1794 a
2010, revelando as mudanças e particularidades das trajetórias migrantes nos
vários períodos econômicos do estado paulista, o Núcleo de Estudos de População
da Universidade Estadual de Campinas (Nepo-Unicamp) lançou, em dezembro, o Atlas
temático do Observatório das Migrações em São Paulo.
A iniciativa é coordenada pela cientista social da Unicamp Rosana
Baeninger e teve apoio da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento
Científico e Tecnológico (CNPq). O Atlas é resultado de um
projeto temático iniciado em 2009 e que concluiu sua primeira fase em 2013. O
estudo das migrações em São Paulo envolveu 16 pesquisadores do Nepo, do
Instituto de Economia, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas e da
Faculdade de Ciências Aplicadas da Unicamp e das universidades Estadual
Paulista (Unesp), Federal de São Carlos (UFSCar), Federal de São Paulo
(Unifesp) e da Faculdade Anhembi-Morumbi, além de 40 estudantes de iniciação
científica, mestrado, doutorado e pós-doutorado. O trabalho incluiu mais de 500
entrevistas com famílias de imigrantes e a coleta de dados censitários,
registros do porto de Santos, estudos demográficos e certidões de casamento.
O próximo passo da pesquisa é avançar no estudo das migrações
contemporâneas, investigando o impacto social, econômico e urbano das novas
levas imigrantes em São Paulo, como os coreanos instalados da região industrial
de Piracicaba e no setor de semijoias em Limeira, os haitianos na construção
civil de Campinas e Franca, e os bolivianos nas confecções de São Paulo,
Americana e Indaiatuba. “O Observatório das Migrações notou que, depois de 200
anos de imigração, São Paulo continua sendo a porta de entrada das imigrações
internacionais no Brasil”, diz Rosana.
Reflexos na economia
O objetivo do Atlas é recuperar as distintas fases das migrações do estado desde 1794 até os dias atuais e articular as levas imigrantes e seus reflexos nas diversas fases da economia paulista. O primeiro período histórico contemplado no Atlas, de 1794 a 1888, envolve as migrações internas de cerca de 500 mil homens livres e escravos, bem como os primeiros imigrantes europeus, trazidos para trabalhar nas lavouras de café. A falta de censos demográficos desse período levou os pesquisadores a investigar os registros de casamentos e dados paroquiais de Campinas e São Carlos, por meio dos quais perceberam que parte significativa dos escravos dessas regiões vinha do quadrilátero do açúcar e do sul de Minas Gerais, assim como das províncias do Rio de Janeiro e da Bahia. O levantamento revelou a intensa mobilidade espacial das migrações internas no estado, um aspecto até então pouco estudado da história de São Paulo no século XIX. “Procuramos cobrir uma lacuna na literatura e mostrar como a migração interna e externa são fenômenos muito interligados que continuam a impactar a formação social paulista”, explica Rosana.
O objetivo do Atlas é recuperar as distintas fases das migrações do estado desde 1794 até os dias atuais e articular as levas imigrantes e seus reflexos nas diversas fases da economia paulista. O primeiro período histórico contemplado no Atlas, de 1794 a 1888, envolve as migrações internas de cerca de 500 mil homens livres e escravos, bem como os primeiros imigrantes europeus, trazidos para trabalhar nas lavouras de café. A falta de censos demográficos desse período levou os pesquisadores a investigar os registros de casamentos e dados paroquiais de Campinas e São Carlos, por meio dos quais perceberam que parte significativa dos escravos dessas regiões vinha do quadrilátero do açúcar e do sul de Minas Gerais, assim como das províncias do Rio de Janeiro e da Bahia. O levantamento revelou a intensa mobilidade espacial das migrações internas no estado, um aspecto até então pouco estudado da história de São Paulo no século XIX. “Procuramos cobrir uma lacuna na literatura e mostrar como a migração interna e externa são fenômenos muito interligados que continuam a impactar a formação social paulista”, explica Rosana.
Durante 1885 e 1927 entraram em terras paulistas por volta de 2,5
milhões de imigrantes estrangeiros atraídos pela expansão da cafeicultura e
crescente urbanização. A primeira expansão da cafeicultura foi concentrada
inicialmente nas regiões de Campinas até Araraquara. No início do século XX, o
plantio do café se expande rumo à ocupação do território para o oeste do
estado. Trabalhadores recém-desembarcados em Santos rapidamente ocupam as novas
fronteiras agrícolas. Esse foi o grande período das imigrações europeias
incentivadas pelo governo brasileiro. A maior comunidade a chegar a São Paulo
entre os anos de 1872 e 1929 foi a italiana, seguida pela portuguesa,
espanhola, alemã e japonesa.
Padrões de ocupação
Cada nacionalidade assumiu um padrão de ocupação diferente. Enquanto a de portugueses em São Paulo acompanhou a expansão da fronteira agrícola para oeste, os japoneses tiveram uma dispersão maior pelo estado, reunindo suas famílias nas cidades próximas ao porto de Iguape, no Vale do Ribeira, até a região entre Araçatuba e Presidente Prudente. O rico conjunto de mapas que compõe o Atlas detalha a dinâmica de imigração de todas as nacionalidades de imigrantes entre os anos de 1920 e 2010.
Cada nacionalidade assumiu um padrão de ocupação diferente. Enquanto a de portugueses em São Paulo acompanhou a expansão da fronteira agrícola para oeste, os japoneses tiveram uma dispersão maior pelo estado, reunindo suas famílias nas cidades próximas ao porto de Iguape, no Vale do Ribeira, até a região entre Araçatuba e Presidente Prudente. O rico conjunto de mapas que compõe o Atlas detalha a dinâmica de imigração de todas as nacionalidades de imigrantes entre os anos de 1920 e 2010.
Em 1927 foi encerrado o subsídio à imigração internacional e a crise
econômica global alterou a dinâmica imigratória. A elite industrial paulistana
cresceu e o empresariado de origem imigrante estabeleceu raízes em Ribeirão
Preto, Franca, São Carlos e Bauru, criando ricos polos industriais nas regiões.
Os anos 1970 testemunharam a crescente pulverização dos fluxos migratórios rumo
ao interior, padrão que continua até hoje por conta da melhor qualidade e menor
custo de vida. Em razão da modernização agrícola e difusão da indústria,
orientada pela instalação de eixos rodoviários do estado, o interior vem
ganhando progressivamente uma relevância populacional, política e econômica.
“As cidades interioranas têm forças endógenas e seu desenvolvimento se deve muito
aos fluxos migratórios”, diz Rosana. A pesquisa mostra, por exemplo, como a
presença de libaneses e japoneses estimulou o florescimento de zonas de
comércio, ao passo que os italianos, portugueses e alemães cultivaram a
agricultura e impulsionaram a indústria de São Paulo. Entre 1872 e 1950
estima-se que mais de 1 milhão de italianos entraram no estado, seguidos por 1
milhão de portugueses, 600 mil espanhóis, 200 mil japoneses, 200 mil alemães e
100 mil libaneses.
Os conflitos políticos na Europa em meados do século XX provocaram
grandes movimentos de dispersão populacional. Nesse período, São Paulo
testemunhou a chegada de novas nacionalidades. “A partir de 1930, os
especialistas tinham um olhar mais centrado na imigração interna de nordestinos
que vieram trabalhar em São Paulo, mas nossa pesquisa mostra como foi
importante a chegada de uma nova leva de imigrantes de mão de obra qualificada,
especialmente depois da guerra, como os gregos, poloneses, russos e ucranianos
que chegaram ao estado impulsionados por conjunturas políticas muito específicas”,
explica a pesquisadora. Diferentemente dos períodos anteriores, a imigração do
pós-Segunda Guerra Mundial é quase inteiramente urbana e serviu para acelerar o
crescimento das cidades paulistas em um ritmo inédito. Ao longo da década de
1950 houve um elevado crescimento populacional na Região Metropolitana da
capital, que passou de 2.653.860 habitantes em 1950 para 4.739.406 em 1960,
onde as migrações rurais e urbanas, em especial de nordestinos, permitiram que
a metrópole tivesse mão de obra disponível para fazer deslanchar sua próxima
etapa econômica.
A chegada de imigrantes ajudou no desenvolvimento econômico e expansão
demográfica, mas encontrou um crescimento urbano desorganizado gerando,
consequentemente, maior demanda por serviços públicos. Um dos objetivos do
Observatório das Migrações é aprofundar o conhecimento sobre as imigrações e,
assim, auxiliar na implementação de políticas públicas mais eficientes.
Diferentemente dos fluxos anteriores, a imigração contemporânea é pautada por
maior mobilidade. Os imigrantes agora viajam com maior velocidade e nem sempre
vêm com a intenção de se estabelecer definitivamente, como entre 1850 e 1950.
“A rotatividade migratória depende de onde o capital internacional tem
excedentes. Hoje, com um Nordeste mais dinamizado, o fluxo de trabalhadores
desta região tende a diminuir, por exemplo. Ao entender essa dinâmica do fluxo
de capital global é possível perceber a demanda por mão de obra nas cidades
paulistas e as necessidades mais pontuais por políticas de atendimento à saúde
e educação”, diz Rosana. Para ela, existe hoje um contingente populacional de
imigrantes “invisíveis” em São Paulo, como bolivianos, peruanos, paraguaios,
coreanos, chineses e senegaleses, angolanos que chegaram para trabalhar na
indústria têxtil e no comércio. Estima-se que esses contingentes cheguem a mais
de 500 mil pessoas vivendo na cidade. “Temos uma diversidade maior do que em
outras épocas. Isso vai demandar uma estrutura diferenciada de políticas
públicas que reflitam sobre a segunda geração desses fluxos de imigração, assim
como sobre a interiorização da imigração internacional e as sucessivas idas e
vindas das comunidades imigrantes.”
O Observatório das Migrações também
concluiu em 2013 a publicação dos últimos volumes de uma série de 12 estudos
sobre as dinâmicas migratórias de São Paulo. A coleção Por Dentro
do Estado de São Paulo mapeia o impacto dos fluxos migratórios em
várias regiões do estado e está disponível .
CAROLINA ROSSETTI DE TOLEDO | Edição 215 - Janeiro de 2014
Pesquisa Fapesp
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